Eis aqui a história básica dos espiões com alguma ajuda de Rashi:
Um grupo de israelitas abordou Moshê sugerindo que uma delegação fosse enviada para examinar a Terra de Canaã antes de sua entrada planejada. Moshê foi cético, pois ele tinha sido explicitamente informado que eles estavam indo para “uma terra de leite e mel.” Moshê sentia que os israelitas não tinham razão para temer os habitantes, pois eles todos tinham visto os grandes milagres lançados contra os egípcios muito mais poderosos.

Mas, temendo que seu povo pensasse que ele tinha algo a esconder, Moshê concordou em organizar a missão apesar de suas apreensões. Ele reuniu 12 líderes e os instruiu a trazer de volta um relato detalhado sobre a terra. Moshê sentia que a tarefa estava em excelentes mãos, embora ele ainda tivesse suas dúvidas.

Aquelas preocupações se provaram justificadas quando 10 dos enviados retornaram com relatos pessimistas, sugerindo que os israelitas tinham apenas uma pequena chance de derrotar os poderosos habitantes da terra. Isso levou a revolta de um grande número de pessoas contrárias a seguir até a Terra Prometida e causou uma prolongada permanência no deserto.

Há algumas importantes perguntas sobre essa história; duas particularmente fortes. Primeira, por que Moshê permitiu essa missão se ele tinha Duvidas e preocupações sobre ela? Segundo, como os membros de uma delegação tão prestigiosa tinham se tornado corruptos?

Vamos examinar cada pergunta por sua vez.

A palavra hebraica que a Torá usa para descrever os líderes que Moshê selecionou é “anashim,”1 frequentemente usada para denotar homens de distinção. Rashi, no entanto, declara que “para aquele tempo eles eram adequados (literalmente ‘casher’).” A partir deste comentário temos a impressão de que Moshê estava confiante sobre a missão porque ele a tinha entregue a indivíduos de valor.

Essa impressão é significativamente firmada pela explicação de Rashi por que Moshê trocou o nome de Joshua de Hoshea para Yehoshua: “Ele [Moshê] rezou por ele: que D'us o salve do plano dos espiões (Yehoshua significa “D’us salve”).”2 Por que Moshê iria rezar pela salvação de Yehoshua se tudo estava bem?

Se algo tinha mudado na breve duração da seleção dos homens para sua partida – o que parece improvável por si mesmo – por que Moshê não abortou a operação?

Rashi mais tarde comenta sobre as palavras bíblicas “Eles saíram e foram até Moshê,”3 significando que sua ida e seu retorno à missão eram do mesmo tipo. ”Assim como sua vinda era com um mau plano, também sua ida era com um mau plano.” Portanto por que Moshê permitiu que eles partissem?

É verdade que desde o início Moshê estava ciente de que o Todo Poderoso estava infeliz com toda a ideia. Como Rashi explica em outra parte, quando Moshê primeiro apresentou a ideia a D'us, ele foi indagado: “Por que eles precisam inspecionar a terra? Não basta que Eu tenha dito a eles que a terra é boa?”4

A razão pela qual Moshê não vetou a ideia é também provida por Rashi em algum detalhe: Moshê estava chamando de blefe. Ele esperava que ao concordar em enviar um grupo para conferir a terra, eles veriam que ele não tinha nada a esconder e iriam deixar a ideia de lado. Quando eles não cancelaram seu pedido, Moshê sentiu que tinha de seguir adiante para provar que tudo estava bem. Mas temos prova de que Moshê estava especificamente preocupado com o destino da sua missão, portanto como ele permitiu que continuasse?

É também difícil entender como homens de nível, cuidadosamente escolhidos por Moshê podiam ser tão rápida e facilmente corrompidos. Eles não apenas se desviaram de sua missão, mas terminaram advogando pela agenda totalmente oposta, declarando inviável o prospecto de entrar na terra. O que pode explicar uma transformação tão drástica?

