Na nossa Parashá a maior parte do povo resolve não entrar em Erets Yisrael e conquistá-la. Eles preferiram ficar no deserto. Essa falha foi uma das maiores da nossa história (que inclusive criou o precedente para as tragédias no dia 9 de Av). Tentando sempre ver o melhor em cada um, o Chassidismo entende que o povo preferiu ficar no deserto, pois lá tinha o melhor professor – Moshe Rabeinu, a melhor proteção (nuvens da Glória e do Fogo divinos), água constante do Poço da Miriam, comida constante vinda dos Céus (Maná), roupas especiais que se reciclavam, etc. etc.
No entanto, vemos pela dimensão da punição (40 anos vagando no deserto, etc.) que essa não era a intenção Divina.
Na minha viagem recente a Ucrânia, onde minha família foi celebrar o 80º aniversário de meu pai, encontrei Sasha, um colega emissário do Rebe de Lubavitch e aluno de meu pai. O trabalho de Sasha é visitar judeus nos cantos mais remotos da Ucrânia e os reconectar com suas raízes. Ele me contou a seguinte história.
“Recentemente recebi o seguinte telefonema estranho de uma companhia mineradora que estava cavando perto de Anipolia, uma pequena cidade no oeste da Ucrânia. Eles diziam ter descoberto o que parecia ser um enorme cemitério judaico da época do Holocausto. Imediatamente larguei tudo o que estava fazendo e contatei a Chevra Kadisha (Sociedade Sagrada para um Enterro Judaico) em Jerusalém, que logo despachou uma delegação de rabinos para confirmar e ajudar na organização de um enterro apropriado e um monumento para esses mártires.
Algumas semanas depois, decidimos dar continuidade a esse evento, com um Shabaton para os parentes - de modo a honrar suas memórias. Levei comigo um grupo de jovens meninos da Yeshivá de Kiev, e muita comida casher além de uma arca portátil com uma Torá. Isso acabou se transformando num Shabat muito emocionante, muito além dos meus sonhos mais fantásticos.” Sasha explicou-se.
“Entre as muitas pessoas que prestigiaram o Shabaton estava um senhor de idade que se recusou a participar em qualquer um dos aspectos religiosos de nosso programa. No serviço da tarde do Shabat, o vi sentado sozinho com sua família, no outro lado do salão, sem uma kipá. Chamei-o para uma aliá à Torá, e, como era de se esperar, ele recusou.
Não sei o que deu em mim, mas literalmente peguei o homem pelo braço e o escoltei até a bimá (mesa onde estava o rolo de Torá). Então perguntei pelo seu nome em hebraico. Ele falou que não conseguia lembrar, mas, se ajudasse, seu nome ucraniano era Vassily. Chamei-o por esse nome e então ele fez as bênçãos que o ajudei a pronunciar e eu li a Torá para ele. Quando comecei a fazer a reza de Mi Sheberach, o abençoando, percebi que ele estava chorando incontrolavelmente. Perguntei a ele se podia lhe ajudar e ele respondeu com a voz trêmula que depois de muitos anos tinha se lembrado repentinamente de seu nome em hebraico. Era Azriel, o nome de seu avô, o rabino da cidade, que lhe foi dado no seu brit-milá (circuncisão).
“O senhor sabe,” ele disse, “meu zeide (avô) foi o primeiro a ser fuzilado por aqueles assassinos nazistas. Lembro como se fosse hoje. Eles juntaram toda a nossa cidade numa praça. Eu tinha apenas 12 anos, pouco tempo antes de meu bar-mitsvá. Eu tive muita sorte. Tinha acabado de tomar uma garrafa de água e me deram permissão para me aliviar atrás de algumas árvores. Por detrás das árvores, vi quando eles mataram todo mundo. Ninguém foi poupado. Meu zeide foi o primeiro, porque ele era o rabino. O resto da minha família foi em seguida. Depois que eles terminaram, fiquei sozinho no mundo, perambulando pelas florestas...
Depois da guerra voltei para minha terra natal, mas infelizmente, como não sobrou nenhuma comunidade judaica, desisti de minha herança judaica, me casei com uma moça que não era judia e criei uma família não judaica. Quando ouvi sobre a descoberta do cemitério, onde muito provavelmente tem toda a minha família enterrada lá, um sentimento incrível de saudade de minha família e do meu passado tomou conta de mim. Eu tinha que fazer uma conexão novamente. Eu até concordei em participar do programa com minha família. Durante todo o Shabat eu estava lutando com o meu passado judaico e minha identidade.
Quem sou eu? Sou o judeu do passado ou o ucraniano do presente?
Então quando o senhor me chamou para a Torá e me perguntou sobre meu nome judaico, tudo voltou... As comportas do meu passado se abriram. Meu zeide, meu nome em hebraico – Azriel, e o bar-mitsvá que me preparei mas que nunca celebrei, tudo passou como um flash na minha frente. Eu sabia que pertencia ao meu povo.”
Sasha concluiu: “Então falei para Azriel que ele deveria considerar sua aliá (subida para a leitura da Torá) como seu bar-mitsvá. “Certamente seu avô está muito orgulhoso de você nesse dia”, falei para ele. Ele me abraçou com lágrimas no rosto; lágrimas de pura alegria!
“Você vê,” Sasha falou, “ninguém pode jamais subestimar a alma de um judeu, até mesmo alguém que tenha sido levado embora por muitos anos. Temos somente que providenciar um fósforo. A faísca já está lá.”
“Por falar nisso,” perguntei a Sasha, enquanto terminava sua história impressionante. “Quando essa história aconteceu?”
”Três semana atrás.”
”Tem certeza?”
“Sim, claro. Por que você está perguntando?”
Agora foi minha vez de chorar. “Meu primeiro neto nasceu há exatamente três semanas e recebeu o nome de Binyamim Azriel!”
Vemos portanto que nossa missão aqui na Terra não está ligada a “o que é melhor para nós?” e sim “o que podemos fazer de melhor”. Não basta se isolar no deserto estudando Torá e receber “comida caindo do céu” - como os ‘espiões’ queriam, mas temos que entrar em Erets Yisrael e trabalhar para colher o trigo, moer e assar o pão para comer.
Assim como Sasha em nossa história, nossa missão envolve sair da nossa ‘zona de conforto’, atravessar barreiras procurando melhorar sempre, mesmo que envolva emoções difíceis como “eu não o conheço, como poderei lhe oferecer ajuda?” ou então “o interesse é dela, se ela quiser tomará a iniciativa de me procurar” ou ainda “outra pessoa poderá se oferecer para colocar Tefilin nele” e assim por diante.
Como Sasha falou: “Precisamos apenas providenciar um fósforo!” E então iluminaremos o mundo. Não podemos ficar debaixo da nuvem de proteção enquanto o mundo lá fora (ou dentro) está nos esperando para o transformarmos em um jardim! Um jardim para que D’us possa morar dentro dele!
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