Em Rosh Hashaná, Yom Kipur e nos dias intermediários, vivemos uma das crenças mais poderosas porém não modeladas que em nossas vidas têm uma dimensão individual e coletivamente moral.
Podemos viver a maior parte do ano como se o importante fosse sucesso, fama, poder ou riqueza. Mas nesses dias sagrados, nos reunimos na sinagoga para ficar perante D'us e reconhecermos juntos verdades mais profundas: que somos o bem que fazemos no mundo, e somos responsáveis pelo mal que fizemos ou pelo bem que deixamos de fazer.
Este ano, cortesia da BBC, tive uma rara chance de discutir essas crenças com algumas das mentes mais refinadas no mundo. No decorrer de uma série de programas sobre desafios morais do Século 21, encontrei filósofos, pensadores, inovadores e filantropos, bem como estudantes de todo o país. O que eles tinham a dizer era poderoso, importante e necessário.
A tese que eu desejava testar era que, durante os últimos 50 anos o Ocidente tem se engajado numa experiência fatídica: que podemos fazer sem um código moral compartilhado. Palavras que antes nos guiavam – como “certo”, “errado”, “poderia”, “deveria”, “dever”, “obrigação”, “lealdade”, “virtude”, “honra” – agora têm um ar antiquado sobre elas, como se viessem de uma era há muito tempo morta.
Em vez disso, temos terceirizado moralidade para o mercado e o estado. O mercado nos dá opções; o estado lida com as consequências; mas nenhum passa qualquer tipo de julgamento sobre aquelas escolhas. Desde que não prejudiquemos diretamente ninguém, somos livres para fazer o que quisermos.
Isso foi experimentado na época como uma enorme liberação. Estávamos mais livres para ser qualquer coisa que escolhemos ser, mais do que os seres humanos jamais tiveram antes. Mas podemos agora contabilizar os custos nas famílias partidas, na perda de comunidade, um aumento na depressão, suicídio de adolescentes e solidão, uma perda de confiança em grandes empresas e governos, o novo tribalismo de identidade política, e o veneno que passa pela comunicação na Internet. Uma moralidade compartilhada nos une. Perder isso torna as pessoas vulneráveis e solitárias.
Qualquer um que esteja familiarizado com a Bíblia Hebraica poderia ter previsto isso. É a história contada na época dos profetas e de novo. Ouvimos isso em Elisha, Amos, Hoshea, Yeshayahu e Yirmiyahu. Sem um senso de responsabilidade coletiva profundamente interiorizada para o bem comum, a sociedade começa a se fraturar e fragmentar. Mudamos de um mundo do “Nós” para um do “Eu”: a busca privada do desejo pessoal.
O resultado, em termos contemporâneos, é bancos irresponsáveis, empresas gananciosas, políticos exploradores, predadores sexuais e crianças negligenciadas. Não há nada em nossa natureza para fazer o rico cuidar do pobre, ou o poderoso cuidar do desprovido de poder. É por isso que precisamos de moralidade: para nos ajudar a cuidar do bem de todos nós juntos, não apenas de cada um de nós por nós mesmos.
Os profetas disseram que o resultado final de uma sociedade assim seria frustração e desespero. Bem, não temos mais profetas. Mas veja esta lista de livros recentemente publicados na Inglaterra e nos Estados Unidos: Como a Democracia Termina; A Morte da Democracia; A Democracia Pode Sobreviver ao Capitalismo Global?’ Por Que o Liberalismo Falhou; O Retiro do Liberalismo Ocidental; A Estranha Morte da Europa; e O Suicídio do Ocidente. Essas são variações intermináveis e atualizações seculares dos avisos dos profetas judeus.
Praticamente todas as pessoas que entrevistei têm uma poderosa mensagem moral. O psicólogo canadense Jordan Peterson falou sobre a importância de aceitar responsabilidade pessoal e os perigos de ver a si mesmo como uma vítima. Jonathan Haidt, psicólogo social americano, falou sobre como a política da vitimização está ameaçando o discurso livre nos campi das universidades. O sociólogo de Harvard Robert Putnam falou sobre como a quebra de famílias e comunidades está roubando pelo menos um terço da América da mobilidade social.
O economista britânico Noreena Hertz falou sobre uma abordagem mais moral ao capitalismo. Jean Twenge, o especialista líder mundial sobre o impacto da mídia social, ficou assustado quando computou o aumento da depressão entre os adolescentes de hoje. O colunista do New York Times, David Brooks, falou eloquentemente sobre como temos nos concentrado demais nas “virtudes resumidas”, os talentos que precisamos para obter sucesso na carreira, os hábitos de caráter que trazem significado e encanto para nossas vidas.
O filósofo de Harvard Michael Sandel nos lembrou que a política tem uma dimensão moral inescapável. O neurocientista Steven Pinker insistiu para seguirmos os fatos, não os sentimentos. Mustafá Suleyman de DeepMind explicou como precisamos construir ética no desenvolvimento da inteligência artificial, e Nick Bostrom, o homem que advertiu o mundo sobre os perigos da superinteligência, precaveu contra criar tecnologia que não podemos controlar.
No outro lado da equação, Melinda Gates e Heather Templeton Dill, chefes de duas das mais importantes fundações filantrópicas do mundo, foram inspiradores, falando sobre o poder que cada um de nós tem para mudar a vida dos outros para melhor. Os adolescentes no programa não foram menos eloquentes ao falar sobre seus heróis morais e modelos, e seus temores e esperanças para o futuro.
O principal disso tudo é que a sociedade precisa mais do que o mercado livre e o estado liberal democrático. Precisa que aceitemos responsabilidade moral por nossas próprias vidas e pelo bem comum. Aquela verdade tem estado em eclipse durante metade de um século, mas os esforços estão começando a se mostrar. Já vimos os primeiros tremores das alternativas: populismo, identidade política, a cultura da vitimização, e o aumento da esquerda e da direita – aquilo que eu chamo de política da ira.
Há muito tempo os judeus foram pioneiros na alternativa: a política da esperança. A esperança nasce quando nos dedicamos individual e coletivamente à justiça, compaixão, a santidade da vida e a dignidade do indivíduo. É isso que somos convocados a fazer em Rosh Hashaná e Yom Kipur. D'us não nos pede para sermos perfeitos. Ele nos pede para tentarmos fazer nosso melhor para amar a Ele, nosso vizinho e o desconhecido. E quando falhamos, como está sujeito a ocorrer de uma maneira ou de outra, Ele nos pede para reconhecermos nossas falhas e tentar novamente.
Desde o amanhecer da história, o Judaísmo tem sido guiado por uma paixão moral, a ordem de D'us a Avraham para “ensinar seus filhos a seguir o caminho do Senhor praticando o bem e a justiça”. Aquela paixão é, a longo prazo, a única coisa capaz de sustentar a sociedade livre. Sem ela, todo superpoder na história, após um período de afluência, eventualmente declina e cai. A mensagem judaica raramente foi mais relevante que agora. Ou conforme colocamos nestes dias sagrados, Teshuvá, tefilá, tsedacá, Arrependimento, prece e caridade nos dão a chance de começar de novo e anular um mal decreto.
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