Desde pequenos, somos ensinados sobre as 10 pragas que D'us enviou aos egípcios: o Faraó teimosamente recusou as exigências de Moshe de "Deixe meu povo ir",1 então D'us atingiu o Egito com 10 golpes poderosos para forçá-lo a ceder. Somente após repetidos ataques é que o Faraó finalmente não teve escolha a não ser deixar os israelitas partirem livres.
De fato, essa narrativa parece justificada com base na maneira como a Torá retrata as interações entre Moshe e o Faraó. Moshe exigia que o Faraó cedesse à vontade do Todo-Poderoso, mas ele sempre se recusava.
Quando Moshe insistiu que ele deixasse os israelitas partirem em liberdade, o Faraó respondeu desafiadoramente: "Quem é o Senhor, para que eu o obedeça e deixe Seu povo ir? Eu não conheço o Senhor, nem deixarei Israel partir." 2 Em resposta, D'us alertou: "Os egípcios saberão que eu sou o Senhor quando eu estender minha mão contra o Egito e tirar Meu povo de lá."
Então D’us enviou as pragas ao Egito a fim de forçar o Faraó a cooperar e deixar o povo partir.
Mas Por Que Tantas pragas?
Por mais interessante que seja o enredo, há um grande problema. Se o objetivo era libertar os israelitas, havia muitas maneiras muito mais simples de conseguir isso. D'us poderia ter desencadeado uma única praga tão insuportável e tão prolongada que o Faraó teria sido compelido a capitular. Alternativamente, D'us poderia ter simplesmente instruído Moshe a liderar os israelitas para fora do Egito e paralisado os egípcios a fim de0 impedi-los de fazer qualquer movimento para detê-los.
Ainda mais simples, D'us poderia ter influenciado a mente do Faraó para que ele se inclinasse a permitir que os israelitas partissem. Afinal, lemos repetidamente que "D'us endureceu o coração do Faraó" para que ele resistisse às exigências de Moshe. Se D'us tinha o poder de endurecer o coração do Faraó, certamente ele também tinha o poder de amolecê-lo. Como sabemos, "Os corações e mentes dos reis estão nas mãos do Senhor". 3
Então, por que 10 pragas?
Os grandes comentaristas clássicos adotam amplamente uma de duas abordagens centrais.
Punição
Uma visão é que o propósito das pragas era punir o Faraó e os egípcios por seus atos. Por gerações, eles exploraram e maltrataram os israelitas, e dificilmente seria aceitável se eles não fossem obrigados a pagar por seus crimes. De fato, D'us endureceu o coração do Faraó, para que ele continuasse a receber sua medida completa de punição.
Esta é a visão de Maimônides, que explica como era justificado para D'us punir o Faraó se Ele fosse o único a impedi-lo de obedecer (endurecendo seu coração). 4 De acordo com Maimônides, o comportamento do Faraó foi tão terrível que se tornou necessário sujeitá-lo e seu país a uma punição adequada na forma das 10 pragas. Quando as pragas chegaram, era irrelevante se o Faraó estava ou não pronto para obedecer; tratava-se de dar a ele um gostinho de seu próprio remédio.
Isto é expresso na profecia dita a Avraham, que "a nação que subjugar [seus descendentes] será julgada".5
Demonstrando a Grandeza de D’us
Uma segunda abordagem é que as pragas foram projetadas para demonstrar a soberania e o poder Divino. O Egito era o império mais poderoso na época, e colocá-lo de joelhos servia como uma lição para o Egito e para o mundo inteiro de que o universo tem um criador todo-poderoso. Esta é a visão do Rabino Ovadia Seforno, que explica que as pragas tinham a intenção de subjugar os egípcios a aceitar a vontade Divina. 6 De acordo com Seforno, o propósito das pragas era para que os egípcios se arrependessem de seus maus caminhos e reconhecessem a grandeza de D'us.
Este sentimento é expresso no versículo em que D'us fala a Moshe para dizer ao Faraó: "Eu te preservei para este mesmo propósito, para que eu possa mostrar-te o Meu poder e para que o Meu nome seja proclamado em toda a terra." 7 O Faraó negou descaradamente qualquer reconhecimento de D'us ao declarar repetidamente: "Quem é D'us?" 8 e "Eu não conheço D'us." A demonstração de força Divina ofereceu uma resposta retumbante ao seu desafio.
Uma Terceira Abordagem
Essas duas perspectivas (uma punição ou uma lição) foram as visões dominantes do propósito das 10 pragas por séculos. No entanto, em uma reviravolta surpreendente, o Rebe demonstra uma terceira abordagem inteiramente nova. O propósito das pragas não era destinado principalmente aos egípcios, argumenta o Rebe. Em vez disso, o objetivo principal era inspirar os israelitas. Qualquer impacto que as pragas tivessem sobre os egípcios era secundário.
O Rebe baseia essa perspectiva em um comentário de Rashi. No versículo, “Eu endurecerei o coração do Faraó, e aumentarei Meus sinais e Minhas maravilhas na terra do Egito,” 9 Rashi explica:
“Já que ele [o Faraó] se comportou perversamente e Me desafiou, e Eu sei muito bem que não há prazer entre as nações em fazer uma tentativa sincera de se arrepender, é melhor para Mim que seu coração seja endurecido, para que [Eu possa] aumentar Meus sinais e Minhas maravilhas, e eles reconhecerão Meus feitos poderosos.” Este é o costume do Santo, bendito seja Ele: Ele traz retribuição sobre as nações para que Israel ouça e tema.
De fato, quando Moshe foi enviado uma última vez para confrontar o Faraó, D'us lhe disse que as pragas também eram uma mensagem para os israelitas: “Para que você conte aos ouvidos de seu filho e do filho de seu filho como Eu retribui aos egípcios, e [que você conte] meus sinais que coloquei neles, e você saberá que eu sou o Senhor.” 10
A Arca Cósmica
Mas o que faz Rashi atribuir o foco principal das pragas ao seu papel em relação aos israelitas, quando a Torá destaca principalmente seu papel em relação aos egípcios?
A pista está no comentário inicial de Rashi à Torá – Bereshit 1:1. Lá, Rashi afirma que o mundo foi criado de acordo com um plano Divino abrangente. No cerne disso estava que os Filhos de Israel chegariam ao Monte Sinai para que a Torá fosse revelada ao mundo. O Faraó e os egípcios desempenharam um papel nesse processo, mas eles nunca foram o jogo final.
Sim, os egípcios mereciam ser punidos, e a justiça foi de fato aplicada. É verdade que a arrogância do Faraó em relação ao Todo-Poderoso exigiu uma resposta poderosa, e ele certamente obteve uma. Mas o propósito final era que os israelitas que partiam aprendessem uma mensagem eterna que ressoaria por gerações. Os faraós egípcios desapareceriam da história várias gerações depois, mas as lições do Shemot viveriam para sempre nos descendentes daqueles israelitas. No final, os israelitas que levaram essa mensagem duradoura iriam transformar o mundo.
Adaptado de Likutei Sichot, vol. 36, Parshat Vaera
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