O símbolo das Grandes Festas tem sido o shofar, o antigo instrumento curvado usado para inaugurar o Ano Novo Judaico. O shofar, com frequência um chifre de carneiro – embora possa ser feito com chifres de outros animais casher – é tradicionalmente tocado na sinagoga em Rosh Hashaná e é o auge do serviço.

Apesar de restrições em vários países devido à época da pandemia do Coronavírus, muitos judeus ao redor do mundo ainda poderão ouvir o toque do shofar que será levado a locais públicos e em residências.

O som do shofar levado a parques, esquinas, hospitais, prisões, abrigos para idosos, bases militares ou qualquer lugar que você possa pensar – não é nada novo para alguém influenciado pelo Rebe – Rabi Menachem M. Schneerson, de abençoada memória,que lançou sua Campanha antes de Rosh Hashaná em 1953 (5714). Na época, quase não havia o conceito de levar Judaísmo às ruas ou onde quer que os judeus estivessem. Na verdade, parece que a Campanha do Shofar foi um programa piloto Chabad, um precursor das muitas campanhas de mitsvot que se seguiriam ao longo dos anos.

A partir do momento em que jovens estudantes rabínicos Chabad saíram às ruas do Brooklyn, N.Y., com shofars à mão, ficou clara que se iniciava uma revolução. Ninguém jamais tinha visto algo assim antes.

“Saíamos cedo pela manhã, antes das preces, e íamos às esquinas e aos parques,” lembra Rabi Moshe Pessach Goldman, na época um aluno da yeshivá Lubavitch no bairro de Crown Heights no Brooklyn, e logo depois, um jovem homem casado.

Naquele tempo, a totalidade da região Eastern Parkway era judaica, e portanto não era difícil para os jovens empreendedores encontrar clientes. “Lembro-me de ir ao grande parque na Eastern Parkway e à Avenida Rochester entre 7 e 8 horas da manhã, e já estava repleto de gente.”

Mais de seis décadas depois, as chocantes reações que os estudantes da yeshivá tinham naqueles dias continuam claras na mente de Goldman: Ich hob fargessen ingantzen – “Eu estava completamente esquecido [sobre shofar]!” Goldman relembra de um judeu idoso dizendo a eles: Vos Vilstu fun unz? Mir zeinen alte mentshen, gei tzu di yungere! – “O que você quer de nós? Somos homens idosos, vá para os jovens!” disse outro. “Nós dissemos a eles: ‘Não, vocês não são idosos demais para ouvir o shofar!’ Pedimos a eles para repetirem a bênção, e eles o fizeram.”

Eles não apenas abordavam judeus andando pelas esquinas ou nos parques. A ênfase da campanha era tocar shofar para todos que de outra forma não teriam a oportunidade de ouvi-lo, portanto muitos hospitais da área também estavam no itinerário. Goldman recorda de ir ao Hospital St. John (que mais tarde se juntou ao Hospital Judeu do Brooklyn) e o Hospital Kings County.

Isso era algo totalmente novo,” ele explica. “Shofar nas ruas? Era totalmente inédito.”

A Campanha do Shofar começou nas ruas do Brooklyn, Nova York, e foi levado com gosto por convidados de Israel e ao redor do mundo viajando para Nova York para passar o mês das festas com o Rebe. Os primeiros grupos eram pequenos mas já atraíam a atenção.
A Campanha do Shofar começou nas ruas do Brooklyn, Nova York, e foi levado com gosto por convidados de Israel e ao redor do mundo viajando para Nova York para passar o mês das festas com o Rebe. Os primeiros grupos eram pequenos mas já atraíam a atenção.

Crown Heights na época era um bairro judaico de classe média alta, e portanto a maioria dos chassidim não poderia viver ali, morando na área de Brownsville. “Quando ainda morávamos em Brownsville, caminhávamos pela Avenida Pitkin a caminho da sinagoga do Rebe ou de volta para casa à tarde, e todas essas lojas judaicas estavam abertas, e entrávamos e tocávamos shofar para os proprietários,” lembra Goldman.

