Profanação e Santificação

O tema central na porção semanal da Torá de Emor atinge seu clímax ao final da terceira seção da Parashá: “Vocês não devem profanar Meu santo nome e Eu serei santificado entre os filhos de Israel, pois Eu sou D’us, seu D’us.”

Um par de mandamentos separados, embora complementares, está contido neste versículo. O primeiro, um mandamento proibitivo, é o de não profanar o Nome de D’us. O segundo, um mandamento positivo, é o de santificar o Nome de D’us.

O Vácuo Negativo

A palavra hebraica usada no versículo para “vocês não devem profanar” é t’challel. Literalmente, chalal significa “uma condição de vácuo”. O vácuo é uma ausência em qualquer área da existência. (A mesma palavra é também usada para “cadáver”, a quem falta uma alma). A profanação do Nome de D’us, chilul Hashem, ocorre quando Ele parece estar ausente em uma determinada realidade. De forma direta, Maimônides explica que toda vez que um judeu, especialmente um que tenhamos em alta consideração, se comporta de uma forma aparentemente negativa, ele profana o Nome de D’us. Com o nosso entendimento do significado da palavra challel vemos que quando ele se comporta desta forma negativa, ele sugere que D’us não está presente em nossa realidade.

Santificação: Consciência de D’us

O mandamento complementar à proibição de profanar o Nome de D’us é a ordem de santificar o Nome de D’us. Como a profanação é a sugestão da aparente ausência de D’us, segue-se que santificar o Nome de D’us é trazer a consciência de D’us a cada faceta da realidade. A palavra hebraica para “santificar” é codesh. O significado literal de codesh é “transcendente” ou “separado”. Quando alguém reflete seus traços de caráter Divinos e purificados tão intensamente quanto possível em tudo que ele faz, ele traz a transcendência de D’us à nossa realidade interior. Desta forma, ele santifica o Nome do Altíssimo.

A Revelação da Alma Divina de Israel

Em sua manifestação final, a ordem de santificar o Nome de D’us é o mais intenso de todos os mandamentos da Torá. De acordo com a lei judaica, são três os mandamentos que um judeu não pode transgredir mesmo sob a ameaça de morte: idolatria, adultério e assassinato. Se um judeu estiver sendo coagido a transgredir qualquer um destes mandamentos, ou se ele está sendo publicamente coagido a transgredir qualquer mandamento (isto se aplica quando existe um decreto externo proibindo o cumprimento de qualquer mandamento), ele deverá escolher morrer em vez de transgredir.

Paradoxalmente, entretanto, o verbo para “santificar” em nosso versículo está escrito na forma passiva (“Eu serei santificado”). Em todos os 248 mandamentos positivos, de todos os que são de alguma forma ativos, somente este mandamento aparece na forma passiva.

Quando alguém enfrenta um dilema moral que ameaça sua vida e escolhe morrer, ele demonstra a intensidade final do auto-sacrifício. Simultaneamente, portanto, ele está negando seu ego. O lugar que seu ego ocupava em seu coração está agora vago e aberto à transcendência de D’us. Sua disposição para morrer revela que D’us está completamente presente em nossa realidade. Isto explica a forma passiva do verbo “santificar”. Quando alguém nega totalmente seu ego, seu coração está aberto para o fluxo espontâneo e natural da consciência Divina. Tanto em vida quanto na morte, ele revelou que somente D’us existe. Ele trouxe a onipresença transcendente de D’us para o mundo. Mais do que com qualquer outro mandamento, esta é a revelação da alma Divina de Israel.

Nome de D’us

O profeta Zecharyá prevê o futuro quando “D’us será um e Seu Nome será um” Assim como o nome de uma pessoa reflete sua presença na realidade, o Nome de D’us é a consciência de Sua presença em nossa realidade. Quando Zecharia promete que D’us será um, ele está se referindo ao papel de D’us de revelar ativamente a Si mesmo ao mundo. “Seu Nome será um” refere-se ao papel do mundo, que procurará ativamente a consciência de D’us em toda faceta da existência, tanto psicológica quanto física.

