Ao pôr-do-sol na véspera de Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico, D’us removerá parte de Sua luz do mundo. Ele ainda estará presente numa maneira básica, obviamente, ou o mundo não poderia existir. Porém aquela presença será remota, afastada.

Então Ele esperará. O próximo movimento é nosso.
Por volta do meio-dia do dia sagrado, quando os judeus em todos os cantos do mundo reconhecem Sua soberania com preces e o toque do shofar, D’us mais uma vez concordará em ser nosso Rei. Ele renovará Seu relacionamento com nosso mundo. E quando Ele o fizer, será com um nível inteiramente novo de luz e poder. Possibilidades inteiramente novas – que jamais existiram antes – entrarão no mundo. Daremos um passo gigante para mais perto do nosso supremo destino.

Porém o primeiro movimento tem de vir de nós. Devemos renovar nosso contrato com o Criador se queremos que o mundo continue a existir. A cada ano, o mundo deve escolher D’us.

Das lágrimas à transformação

Por que o shofar? Que poder este instrumento primitivo tem para provocar luz tão intensa e essencial?

Mais que um mero chifre, o shofar é um instrumento de transformação. Seu som é como um grito vindo de um coração partido, e seu poder é o poder das lágrimas.

Vivendo num mundo físico, sujeitos aos estresses e desafios da vida na terra e subjugados pelas incessantes exigências de nosso corpo e nosso ego, não estamos sequer conscientes de nosso verdadeiro potencial interior. Nossa alma, com toda a sua limitada conscientização, criatividade, amor e poder, está encurralada e suprimida.

Porém quando nossas defesas se rompem, quando ficamos frente a frente com nossa pequenez essencial e nossa vulnerabilidade dentro deste vasto universo, clamamos a D’us. E este clamor – esta intensa percepção de nossas próprias limitações – é que nos liberta. Um grito vindo do coração partido pode libertar sua alma de sua prisão e deixá-lo aberto a algo completamente novo. Esta liberdade, não por coincidência, também está conectada com o sopro do shofar, semelhante à trombeta. Na verdade, é o toque do “grande shofar” – o shofar da Redenção – que trará nossa suprema liberdade e transformação no Final dos Dias.

Fraqueza e força. Pequenez e grandeza. Isolamento e união. Escravidão e liberdade. Como eles se combinam? E como é que o mesmo som pode simbolizar os dois?

Um Mundo de Opostos

A Cabalá explica que tudo que existe é feito de opostos. O oposto da escuridão é a luz. O oposto do mal é o bem. O oposto da morte é a vida. O oposto da escravidão é a liberdade. Onde quer que um esteja, seu oposto também está. Eles definem um ao outro. Sem um, o outro não poderia existir.

No entanto, esses estados negativos não têm uma realidade intrínseca. A escuridão não é um estado permanente. Assim como o primeiro passo para atirar uma bola é mover o braço para trás, a escuridão é na verdade um prelúdio, uma passagem, até ma luz mais poderosa.

É por isso que as lágrimas podem causar tamanha transformação. Paradoxalmente, é apenas ao perceber nossa pequenez, fraqueza e solidão – os limites de nossa existência baseada no ego – que criamos uma abertura para expandir nossos limites e nos tornar realmente aqueles que nascemos para ser.

Esta possibilidade de transformação está intensamente presente em Rosh Hashaná, quando o mundo começa de novo.

No Limiar da Redenção

Todo ano em Rosh Hashaná o mundo espera, suspenso no espaço escuro entre a antiga luz e a nova. Entre duas maneiras de ser há sempre um espaço vazio, um espaço de transição. Neste espaço temos a oportunidade de deixar para trás o antigo – a mesquinharia, o ressentimento, os erros passados, falhas e temores. Podemos adotar um jeito de ser totalmente novo; um senso de propósito mais apaixonado, Podemos nos comprometer com um novo nível de bondade, respeito e compaixão pelas pessoas que nos cercam – aqueles que já amamos, e aqueles que poderíamos amar se deixássemos para trás a ira, a defensiva ou o medo.
Quando nos abrimos para a vida, criamos a maior abertura possível para D’us nos inscrever no Livro da Vida para um ano bom e doce no sentido mais verdadeiro.

