É uma daquelas coisas que os homens simplesmente nunca entenderão.
Por que eu tenho mais energia depois de passar uma hora limpando as gavetas bagunçadas na minha casa? Por que alguém se sentiria eufórico em achar algo visível atirado no chão do quarto de seus filhos, em vez de ter que buscar no fundo de toda aquela pilha de brinquedos? E por que até a simples visão de um quarto limpo faz alguém feliz - por que isso nos faz sentir melhor e até mais leves – mesmo quando estamos em outro quarto, totalmente diferente, na outra extremidade de nossa casa?
Nossos maridos talvez prefiram creditar estes sentimentos à insanidade ou simplesmente como uma daquelas coisas de mulheres, mas eu prefiro atribuí-lo a uma sensibilidade espiritual.
Na porção da Torá desta semana, nós lemos a declaração: “Quando D'us, teu D'us, ampliar tuas fronteiras, como Ele te prometeu, e tu disseres: ‘Eu comerei carne’, pois tua alma desejará comer carne, tu poderás comer carne pelo desejo de vossas almas”. (Devarim 12:20).
Rabi Akiva, um dos mais proeminentes estudiosos e líderes da época talmúdica, comentou que o versículo “quando D'us ampliar tuas fronteiras” nos ensina que nós só devemos desejar comer carne em uma condição de abundância e fartura. À primeira vista, ele parece estar dizendo que o fato de uma pessoa pobre comer carne será um comportamento ostensivo.
Ainda assim, uma opinião aparentemente contraditória, daquela do sábio Rabi Yishmael, é citada junto com esta no comentário clássico escrito por Rashi: “ampliará tuas fronteiras” se refere ao Povo Judeu entrando na Terra de Israel. O fato de elas serem citadas juntas, em um comentário, sem qualificação ou resolução, parece sugerir que o verdadeiro significado dessas duas declarações de alguma forma explicam em vez de se contradizerem uma à outra.
A principal riqueza do Povo Judeu não é a riqueza material, mas nossa herança espiritual – a única posse que nunca foi nem poderá ser roubada de nós – mesmo temporariamente – não importa quantas vezes tenhamos sido exilados. Quando lida como riqueza espiritual, a declaração de Rabi Akiva é explicada e tornada pessoalmente relevante para cada judeu pelo comentário de Rabi Yishmael.
No deserto, os judeus viviam uma existência puramente espiritual. Tão distantes estavam do mundo material que até o alimento que comíamos (o maná) era inteiramente absorvido pela espiritualidade. Não havia rejeitos físicos do maná, pois não havia nenhuma parte do alimento que não pudesse ser elevada – portanto, cada molécula foi absorvida por nossos corpos para ser utilizada como combustível para nossos esforços espirituais. No deserto, todos os nossos esforços eram espirituais, nós estávamos livres de qualquer necessidade de trabalhar. A única tarefa doméstica exigida de nós era apanhar o maná.
Nossa entrada na Terra de Israel foi uma entrada repentina em um mundo de guerras e diplomacia, de colonizar a Terra, de cultivar o solo e ter que cultivar e colher nosso próprio alimento, de ter que trabalhar com e dentro do mundo material.
Isto deve ter vindo como um choque atordoante. Deveria ter causado uma descida desastrosa no materialismo vazio. De fato, tal resultado é o que temiam dez dos doze espiões que vieram para a Terra nos dias de Moshê. É por isto que eles falaram de forma tão negativa sobre a Terra e que fez com que o povo chorasse pela ideia de nela entrar.
Mas, seus medos estavam equivocados. Não só não descemos ao materialismo grosseiro ao entrarmos na Terra, mas elevamos o mundo material a um nível muito maior do que quando estávamos no deserto.
“Quando D’us, teu D’us, ampliar tuas fronteiras” é, na verdade, uma referência à tremenda abundância espiritual com que fomos abençoados quando entramos na Terra pela primeira vez, uma abundância espiritual que cada um de nós ainda possui, por mais oculta que possamos às vezes sentir. Com essa nova riqueza, ampliaram-se as fronteiras do que podíamos e não poderíamos elevar e refinar neste mundo. Uma prova disto está na declaração que segue: a de que nós podemos comer carne de acordo com o desejo de nossos corações.