A ideia: levar o ponto alto espiritual e emocional de Rosh Hashaná para todo judeu era simples e profundo. De certa forma, isso não tem mudado muito nas décadas que se passaram desde que a Campanha do Shofar foi iniciada.

“Era muito semelhante aquilo que é hoje,” observa Rabino Yehuda Krinsky, nascido em Boston e na época estudando na yeshivá Lubavitch. Como Goldman, Krinsky se lembra de tocar shofar na rua, em parques e nos hospitais, recordando em particular um lar para judeus idosos que ficava na esquina da Avenida Rogers e Eastern Parkway. “Havia poucos alunos da yeshivá e poucos emissários Chabad na área, mas nada além disso era diferente.”

Rabino Krinsky, que não muito depois do seu casamento em 1957 começou a atuar como um dos secretários do Rebe e hoje é diretor de Merkos L’Inyonei Chinuch e Machane Israel – os braços do serviço social do movimento Chabad – declara que ele e seus colegas alunos da yeshivá Chabad já tinham alguma experiência com esse tipo de trabalho. Programas criados por alunos da escola pública judaica como Messibos Shabos e Tempo Liberado tinham sido iniciados nos anos de 1940 pelo Sexto Rebe – Rabi Yosef Yitzchak Schneersohn, de abençoada memória – e o Rabino Krinsky tinha participado neles. Assim, o shofar na rua era novo. “Isso, bem como oferecer aos passantes a oportunidade de fazer uma bênção sobre um lulav e etrog, era claramente uma inovação do Rebe,” ele diz.

Em resposta a uma carta de setembro de 1958 do capelão de um hospital judaico no Brooklyn agradecendo a ele por enviar estudantes para tocarem shofar para os pacientes nos dois dias de Rosh Hashaná, o Rebe explicou que um dos aspectos do shofar em Rosh Hashaná era coroar D'us Todo Poderoso como Rei do Universo.

Assim como um rei terreno é mais magnânimo no dia da sua coroação, D'us, a essência e fonte de todo o bem, certamente iria conceder tudo que fosse pedido pelo “benefício da saúde do corpo e da alma de todos aqueles que estão no hospital onde você atua, entre todo o povo judeu...”

A meta era proporcionar a todo judeu – homem, mulher e criança – a oportunidade de ouvir o comovente toque do shofar, um prelúdio ao dia profetizado por Yeshayáhu quando “o grande shofar será tocado” com a vinda de Mashiach. Ao mesmo tempo, o Rebe reforçou a simples cura que ele trazia para aqueles sofrendo nos hospitais. A experiência tem mostrado, disse ele em 1978, que tocar shofar para pacientes “literalmente revive as almas”.

O shofar público não permaneceu apenas no Brooklyn espalhando-se para todo lugar onde os emissários Chabad levavam a mensagem do Rebe. Acima, 1971, Los Angeles.
O shofar público não permaneceu apenas no Brooklyn espalhando-se para todo lugar onde os emissários Chabad levavam a mensagem do Rebe. Acima, 1971, Los Angeles.

Visitantes Estrangeiros Vão às Ruas

Começando no início dos anos de 1950 e então aumentando no decorrer dos anos, convidados do mundo inteiro e especialmente de Israel viajavam a Nova York para passar o mês das Grandes Festas com o Rebe. Apresentar-se no início da manhã antes das preces ou à tarde para tocar shofar logo se tornou um aspecto básico de Rosh Hashaná no Brooklyn, e as pessoas começaram a notar.

“Uma grande quantidade de chassidim Lubavitch, que chegaram de Israel antes das festas de Rosh Hashaná e Yom Kipur para passarem o período dos Dias Sagrados com seu Rebe no 770 da Eastern Parkway, irão permanecer em Nova York por um mês e partir após Simchat Torá,” relatou o National Jewish Post & Opinion em outubro de 1960. “Os peregrinos com barba, muitos dos quais são de ‘Kfar Chabad’, são ricos em zelo. Começando nas festas de Rosh Hashaná, eles, junto com chassidim locais, vão a todo hospital distante de sua sinagoga e tocam o shofar para pacientes em recuperação.”

