Prisões da Mente

Quando a Torá menciona o nome de um lugar, o nome descreve não somente uma localização geográfica, mas também um estado de espírito e um conjunto espiritual de circunstâncias. Neste contexto, Mitzrayim, o nome hebraico para o Egito, serve como um modelo, ensinando-nos o que é exílio e demonstrando a essência do desafio espiritual que nosso povo enfrentou através da história.

Mitzrayim está relacionado à palavra em hebraico meitzarim, que significa “limitações” 1. A existência material confina e limita a expressão da Divindade no mundo em geral e a expressão da faísca Divina dentro de nossas almas. Isto é exílio, um estado não natural. Pois a verdadeira realidade – a de que o mundo foi criado para ser uma moradia para D'us 2 e que a alma de uma pessoa é uma verdadeira parte de D’us 3 – está oculta. Em tal cenário, a pessoa fica absorvida pela rotina diária de sua vida. Os valores espirituais – se é que a pessoa os leva em consideração – são interpretados de acordo com sua própria visão do mundo 4.

Além disso, o exílio naturalmente perpetua a si mesmo. Nossos Sábios relatam 5 que nenhum escravo pode escapar do Egito. Da mesma forma, qualquer ambiente no qual alguém vive cria uma inércia que resiste a mudanças. Emprestando uma expressão de nossos Sábios 6: “Uma pessoa em correntes não pode libertar a si mesma”. Já que os processos de pensamento de todas as pessoas são hoje moldados pelo ambiente do exílio, muitos acham difícil enxergar além deste cenário.

Um Fim para o Exílio

E, mesmo assim, apesar do homem poder não ser capaz de libertar a si mesmo, D'us se recusa a permitir que o exílio continue indefinidamente. O primeiro passo da redenção é uma revelação direta da Divindade. Já que a característica fundamental do exílio é a ocultação da presença de D'us, a anulação do exílio envolve uma revelação mais clara da Divindade. Isto sacudirá as pessoas para fora de sua auto-concentração e as abrirá para a consciência espiritual.

Esta é a mensagem da Parashá Vaerá significa “E Eu revelei a Mim mesmo”. A raiz de Vaerá é a palavra re’iyah, significando “visão”. Vaerá se refere a algo que pode ser visto diretamente. Este tema é continuado através da leitura da Torá que descreve sete das dez pragas – milagres evidentes que tiveram um objetivo duplo, como a Torá declara 7: “Eu mostrarei Meu poder... Eu tirarei Meu povo do Egito... E o Egito saberá que Eu sou D'us”.

Estas pragas tornaram o mundo inteiro consciente da presença de D'us. Mesmo os egípcios — cujo governante tinha orgulhosamente se gabado 8: “Eu não conheço D'us” — tiveram consciência d’Ele e admitiram 9: “Este é o dedo de D'us!”.

Porque os milagres foram vistos abertamente, eles transformaram o pensamento das pessoas. Quando uma idéia é comunicada intelectualmente, demora algum tempo para que ela seja assimilada a ponto de afetar a nossa própria conduta. Quando, ao contrário, uma pessoa vê algo com seus próprios olhos, isto imediatamente muda sua forma de pensar. Quando uma pessoa vê um evento, não há como ela possa ser convencida de que aquilo não aconteceu 10.

Uma Herança Rica

Entretanto, é natural que se pergunte: “Quando terei visto a Divindade? Talvez tenha havido milagres no passado, mas qual é a sua relação com o presente?”.

A resposta é encontrada no comentário de Rashi sobre o versículo do qual a leitura da Torá ganha seu nome 11: “E Eu revelei a Mim mesmo a Avraham, a Yitzchak e a Yaacov”. Rashi comenta: “Aos Patriarcas”.

Aparentemente, esta observação é supérflua. Todos nós sabemos que Avraham, Yitzchak e Yaacov foram os antepassados do Povo Judeu. Tendo mencionado cada um pelo nome, não há necessidade de mencionar seu título. Rashi, entretanto, está enfatizando que as revelações foram concedidas a eles, não por causa de suas virtudes individuais, mas porque eles eram “antepassados” e suas realizações espirituais seriam transferidas como uma herança aos seus descendentes 12. Ao revelar a Si mesmo aos patriarcas, D'us fez da consciência de Sua existência um elemento fundamental na formação de seus descendentes por todos os tempos.

Tomando Posse do Legado

No entanto, apesar do legado de nossos patriarcas estar dentro de nossos corações, ele não está sempre em nossos pensamentos conscientes. Cada um de nós deve se esforçar para internalizar a fé de nossos antepassados e torná-la própria dele ou dela. Isto não acontecerá necessariamente por si só. A menos que nos esforcemos para unir fé e pensamento, nós podemos criar uma divisão entre crença e vida real. De fato, evidência de tal divisão é bastante comum.

A necessidade de resolver esta divisão explica porque a leitura anterior da Torá, Parashá Shemot, termina descrevendo como Moshê se dirigiu a D'us e perguntou 13: “Ó D'us, por quê Tu tratas mal ao Teu povo?”.

A pergunta de Moshê não reflete falta de fé. Sem dúvida, Moshê acreditava, assim como todo o povo, pois os judeus são, por natureza, “crentes e descendentes de crentes” 14. Mas Moshê percebeu que sua responsabilidade era a de ser um pastor da fé 15, para nutrir a fé do povo até que ela afetasse seus processos de pensamento. Foi por isto ele fez a pergunta.

Milagres em Nossas Vidas

Em resposta à pergunta de Moshê, D'us produziu os milagres descritos em nossa Parashá. Os esforços de Moshê para fazer da fé um fator na vida diária provocou uma resposta de D'us.

Conceitos semelhantes se aplicam em todas as gerações, pois milagres não são algo do passado 16. Em toda geração, D'us mostra Seu grande amor por Seu povo produzindo ações que transcendem a ordem natural. Às vezes, uma pessoa para quem ocorre um milagre poderá não reconhecer o que aconteceu 17 e, em outras ocasiões, os milagres são evidentes, óbvios para que todos os vejam. De fato, em passado recente, nós vimos grandes maravilhas que D'us produziu a nosso favor, entre elas: a Guerra do Golfo, a queda do Comunismo e as massivas ondas de judeus indo para Eretz Yisrael.

Nossos profetas prometeram 18: “Como nos dias de vosso êxodo do Egito, Eu vos mostrarei maravilhas”. Assim como os milagres que D'us produziu no Egito anunciaram o êxodo, que possam também os milagres que nós testemunhamos – e que testemunharemos no futuro – anunciar a Redenção final. E que isto possa acontecer bem brevemente.


Por Rabbi Eli Touger (Adaptado de Likutei Sichos, Vol. XVI, p. 52ff; Vol. XXXI, p. 25ff; Sichos Shabbos Parshas Va’eira, 5743; e Sichos Chof-Vav Nissan, 5751)

Traduzido por Maurício Klajnberg