Há questões de base que fortalecem criticamente nosso entendimento da história.

O Rebe sugere caracteristicamente que o motivo para termos essas perguntas é porque estamos carecendo de algo fundamental. Estamos acostumados a chamar este grupo de “os 12 espiões”. Toda criança aprende sobre “os 12 espiões” na escola. Ninguém iria pensar em questionar isso. Mas o Rebe o faz – e dramaticamente.

“Onde”, o Rebe pergunta, “eles são chamados de espiões?” Surpreendentemente, a resposta é: nem uma só vez. A Torá nunca se refere a eles como espiões! Mas sim, eles são repetidamente chamados de “turistas”, visitantes. Moshê nunca enviou espiões, ele enviou turistas!

Espiões e turistas não apenas são diferentes, eles são totalmente opostos. O turista é um visitante inocente que está apenas tentando passar um bom tempo. O espião é uma figura sinistra que vem com intenção falsa. Um turista nada tem a esconder, enquanto o espião oculta uma trama perigosa. Turistas vão para ver as partes mais bonitas e impressionantes do local. Espiões fazem o oposto – estão olhando para ver todos os aspectos desagradáveis, buscando toda fraqueza. Moshê disse a eles para irem num passeio e retornar com impressões sobre sua viagem. Ele não os enviou para espionar e tramar.

O que aconteceu foi que os membros da delegação sentiram que seus talentos não estavam sendo usados plenamente. “Se de qualquer maneira estamos indo para visitar a terra,” eles declaravam, “por que não fazer alguma espionagem enquanto estamos ali?” Portanto, a ideia começou a se desenvolver de que eles iriam fazer uma pequena espionagem numa boa medida. Isso é conhecido como “missão rastejante”.

Quando Moshê rezou por Yehoshua, seu pedido foi que ele fosse poupado do seu “plano”. Rashi diz que Caleb, o único outro membro da delegação que permaneceu firme na missão, rezava nos túmulos dos antepassados para que ele não fosse persuadido a “juntar-se ao plano dos seus colegas”.5 A palavra “plano” parece uma escolha estranha aqui. É um termo altamente neutro que não implica qualquer erro. Não teria sido melhor usar o termo “trama” para descrever seu esquema? Mas “trama” teria sido o termo errado, porque eles nunca tramaram qualquer coisa. Tudo que eles tinham era um plano e que parecia muito inocente para começar. Essas eram pessoas altamente adequadas, vamos lembrar. Moshê confiava nelas e em suas habilidades. Mas aquele “plano” deles não era a intenção da missão, e terminou se desvirtuando inteiramente de seu objetivo primordial.

Moshê estava preocupado em rezar para que Yehoshua não se juntasse ao plano deles para se tornarem espiões, mas ele não esperava que as coisas dessem tão errado que justificasse cancelar a viagem. Cair fora teria sido altamente controverso, e não havia nenhuma base para abortar o plano. É claro, olhando para trás, podemos ver que havia as bases de um “plano mau” desde o início, embora começar com aquilo realmente não era uma má intenção. Ao mudar de turistas para espiões eles distorceram completamente o objetivo e se tornaram prontos para profunda deterioração e uma forte mudança rumo a uma missão corrupta.

Todos fomos recrutados por D'us para uma missão, que é estudar Torá e cumprir suas mitsvot. Assim como aqueles espiões faziam, pode ser tentador às vezes acrescentar nossas próprias ideias para a missão – apenas para aumentá-la, é claro. Por exemplo, alguém poderia pensar que como somos ordenados a colocar uma mezuzá nos nossos batentes, que talvez devêssemos colocar uma em ambos os lados da porta, para torná-las ainda mais visíveis. Mas é assim que as coisas são descarriladas. Precisamos nos apegar à meta designada, para que não percamos nosso caminho e nos vejamos perdendo o rumo da nossa missão.