Os esforços de Rosh Hashaná no Brooklyn tinham inicialmente sido feitos informalmente, mas com a fundação da Organização Jovem Lubavitch de Nova York em 1955 – da qual Goldman se tornou secretário e em cuja equipe ele permanece – a Campanha do Shofar local, bem como o projeto lulav e etrog nas ruas, veio sob sua direção. Rabinos Berel Junik e Eli Gross se tornaram responsáveis pelas rotas do shofar e do lulav e etrog, a cada ano enviando mais e mais chassidim para locais cada vez mais distantes.

A cada ano relatos detalhados dessas atividades eram anotados e entregues ao Rebe, que os acompanhava atentamente.

Incubada no Brooklyn, a Campanha Shofar foi levada de volta para as cidades centrais e kibutzim distantes de Israel. Também emissários Chabad seguiam para os locais para onde eram enviados – tais como Miami Beach, Detroit e Milan. Chabad foi para a Califórnia nos anos 1960, e no início da década seguinte, seus emissários pioneiros jovens e seus voluntários estavam levando a Campanha Shofar para 15 hospitais – de Cedro do Líbano ao Monte Sinai (na época dois hospitais separados) em Los Angeles para St, Johns em Santa Monica, para locais em Long Beach ao sul e Berkeley ao norte.

“O programa do ano passado foi um sucesso fenomenal,” disse Rabi Shlomo Cunin, diretor e fundador do Chabad da Califórnia, a Bnai Brith Messenger em 1971. “Recebemos centenas de cartas de pacientes acamados e suas famílias nos agradecendo por tornar possível para eles o toque do shofar... O shofar, que toca em Nova York para os judeus, historicamente têm trazido esperança e inspiração para um futuro mais brilhante.”

Aqueles na rua pareciam responder também. “Passando ao longo de uma rua em Park Slope no Brooklyn, vi um jovem com um olhar tímido,” escreveu Ellie Spielberg ao Diário Metropolitano do The New York Times em 1994. ” Ele parou e perguntou se eu tinha ouvido o shofar sendo tocado naquele dia. Respondi que não é meu desapontamento... “ Então ele abriu sua jaqueta. Pegou um pequeno chifre de carneiro e fez um “concerto” privado para mim, com todo o fôlego para os toques. Com alegre relaxamento, ele tocou e tocou, fazendo altos, baixos e paradas de um tom tão antigo quanto a Torá. Fechei meus olhos. Então ele parou, guardou o shofar, desejou “Shaná Tová” – Feliz Ano Novo – e se foi. Este foi o melhor Rosh Hashaná que já tive.

O falecido Rabino Avrohom Levitansky e seu colega, o Rabino Yerachmiel Stillman, ambos pioneiros de Chabad na Califórnia, tocam o shofar durante o mês de Elul no Hospital Mount Sinai, em Los Angeles, por volta de 1973.
O falecido Rabino Avrohom Levitansky e seu colega, o Rabino Yerachmiel Stillman, ambos pioneiros de Chabad na Califórnia, tocam o shofar durante o mês de Elul no Hospital Mount Sinai, em Los Angeles, por volta de 1973.

A Campanha Chegava a Chicago

Rabino Shlomo Zalman Hecht, um dos líderes de Chabad em Chicago, convocou voluntários para tocarem shofar em toda a cidade nos anos 1960. Entre aqueles que ele trouxe estavam os cunhados Roy Pinchot e David Goldberg.