No deserto, nós éramos capazes de elevar completamente a carne se fosse de um animal que tivesse sido sacrificado no Tabernáculo (algumas oferendas tinham “sobras” designadas ao nosso consumo). Mas, na existência espiritual e material em que entramos quando conquistamos a Terra, pudemos elevar até a carne comum, carne de um animal que não havia sido sacrificado.
Em outras palavras, no deserto, quando nosso envolvimento com esse mundo era muito limitado, éramos capazes de elevar o mundo de maneira limitada. Por exemplo, se os judeus comessem carne comum no deserto, ela não era totalmente transferida para a santidade. Mas, hoje, cada um de nós pode atingir esta elevação.
A chave é criar tempo a cada dia para entrarmos na Terra e sentirmos novamente a ampliação de nossas próprias fronteiras interiores. Quando nos engajamos em atos explicitamente espirituais tais como oração, estudo da Torá, ajuda ao próximo ou meditando sobre nosso relacionamento com D'us e tudo o que Ele faz para nós –entramos no paralelo espiritual da Terra de Israel.
Pontuar nosso dia com essas experiências renova nossa própria capacidade de elevar até alguns dos componentes mais “pesados” do mundo à nossa volta. Conforme lemos mais adiante na porção da Torá, que repete os critérios para os animais casher, descobrimos uma outra dimensão de entendimento do nosso relacionamento ideal com a materialidade. “Estes são os animais que tu podes comer: todo animal que tenha o casco fendido, que é separado por uma fenda em dois cascos, e que rumine entre os animais – este, tu podes comer” (Devarim 14:4-6).
De acordo com a Chassidut, uma das muitas lições – talvez razões – ligadas a nos mantermos casher está relacionada aos efeitos espirituais de comermos certos tipos de animais. Estes efeitos são refletidos na forma física, assim como nos padrões comportamentais, dos vários animais e aves existentes. Nos foi dito especificamente para comermos somente aqueles animais que têm cascos fendidos e que sejam ruminantes.
Um casco, em hebraico, é chamado parsá, que também pode significar cortina ou separação. Um animal, quando está sobre seus cascos, está separado da terra sobre a qual ele se encontra. Quando o casco é está completamente dividido, algum contato com a terra é mantido. Isto nos ensina uma importante lição sobre nosso relacionamento com a materialidade. Assim como um animal com um casco fendido retém um canal através do qual ele está conectado com a terra, não devemos nos isolar desse mundo, mas sim permanecermos envolvidos e ao mesmo tempo estarmos elevados acima dele. Deste ponto de vista, podemos dedicar um tempo para “mastigarmos”, ponderando sobre as coisas que precisamos trabalhar ou partilhar e quais precisamos simplesmente deixar de lado.
Ao fazer isso, assumimos o controle do mundo material. Nós tomamos o que é destinado a nós e o que somos capazes de elevar - e quanto mais crescemos espiritualmente, mais posses (casher) podemos carregar.
Uma das razões pelas quais generosamente a caridade é um instrumento para o crescimento dos negócios é que a própria ação nos eleva - e a nossas posses - a um nível em que mais riqueza pode ser transportada sem nos deixar cansados, ou deixar a própria riqueza presa na existência material. Em vez disso, colocamos o mundo material a nosso serviço e não nos tornamos escravos dele.
No entanto, não é apenas a busca de bens materiais que temos que equilibrar. De acordo com trabalhos clássicos sobre ética - um lar ordenado coloca a mente e a alma em repouso (então, se seu marido questionar sua reação emocional de ter um armário organizado, diga-lhe que há uma fonte para isso na Torá). Separar montes de nossos pertences, jogar o lixo fora e organizar o que sobrou é uma das muitas maneiras de mastigar nosso canto no mundo físico. Não que a Torá defenda o ascetismo - mas é uma questão de não nos deixarmos subjugar pelo que temos nem pelo que queremos.
À medida que analisamos as coisas, refletindo sobre seus possíveis usos e decidindo onde as coisas se encaixam melhor, criamos um ambiente em que as coisas que temos servem algo maior - nós e nossas famílias. O que nos deixa mais livres para buscar coisas mais elevadas do que onde estamos agora.
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