O caso trágico dos espiões é um dos mais frustrantes e intrigantes eventos dos registros da Torá. Frustrante, porque como observadores casuais, sentamos com nossas mãos atadas enquanto a história dolorosamente se desenvolve, trazendo com ela resultados tão desastrosos que as ondas de choque continuam a assombrar-nos até hoje. Intrigante, porque é quase inimaginável que uma nação que testemunhou coletivamente a glória e o poder do braço estendido de D'us quando ele os libertou do cativeiro do Egito pudesse questionar Sua capacidade de colocá-los na Terra Prometida. Como justificamos sua perda de fé e qual a conseqüência que isso tem para nós hoje?

A Porção da Torá encerra-se com o mandamento de adornar todas as vestes de quatro cantos com os cordões de tsitsit. Rabi Mordechai Gifter faz uma fascinante observação sobre a descrição da Torá explicando a função dos tsitsit. Somos ordenados a meditar sobre os tsitsit, que nos lembram do restante das mitsvot, para que não nos deixemos levar pelas paixões de nosso coração ou pelos desejos de nossos olhos (Bamidbar 15:39).

Rashi explica que o coração e os olhos necessitam proteção especial, pois são naturalmente inclinados a levar a pessoa ao pecado. O processo do pecado, continua Rashi, primeiro envolve os olhos percebendo um objeto de desejo. O coração então se inflama com uma ânsia pelo objeto, e juntos, o coração e os olhos impelem o corpo à ação.

Rabi Gifter pergunta: "Se a armadilha do pecado é primeiro armada pelos olhos e depois pelo coração, como afirma Rashi, por que então a Torá os escreve na ordem oposta, declarando que os tsitsit são uma prescrição contra seguir o coração e depois os olhos?"

De forma clássica, entendemos a posição hierárquica do homem como o último a ser criado, como sendo um símbolo do papel dominante que o gênero humano representa face a face com o universo. O palco está montado: todas as matérias primas estão em ordem, e o homem é jogado em cena para domar a força bruta, elevando-a quando a coloca a seu serviço. Entretanto, num sentido mais metafísico, talvez a colocação do homem seja para indicar que toda a criação em si não tem qualquer finalidade, é um estado totalmente incompleto até que o homem seja por fim criado.

Nós, seres humanos, somos peculiares. Já aconteceu de você comentar com alguém um evento ou experiência e, ao comparar suas impressões, descobrir que vocês dois têm interpretações completamente diferentes do fato? Você sentiu-se esclarecido, estimulado, e interessou-se completamente na ocasião, ao passo que seu amigo ficou "ligado" nas falhas dos detalhes e achou tudo aquilo trivial e desinteressante. A realidade é, de fato, bastante elástica. Toma a forma de seja qual for a interpretação que desejamos lhe dar. Nossa atitude e conceito próprio ditam a maneira pela qual nos relacionamos com os estímulos externos, e que tipo de valor ou significado lhes atribuímos.

Em um sentido mais alto, o Homem é um parceiro de D'us na criação porque cada um de nós, segundo nossa personalidade única e formação do caráter, "criamos" nosso próprio mundo no qual vivemos.

Rabi Gifter explica: "É verdade que os olhos são os primeiros a induzir a pessoa a pecar; entretanto, os olhos verão apenas aquilo que o coração quiser ver!" Tsitsit exige que façamos uma reflexão sobre nossos deveres do coração, que questionemos e desafiemos nossos valores, esclarecendo o modo de ver a nós mesmos. Colocar tsitsit nos ajuda a definirmo-nos, ao identificar a causa que abraçamos. Assim como o mensageiro do elegante hotel da cidade é identificado como pertencendo ao quadro de empregados (e de fato tem um grande senso de dignidade e honra) pelo uniforme e insígnia que veste, o tsitsit serve para marcar-nos como leais servos do Todo Poderoso Criador do universo. São vestes da realeza.

Falando por si mesmos, os espiões revelaram a decadência que precipitou este acontecimento desastroso. Em seu relatório para o povo, incluíram um gracejo auto-depreciativo que parecia um tanto desafinado com o tom e andamento de sua história. Em meio à descrição da Terra de Israel como um país cujo clima produz nações de proporções gigantescas, acrescentaram: "Éramos como gafanhotos a nossos próprios olhos e também aos olhos deles" (Bamidbar 13:33).

O fato de os habitantes considerarem os judeus insignificantes como insetos certamente provocou sentimentos de apreensão e pavor. Entretanto, e quanto a seus sentimentos de inferioridade? O que achavam que esta declaração conseguiria?

A resposta é clara como água: o povo judeu não perdeu a fé em D'us; perdeu a fé em si mesmo! Perderam a saudável perspectiva correta sobre qual era seu verdadeiro valor, ou de quem eram realmente. Se tivessem compreendido o imenso amor que D'us lhes devotava, teriam acreditado ser beneficiários merecedores do mais precioso dos presentes, a Terra de Israel. Em vez de olhar para si mesmos como gigantes que sem esforço poderiam esmagar as tribos canaanitas, viram uma nação de miseráveis e desanimados gafanhotos, que não mereciam o amor que lhes era concedido.

A verdade é que D'us nos ama mais do que jamais saberemos. Como um pai compassivo, Ele nos deseja apenas o melhor. É nosso trabalho sermos Seus filhos; temos de acreditar apenas em nós mesmos e refletir sobre a nobre identidade da qual os tsitsit servem como um constante lembrete. Enquanto usarmos Seu "emblema real", orgulhosamente denominando-nos Seus filhos fiéis, então somos Seus filhos e Ele abrirá para nós Seu amor ilimitado.

O amor de D'us com certeza vem com cordões amarrados!