Em março de 2015 tive uma conversação pública em Yale com o presidente da Universidade, Peter Salovey. A ocasião foi muito emocionante. Celebrava o sexagésimo aniversário das Instituições Marshal, criadas pelo Parlamento Britânico como uma forma de expressar agradecimento aos Estados Unidos pelo Plano Marshal, que ajudou a Europa Ocidental a reconstruir suas economias após a Segunda Guerra Mundial. As instituições ajudavam destacados jovens americanos a estudar em qualquer universidade no Reino Unido. Portanto a reunião naquela noite foi sobre os elos entre Grã Bretanha e os Estados Unidos, e o papel das universidades em cultivar aquela generosidade de espírito foi representada pelo Plano Marshal, que compreende a necessidade de construir a paz, não somente empreender guerra.

Mas havia outra ressonância emocional. Yale é uma das melhores universidades do mundo. Porém houve uma época, entre os anos de 1920 e 1960, quando tinha uma reputação de estar em alerta, até quietamente hostil, à presença de judeus entre seus estudantes e funcionários.1 Felizmente aquele não tinha sido o caso desde 1960 quando seu Presidente, A. Whitney Griswold, emitiu uma ordem de que a religião não deveria desempenhar um papel no processo de admissão. Hoje recebe calorosamente pessoas de todas as fés e etnias. Notando aquele fato, o Presidente declarou que naquela tarde Yale não somente estava recebendo um rabino, mas ele também – Salovey – era judeu e descendente de uma importante dinastia rabínica. Salovey é uma anglicização do nome Soloveitchik.

Pensando sobre aquela ocasião, me pergunto se havia mais do que uma conexão meramente familiar entre o presidente da universidade e seu importante parente distante, Rabino Joseph Soloveitchik, o homem conhecido por gerações de seus alunos na Yeshive University simplesmente como “O Rav”. Havia um elo intelectual e espiritual também, embora oblíquo?

Há, e é significativo. A notável contribuição de Peter Salovey ao pensamento da nossa época é o conceito que ele formulou junto com John Mayer num importante artigo de 1989,2 chamado inteligência emocional – popularizado em 1995 pelo livro do mesmo nome, campeão de vendas, de Daniel Goleman.

Durante muitas décadas, QI, ou quociente de inteligência, concentrou a atenção numa série de testes cognitivos e de raciocínio como a medida básica da inteligência, considerado como o melhor indicador de capacidade como, por exemplo, um oficial militar. Foi preciso outro brilhante psicólogo judeu da nossa época, Howard Gardner (de Harvard), para romper este paradigma e defender a ideia de inteligências múltiplas.3 Resolver quebra-cabeças não é o único talento que importa.

O que Salovey e Mayer fizeram era mostrar que nossa habilidade para entender e responder não apenas às nossas próprias emoções mas também aquelas de outros é um elemento essencial de sucesso em muitas áreas, na verdade de interação humana em geral. Há elementos fundamentais da nossa humanidade que têm a ver com a maneira como nos sentimos, não apenas a maneira como pensamos. Ainda mais importante, precisamos entender como outras pessoas se sentem – o dom da empatia – se queremos formar um vínculo significativo com elas. É a isso que a Torá está se referindo quando diz: “Não oprima um estrangeiro porque você sabe como é ser um estrangeiro” (Êxodus 23:9).

As emoções são importantes. Elas guiam nossas opções. Levam-nos à ação. O intelecto sozinho não pode fazer isso. Tem sido uma falha de intelectuais através da história acreditar que tudo que precisamos é pensar diretamente e iremos agir bem. Não é assim. Sem uma capacidade para simpatia e empatia, nos tornamos mais como um computador do que um ser humano, e isso está repleto de perigo.

Foi exatamente este detalhe – a necessidade de inteligência emocional – sobre o qual Rabino Soloveitchik falou em um dos seus mais comoventes discursos, ‘Um Tributo à Rebetsin de Talne.’4 As pessoas, disse ele, estão enganadas quando pensam que há somente uma Mesorá, uma tradição judaica passada através das gerações. Na verdade, ele disse, há duas: uma transmitida pelos pais, e outra pelas mães. Ele citou o famoso versículo de Provérbios 1:8: “Ouve, meu filho, a instrução de teu pai (mussar avikha), e não abandona o ensinamento de tua mãe (torat imekha).” Essas são duas distintas mas entrelaçadas tendências da personalidade religiosa.