A Estória do Blasfemador

O tema da profanação do Nome de D’us aparece novamente no final da Parashá Emor. A Torá menciona a estória do homem que amaldiçoou D’us enquanto o povo judeu estava no deserto. Este homem era o filho de Shlomit bat Divri. Como seu nome reflete, Shlomit bat Divri (literalmente “Paz, filha da Palavra”) tinha a inclinação e conversar com todos que passavam por sua casa, dizendo “Olá! Paz!” (shalom) tanto para judeus quanto para os egípcios. Este costume insolente tornou-a vulnerável a ser atingida pelo mal. Ela acabou sendo violentada por um egípcio que se disfarçou como seu marido, e deu à luz a um filho que amaldiçoou D’us por ódio de não receber uma parcela da terra como o resto de sua tribo. (Depois de violentar Shlomit bat Divri, o egípcio tentou assassinar seu marido. Moshê, que, com seu espírito sagrado, percebeu o que havia acontecido, matou o egípcio, salvando, assim, a vida de seu marido. Esta foi a primeira vez que Moshê agiu como o redentor de Israel. Ele foi posteriormente sentenciado à morte pelo faraó por seu ato e teve que fugir do Egito).

A Conexão Entre Maldição e Profanação

A palavra hebraica para “maldição” é kallel (soletrada: kuf, lamed, lamed). A raiz hebraica para “profanação” é challel (soletrada: chet, lamed, lamed). Estas duas palavras são, obviamente, relacionadas. Ambas as palavras terminam com um duplo lamed, enquanto as letras que as diferenciam são kuf (em kallel) e chet (em challel). De acordo com o sistema de transformação conhecido como Albam, as letras kuf e chet são intercambiáveis. A purificação do blasfemador (mekallel) no deserto foi se tornar um cadáver (challal).

O Cadáver Positivo

As duas letras idênticas em kallel e challel são os lameds. Na Cabalá aprendemos que o duplo lamed é o segredo do coração. O Rei David escreve (Salmos 109:22): “e meu coração é como um cadáver dentro de mim.”

O Rei David aniquilou sua má inclinação, deixando um “cadáver positivo”. No lugar de sua má inclinação, ele criou um vácuo em seu coração, deixando-o bem aberto para que entrasse a transcendência de D’us. Na Parashá Emor, tanto challal quanto kallel são negativas. Ambos são estados do coração. Challal é o vácuo de D’us no coração, enquanto a maldição, kallel, deriva daquele mesmo vácuo. Assim, vemos que vácuo e maldição são interdependentes.

Trabalhando com intensidade sobre os traços de caráter de seu coração, o Rei David purificou o negativo, challal, transformando-o em um receptáculo à transcendência de D’us, uma santificação de Seu Nome.

Uma Nova Manifestação

O antônimo de challal, “santificação”, é codesh (soletrado: cuf, dalet, shin). Como aprendemos, as letras kuf e chet são intercambiáveis. Se substituirmos a letra chet pelo cuf em codesh, teremos uma nova palavra, chadesh, que significa “novo”. (Chodesh também significa “mês”, aludindo à “lua nova”). A Torá nos ordena santificar a lua nova. Rashi, o famoso comentarista da Torá, explica que D’us demonstrou a Moshê exatamente como a lua nova aparece no céu, dizendo “Quando vires isto, santifique-a”.

Renovação é novidade. Quando vemos um fenômeno totalmente novo, devemos santificá-lo. O mais moderno fenômeno em nosso mundo é quando a transcendência ou algo removido de nosso ambiente rotineiro de fenômenos naturais se tornam intensamente revelados em nossa consciência. Este é o segredo de “Eu serei santificado”. Quando uma pessoa está desejando desistir de sua vida por D’us, seu ego desapareceu. Isto cria uma manifestação totalmente nova, nunca antes revelada no mundo. A absoluta transcendência de D’us, codesh, é de novo (chadash) revelada, tornando-se onipresente e interna. Assim, vemos que santificar e novidade são interdependentes.

As Percepções do Coração e da Mente

Enquanto challal e kallal são estados do coração, codesh e chadash são estados da mente. Eles são a pura percepção do olho interno da mente, como nas instruções de D’us para Moshê, “Quando vires isto (a lua nova), santifique-a”.

A diferença entre a mente e o coração é a diferença entre a percepção pura e a resposta emotiva para o que é percebido. Toda percepção pura (visão, som, etc.) são faculdades mentais. Codesh e chodesh se originam na essência interior da percepção da mente. Challal e kallel se originam no coração e precisam ser transformados nos “cadáveres positivos” do Rei David.

A “Maldição” Positiva

Em Yechezekel 1:7, kallal significa luminosidade brilhante. O vácuo positivo do coração (challal) cria espaço para a nova (chadash) manifestação da onipresença transcendental de D’us (codesh). Isto produz a experiência emotiva brilhante do coração (kallal).

A purificação sobre a qual devemos nos concentrar esta semana é a anulação de nosso ego para permitirmos que a transcendência de D’us entre em nossos corações. Transcendência é sempre algo novo, transformando a negatividade da profanação e da maldição em emoções purificadas do coração, que brilhará intensamente e santificará o Nome de D’us em nossa realidade.