A leitura da Torá desta semana contém o episódio dos espiões enviados por Moshê para explorarem a terra de Canaã.

D'us falou a Moshê, dizendo: “Envie homens por ti mesmo para explorar o território canaanita que Eu estou perto de dar aos filhos de Israel. Envia um homem por cada tribo patriarcal; cada um será um príncipe em seu meio.”

Assim, Moshê os enviou do Deserto de Paran por ordem de D'us. Todos eles eram homens de distinção, eles eram os príncipes dos filhos de Israel... (Bamidbar 13:1-3)

Dez dos doze espiões retornaram com relatos depreciativos sobre a terra e instilaram medo e desencorajamento no coração da nação. A reação do Povo Judeu foi de desespero e descrença em D'us, o que foi punido com um decreto de que permaneceriam no deserto por quarenta anos. A geração que não queria entrar na Terra Prometida morreria no deserto.

O grito de desespero da nação ocorreu no diz 9 do mês de Av. D'us disse: “Eles estão chorando agora por nada, mas Eu fixarei este dia como uma ocasião para choro durante gerações”1. O efeito de seu pecado reverbera através da história judaica, já que este dia tem sido repetidamente marcado como um dia de luto, tristeza e destruição.

Dois dos espiões, Calev e Yehoshua não se juntaram ao relato negativo de seus companheiros espiões, mas tentaram encorajar a nação para que não se desesperassem.

Antes de enviar seu mais próximo discípulo, Moshê adicionou a letra hebraica yud ao nome, mudando-o de Hoshea para Yehoshua.

“E Moshê chamou Hoshea filho de Nun, de Yehoshua”. (Bamidbar 13:16)

A palavra Yehoshua é composta pelas palavras “Que D'us te salve” e, ao mudar seu nome, Moshê estava, assim, rezando em seu nome para que “D'us o salvasse do conselho dos espiões”2

O nome hebraico de uma pessoa tem um imenso significado e poder espiritual. É por isto que, quando alguém está seriamente doente, costuma-se dar a ele ou ela um nome adicional tal como “Chaim” (“vida”), “Rafael” (“D'us irá curar”), ou algum outro nome sugerindo longevidade ou bênção. Ao adicionar um nome, nós desejamos acrescentar um novo canal de energia vital e espiritual. Também Moshê estava desejando suprir a Yehoshuah com poderes espirituais adicionais para resistir ao conselho dos espiões.

O Talmud explica que o yud adicionado ao nome de Yehoshua originou-se no nome de nossa matriarca Sara e foi, assim, representativo de seus poderes espirituais. Em Bereshit cap. 17, nós lemos como D'us mudou o nome de Sara de Sarai para Sara ao substituir a letra yud no final de seu nome com a letra hei. O yud que foi tirado de Sarah cumpriu sua missão gerações mais tarde ao prover Yehoshua com a coragem para abster-se de pecar com os espiões.3

Que aspecto dos poderes especiais de Sara ajudaram a Yehoshua em seu desafio?

O Midrash nos conta que, enquanto o relato negativo dos espiões influenciou virtualmente a toda a população masculina, as mulheres retiveram sua fé em D'us e em Sua promessa e não participaram do pecado de rejeição da Terra Prometida.4

Os doze espiões enviados por Moshê eram todos, como atesta a Torá, “homens de distinção” e “príncipes de cada tribo”, especialmente selecionados por Moshê para esta tarefa. Como puderam estes grandes homens prover um relato caluniador sobre a Terra de Israel e ficarem tão receosos de conquistarem suas cidades fortificadas, especialmente quando estavam constantemente cercados pelos milagres protetores de D'us?

Quais foram os cálculos destes distintos homens, príncipes de suas tribos, que os fizeram errar tão profundamente e que Moshê temia serem poderosos demais para influenciarem seu fiel discípulo, Yehoshua? E o que fez as mulheres de Israel intuitivamente entenderem, que manteve seu amor pela Terra tão forte e leal?

O Relato dos Espiões

Os ensinamentos chassídicos5 explicam que os espiões estavam influenciados por seu medo do desafio espiritual. No deserto, as necessidades da nação eram providas milagrosamente por D'us. Havia as “nuvens de glória” que os protegiam dos elementos difíceis, o maná que provia o sustento físico, a “fonte de Miriam” que viajava com eles como uma constante fonte de água, e suas roupas nunca precisavam de reparos. O tempo da nação era gasto com a ocupação espiritual do estudo da Torá. Uma vez que entrassem na Terra de Israel, entretanto, eles enfrentariam uma existência totalmente nova: os milagres seriam substituídos pelo trabalho físico. Os espiões temiam que, estando o povo ocupado com o trabalho na terra, eles teriam pouco tempo e energia para seu serviço Divino.