Pinchot tinha rezado na sinagoga do Rabino Hecht de Chicago nos anos 60, mas por volta de 1967 mudou para Skokie onde ajudou a fundar a Congregação Or Torah, a primeira sinagoga ortodoxa do subúrbio: “Um ano ou dois depois, Rabi Hecht me encorajou a organizar o toque do shofar para pessoas no hospital,” lembra Pinchot, que agora mora em Netanya, Israel. “No início, eu ia junto com meu amigo Myron Jacobson, que tocava o shofar. Foi uma grande experiência. As pessoas irrompiam em lágrimas.”

Eles seguiam com um lulav e etrog em Sucot, e as respostas que Pinchot e os outros recebiam em Skokie – na época lar de uma das maiores populações de sobreviventes do Holocausto no mundo – não eram diferentes daquelas que Goldman e os alunos da yeshivá tinham recebido no Brooklyn, uma década antes. “Encontrávamos pessoas que diziam: ‘As pessoas ainda fazem isso? Não vejo desde que saímos do Velho Pais,” diz Pinchot.

“Durante décadas, estive entre o grupo de homens que caminhavam ao hospital em Rosh Hashaná para tocar shofar para os pacientes,” diz Goldberg. “Na época, o programa foi expandido para incluir também pessoas que estavam em casa. Eu sempre ficava surpreso ao ver quantas pessoas estavam esperando a nossa chegada. Ao final do dia, de tanto tocar, meus lábios tremiam, mas para mim, era agradável e uma recompensa sem precedentes.”

O programa foi expandido em 1982, quando Chabad Lubavitch de Skokie foi fundado, com cada congregação enviando voluntários para um ou para os dois dias de Rosh Hashaná.

Foto de arquivo do Rabino Isaac Levitansky, diretor do Chabad de S. Monica, Califórnia, tocando o shofar.
Foto de arquivo do Rabino Isaac Levitansky, diretor do Chabad de S. Monica, Califórnia, tocando o shofar.

Uma Campanha de Um Mês

No mês de Elul, que precedeu Rosh Hashaná em 1974, o Rebe pela primeira vez expandiu a Campanha incluindo o mês inteiro, conforme o costume: o shofar é tocado a cada dia, excluindo a véspera de Rosh Hashaná. Durante essa palestra, o Rebe destacou a importância de levar o shofar aos soldados israelenses que estavam isolados, que colocavam suas vidas em risco a cada dia para proteger o povo judeu, bem como soldados judeus em outros pontos militares.

Nos anos seguintes, o Rebe continuou a falar sobre os soldados, mas também sobre judeus encarcerados em locais correcionais e, é claro, hospitais. E portanto esses locais foram adicionados aos itinerários, com prisões desde Sing Sing em Nova York até o Complexo Correcional em Allenwood, Pa., incentivando grupos de chassidim a tocarem shofar durante o mês anterior a Rosh Hashaná e nas próprias Grandes Festas ao maior número possível de judeus.

O Rebe continuou a dar atenção aos detalhes desta campanha depois que o Movimento Chabad cresceu no âmbito mundial. O número de visitantes que viajava para passar as Grandes Festas com o Rebe tinha aumentado, porém em Rosh Hashaná de 1991, testemunhas relembram o Rebe voltando sua atenção para a multidão, enfatizando sua expectativa de que todos participassem e ampliassem o toque do Shofar para que chegasse a todos em todos os locais possíveis.

Qual a importância deste toque que mereceu uma campanha tão ampla ao lado das outras sucessivas campanhas que vieram posteriormente?

O toque do shofar significa a aceitação pessoal de todo e cada judeu da lei de D'us, e através disso, Seu reinado sobre o mundo inteiro. Sim, isso pode ser feito entre a pompa e circunstância da sinagoga, porém mais importante, deve ocorrer nos corações, mentes e almas do povo judeu, onde quer que possa estar. Pois nada lembra um judeu de quem ele ou ela realmente é em sua essência, como o simples toque do shofar.

Este ano nos reuniremos mais uma vez nas sinagogas com a certeza que estaremos unidos a todos os judeus através do som do shofar ecoado de Jerusalém a Moscou, de Los Angeles às ruas do Brooklyn, onde tudo começou.