Com um pai, ele disse, aprendemos como ler um texto, compreender, analisar, conceituar, classificar, inferir e aplicar. Também aprendemos como agir; o que fazer e o que não fazer. A tradição do pai é “uma intelectual-moral”. Indo ao “ensinamento de tua mãe”, Soloveitchik se tornou pessoal, falando daquilo que ele aprendeu com sua própria mãe. Sobre ela, ele disse:

Aprendi que o Judaísmo se expressa não apenas em concordância formal com a lei mas também numa experiência viva. Ela ensinou-me que há um sabor, um perfume e calor nas mitsvot. Aprendi com ela a coisa mais importante na vida – sentir a presença do Todo Poderoso e a gentil pressão de Sua mão pousando sobre meus frágeis ombros. Sem os ensinamentos dela, que com frequência me eram transmitidos em silêncio, eu teria crescido como um ser sem alma, seco e insensível.5

Para dizer com outras palavras: Torá imekha é sobre inteligência emocional. Há muito tempo senti que juntamente com a notável palestra de Rabi Soloveitchik, “Homem Haláchico”, havia outra que ele deveria ter escrito chamada “Mulher Agadica”. Halachá é um empreendimento intelectual-moral. Mas agadá, a dimensão não haláchica do judaísmo rabínico, é direcionada aos aspectos mais amplos daquilo que é ser um judeu. Está escrita em narrativa e não em lei. Convida-nos a entrar nas mentes e nos corações de nossos antepassados espirituais, suas experiências e dilemas, suas realizações e seu sofrimento. É a dimensão emocional da vida de fé.

Falando pessoalmente, não sou inclinado a pensar nisso em termos de uma dicotomia macho-fêmea.6 Somos todos chamados para desenvolver ambas as sensibilidades. Mas elas são radicalmente diferentes. Halachá é parte da Torat Cohanim, a voz do Judaísmo sacerdotal. Na Torá, seus verbos chave são Le-havdil, distinguir/analisar/classificar, e Le-horot, instruir/guiar/emitir uma regra. Mas no Judaísmo há também uma voz profética. As palavras-chave para o profeta são asedek u-mishpat, probidade e justiça, e chessed verahamim, bondade e compaixão. Essas são sobre relacionamentos Eu-Tu, entre humanos, e entre nós e D'us.

O sacerdote pensa em termos de regras universais que são eternamente válidas. O profeta é focado nas particularidades de uma determinada situação e os relacionamentos entre os envolvidos. O profeta tem inteligência emocional. Ele ou ela (houve, é claro, mulheres profetas: Sara, Miriam, Devora, Hannah, Abigail. Huldá e Esther) lê o estilo do momento e como se relaciona com relacionamentos duradouros. O profeta ouve o grito silencioso do oprimido, e a fúria incipiente do Céu. Sem a lei do sacerdote, o Judaísmo não teria estrutura ou continuidade. Mas sem a inteligência emocional do profeta, se tornaria, como disse Rav Soloveitchik, sem alma, frio e insensível.

Isso nos leva à nossa parasha. Em Haazinu, Moshê faz a coisa inesperada mas necessária. Ele ensina uma canção aos israelitas. Ele vai da prosa à poesia, da fala à música, da lei à literatura, do discurso simples à metáfora viva.

Ouçam, céus, e eu falarei;
E deixe a terra ouvir as palavras da minha boca.
Que meu ensinamento caia como a chuva,
Meu discurso flua como o orvalho;
Como chuva gentil sobre plantas tenras,
Como chuvas sobre a grama. (Deut. 32:1-2)

Por quê? Porque no próprio fim de sua vida, o maior de todos os profetas se voltou à inteligência emocional, sabendo que se não o fizesse, seus ensinamentos entrariam na mente dos judeus mas não em seus corações, suas paixões, seu DNA emotivo. São os sentimentos que nos levam a agir, nos dão a energia para aspirar, e alimentam nossa habilidade de lidar com nossos compromissos com aqueles que vêm depois de nós.

Sem a paixão profética de um Amos, um Hoshea, um Yeshayiahu, um Yirmiyáhu, sem a música dos Salmos e as canções dos Levitas no Templo, o Judaísmo teria sido uma planta sem água ou luz do sol; teria murchado e morrido. O intelecto sozinho não inspira em nós a paixão para mudar o mundo. Para fazer isso você tem de pegar o pensamento e transformá-lo em canção. Isso é Haazinu, o grande hino ao amor de D'us por Seu povo e seu papel em assegurar, como disse Martin Luther King, que “o arco do universo moral é longo, mas se curva frente à justiça.” Em Haazinu, o homem de intelecto e coragem moral se torna a figura da inteligência emocional, permitindo que seja, na imagem adorável de Yehuda Halevi, a harpa para a canção de D'us.

Esta é uma ideia que muda a vida: Se você quer mudar vidas, fale com os sentimentos das pessoas, não apenas com as suas mentes. Aborde seus temores e as acalme. Entenda suas ansiedades e as elimine. Acenda suas esperanças e as instrua. Erga suas visões e as aumente. Os seres humanos são mais que algoritmos. Somos seres levados pela emoção.
Fale do coração para o coração, e a mente e a ação irão se seguir.