Bem cedo numa certa manhã de quinta-feira, o Báal Shem Tov (Besht) e um de seus pupilos dirigiram-se à cidade de Leipzig, onde passariam o Shabat. Ao embarcarem na carruagem, o Besht disse ao cocheiro, Alexi, que assim que saíssem da cidade, ele poderia soltar as rédeas e dormir. A carruagem moveu-se rapidamente, mas após quinze horas de viagem eles ainda não tinham chegado ao destino. Amarraram a carruagem a uma árvore à beira da estrada e o chassid adormeceu. Acordou na manhã seguinte, quando o coche começou a mover-se.
Após algumas horas, apareceu uma casa à distância. A medida que se aproximavam, o chassid ficou contente por ver uma mezuzá na porta. Pelo menos teriam um lar judaico onde poderiam celebrar o Shabat.
O coche parou na frente da casa, a porta se abriu e um homem idoso de fisionomia radiante abraçou calorosamente o Besht antes de acompanhá-lo até a casa.
"Espere na carruagem, voltarei logo" – disse o Besht a seu aluno. Quinze minutos depois, ele voltou e prosseguiram viagem. Quando a cabana desapareceu à distância, o Besht disse ao cocheiro para soltar as rédeas. Logo os cavalos entraram num campo, depois numa floresta, e estacaram.
O Besht desceu, apanhou um copo de prata em sua bolsa, fez um sinal para o espantado aluno segui-lo e após alguns minutos, parou de repente e exclamou: "Veja, água!"
Realmente, atrás de um matagal escutou um som borbulhante. O Besht mergulhou seu copo na água e recitou uma beracha. Parecia que toda a floresta ecoava a cada palavra pronunciada por ele. O Besht terminou de beber, pronunciou a prece posterior com a mesma intensidade deliberada e então fez sinal ao pupilo para voltar ao coche.
O chassid perguntou-se onde estariam, e onde passariam o Shabat. Olhou para cima e ficou surpreso ao ver que estavam em Leipzig! De súbito, ouviu o Besht dizer ao cocheiro: "Desça esta rua!"
O aluno deixou escapar: "Esta é Shillergass, a rua onde ficam todas as tavernas da universidade. Se passarmos por ali, será nosso fim!"
O Besht não deu atenção. Após alguns momentos, disse ao cocheiro para parar. "É aqui que ficaremos! Mas apresse-se! Já é quase Shabat!"
O Besht bateu à porta e esta se abriu, revelando um judeu idoso vestido para o Shabat e vários outros homens jovens atrás dele.
"Entrem" – sussurrou assustado. "Quem são vocês? Entrem logo!"
Fechando a porta, o velho disse: "Vocês estão realmente com sorte, pois não havia ninguém na rua. Eles não passam de animais sedentos de sangue. Sou sapateiro. Se eles não precisassem de mim aqui, já teriam me matado também. Quem são vocês?"
O Besht prometeu que explicaria depois, mas como já era muito tarde ele queria dar início às preces vespertinas. O sapateiro tinha sete filhos, e juntos com o Besht e seu aluno, fizeram um minyan (quorum). O Besht começou a rezar em voz alta e clara.
O velho sapateiro ficou abismado; de repente, ele sentiu como se o seu coração estivesse explodindo de amor a D’us. Ele jamais ouvira aquela prece antes.
Quando finalmente cessaram as orações, o som de garrafas se estilhaçando levou-os de volta à realidade. O Besht foi até a porta, abriu-a e deu um passo na direção da turba sedenta de sangue. "Mate o judeu!" gritou alguém, e atirou uma pedra.
Um estudante correu na direção do Besht com uma barra de ferro. De repente, estacou como se congelado, a mão paralisada no ar, gritando de dor. Então outro estudante apareceu com uma faca enorme, com os mesmos resultados. Os dois gritaram até que a multidão deixou caírem as pedras e suplicou ao Besht para tirar o feitiço. O Besht disse alguma coisa, e os estudantes paralisados caíram ao chão, e todos fugiram.
O Besht foi para dentro e começou as preces do Shabat. Logo, um homem alto entrou na casa. Ele olhou em torno da sala e fixou o olhar no Besht. Depois das preces, eles se sentaram para a refeição do Shabat, entre melodias e maravilhosas palavras de Torá. O tempo todo, o estranho permaneceu de pé, contemplando fixamente o Besht, que não lhe deu atenção. Somente quando terminaram o jantar, o homem aproximou-se do sapateiro e perguntou quando eles rezariam pela manhã. Então saiu.
"Aquele homem" – disse o sapateiro ao chassid – "é Professor Shlanger, um dos intelectuais mais anti-semitas na Alemanha."
Na manhã seguinte, o professor voltou e repetiu o mesmo desempenho, e depois saiu após a refeição, para não retornar mais.
O Shabat terminou e o Besht e seu pupilo se despediram, embarcaram na carruagem e em menos de cinco horas estavam novamente em casa. O chassid estava ardendo de curiosidade. "Quem era o homem idoso em cuja casa nós paramos? Por que você bebeu um copo de água na floresta e o que conseguimos, passando o Shabat na casa do sapateiro?" perguntou ele.
O Besht respondeu: "O homem idoso é um dos tsadikim ocultos sobre os quais o mundo se apóia. Ele será o primeiro a saber quando Mashiach chegar, e foi sobre isso que conversamos. Fomos até a floresta porque eu vi que, desde o começo da criação, ninguém jamais tinha feito uma bênção sobre a água daquele riacho. O que conseguimos na casa do sapateiro você saberá algum dia."
Vinte anos depois, o chassid estava em Minsk quando um judeu o parou. Ele perguntou se o chassid era aluno do Besht, e se já tinha visitado Leipzig.
Quando o chassid respondeu afirmativamente, o judeu disse: "Eu era o professor que fez a visita naquele Shabat. Naquela época, eu estava atravessando uma fase decisiva em minha vida, e quando ouvi falar que seu professor tinha paralisado aqueles estudantes, eu sabia que precisava conhecê-lo. Ele provocou um efeito tão profundo em mim que depois de alguns meses, eu desapareci da universidade, mudei para outro país e me converti ao Judaísmo. Não sei como seu mestre poderia ter sabido que um anti-semita como eu tinha o potencial de tornar-me rabino, mas ele o fez."
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