“É uma terra que engole seus habitantes”6 foi o grito apavorado dos espiões. Eles pretendiam que sua preocupação com o mundo materialista os “engolisse” e consumisse toda sua energia para os esforços Divinos. Em sua mente, a espiritualidade somente poderia florescer com a proteção e com o afastamento das necessidades de nosso mundo físico.

Os espiões estavam errados em sua abordagem. D'us deseja um relacionamento conosco aqui dentro do mundo físico e não removido dele. D'us não está fora de nosso mundo, mas é encontrado dentro da dimensão de nosso mundo.

A Herança de Sara

As mulheres, cujo papel é especificamente trabalhar de dentro da realidade física para encontrar o Divino, intuitivamente entenderam isto. Este conhecimento foi uma parte de sua herança espiritual, passada de mãe para filha, derivada do exemplo de nossa matriarca Sara.

Ao longo da vida de Sara, três milagres aconteceram em sua casa: uma nuvem protetora flutuava sobre a entrada de sua tenda; suas velas de Shabat duravam de um Shabat até o próximo; e uma bênção estava presente na massa de sua chalá.7

Sara transformou seu lar físico em um santuário espiritual ao usá-lo para influenciar de forma positiva o ambiente à sua volta. As nuvens representavam a presença de D'us e demonstravam o quanto ela influenciava a realidade física com a consciência de D'us. Suas velas de Shabat queimavam de forma brilhante na escuridão e nos aspectos mundanos dos dias de semana. A bênção de saciedade na massa de sua chalá representava como até (e especialmente) dentro das necessidades físicas ela trazia sensibilidade e reconhecimento espirituais.

A mensagem que irradiava da tenda de Sara era o potencial ilimitado do lar judaico. Suas descendentes, as mulheres da geração do deserto, absorveram sua mensagem e ansiavam para colocá-la em prática nas vidas que estabeleceriam em sua própria terra. Elas ansiosamente esperavam o momento quando, também elas, poderiam transformar suas casas físicas em santuários espirituais cheias de Divindade, espalhando santidade através do mundo.

Diferentemente dos espiões, as mulheres reconheceram que espiritualidade não é independente, mas nossa responsabilidade é a de mudar e elevar nosso mundo. As mitsvot usam a realidade natural e física para fazerem de nosso mundo um lugar de moradia para D'us.

Esta foi a herança espiritual que as mulheres de Israel receberam de Sara – e que ela transmitiu a Yehoshua ao dar-lhe uma letra de seu nome.

A Mitsvá da Chalá

Talvez a Torá esteja reforçando isto com a mitsvá da chalá ordenada ao final de nossa Parashá na esteira do incidente dos espiões: “Vocês devem separar a primeira porção da mistura de vocês como uma oferenda de massa (chalá) para D'us”. (Bamidbar 15:20)

A mitsvá da chalá é a de separar uma porção de massa cada vez que misturamos farinha e água para fazer pão. Na época do Templo, esta massa era dada a um dos sacerdotes. Hoje em dia, esta pequena porção é queimada e não pode ser ingerida por ninguém. Apesar de que tanto homens quanto mulheres possam praticar esta mitsvá de separar a massa, as mulheres têm sido, tradicionalmente, responsáveis pela prática dela, que é considerada uma de suas especiais mitsvot por estar intuitivamente conectada à sua mensagem fundamental.

Ao “separarmos uma oferenda de massa para D'us”, nós dirigimos nossos alimentos, necessidades e desejos físicos a um propósito espiritual. A própria massa ganha uma nova “vida” – uma que se torna consagrada para a santidade, direcionada e santificada para um objetivo maior. Nós estamos, com isso, realizando uma fusão do físico com o espiritual.

A mitsvá da chalá ensina que Judaísmo não confina D'us ao mundo do espírito. As mitsvot que envolvem atividades físicas fazem da Divindade o ponto focal de nossas vidas. A chalá nos lembra que, mesmo dentro do mundo material, até mesmo enquanto trabalhamos a massa do mais básico pão da vida física, nós devemos permear a criação com sua missão Divina de transformar nosso mundo físico numa moradia para D'us.

Ao separarmos um pequeno pedaço de massa crua, nós negamos a base do erro dos espiões e somos lembradas da mensagem de vida de Sara, atestando que não existe canto na terra desprovido de Presença Divina.