Porém este Rosh Hashaná tem um poder ainda mais notável. Neste Rosh Hashaná o mundo espera no limiar da Redenção. Nestes tempos sem precedentes um intenso nível de escuridão paira sobre a terra. Nosso mundo está estremecendo. Terror, guerra, desastres naturais chocantes e crises no Oriente Médio lançam uma sombra ameaçadora sobre nossas vidas. Estes tempos são assustadores e representam um desafio. Porém essa escuridão nada mais é que uma passagem para uma realidade inteiramente nova.

Nossos tempos na profecia antiga

Estes tempos caóticos foram previstos com grandes detalhes há milênios pelos Sábios dos tempos bíblicos. Uma discussão completa sobre estes tempos na profecia está além do escopo desse artigo, Porém leia as palavras abaixo (do Talmud, final do Tratado Sotah) e veja se você concorda ou não que eles estão descrevendo nosso mundo de hoje:

Insolência e egoísmo aumentarão; haverá inflação opressora; as pessoas estarão viciadas na boa vida e os custos serão altos; os padrões morais se dissolverão, moralidade e sabedoria serão denegridas. Haverá uma irresponsabilidade desenfreada por parte das autoridades; centros de estudo se transformarão em centros de imoralidade. A pobreza aumentará, os jovens desprezarão os velhos, as famílias vão se desintegrar, a liderança será impudente. O mundo verá uma sucessão de problemas, epidemias de doenças terríveis e confrontos internacionais. A face da geração será como ‘a face de um cão’. Assim como os cães não ficam constrangidos por nada daquilo que fazem, também as pessoas perderão seu senso de constrangimento.

Contra este pano de fundo caótico e desafiante, estamos sendo convocados a nos expandir além de nossos limites, para fortalecer nosso relacionamento com o Criador e concretizar nosso potencial como parceiros na Criação.

Estamos vivendo num tempo de transição entre o exílio e a Redenção. Com a ruptura do antigo e impraticável, temos a oportunidade de criar algo completamente novo. Na verdade, este é o nosso destino.

Rosh Hashaná: um tempo de opção

Neste Rosh Hashaná cada um de nós tem uma opção a fazer. Podemos escolher ficar inconscientes, engaiolados na prisão de nossos temores, ressentimentos e anseios, continuando vítimas passivas das circunstâncias. Ou podemos usar esta oportunidade para começar a voar, a entrar em sintonia com nosso destino, aprendendo a ser livres.

A liberdade é um conceito elevado, mas é vivida nas escolhas que você faz a cada momento. Em seus relacionamentos. Em sua espiritualidade. Em seu compromisso com uma vida de alegria e realização. Em sua consciência sobre a presença acalentadora de D’us nos detalhes mais íntimos de sua vida diária. Ao lembrar que você está aqui para um propósito, e fazer algo todo dia para que este propósito ganhe vida.

Se você pudesse criar um novo futuro, que não fosse baseado em seus temores e fracassos do passado, quem você seria? Como iria se comportar? O que ousaria criar? A quem agradeceria? A quem daria ouvidos e o que gostaria de compartilhar? O que você sonharia? Que sonhos você poderia transformar em realidade?

É por isso que as lágrimas podem provocar tamanha transformação. Paradoxalmente, é apenas ao perceber nossa pequenez, fraqueza e solidão – os limites de nossa existência baseada no ego – que criamos uma abertura para irmos além dos nossos limites e nos tornarmos quem realmente nascemos para ser.

Rosh Hashaná encerra um grande poder. A luz do passado é afastada e a luz do futuro ainda tem de descer a este mundo e em sua vida. O Livro está aberto. O que você vai escolher?