A Parashá Pinchás começa com a declaração de D'us1: “Pinchás, filho de Elazar... desviou a Minha cólera... com o seu zelo por Meu nome... Veja, Eu estou concedendo a ele Meu pacto de paz, um pacto eterno da kehuná (sacerdócio)”.
Com a frase “um pacto eterno do sacerdócio”, D'us indicou que os descendentes de Pinchás também seriam cohanim. D'us já tinha dado a kehuná a Aharon e seus filhos Elazar e Itamar como uma distinção hereditária. Mesmo assim, somente aos filhos nascidos para Elazar e Itamar, depois que eles tivessem sido empossados como cohanim, seria concedido este status. Pinchás nasceu antes que o Santuário fosse construído e não foi empossado como um cohen junto com Aharon e seus filhos. Portanto, antes de ele matar Zimri, ele não era considerado um cohen2.
Isto levanta uma dúvida. O serviço Divino garante recompensa; quanto maior o serviço, maior a recompensa. Mas a kehuná não é uma recompensa. Em vez disso, ela é parte da natureza inerente de Aharon e seus descendentes. Ao ungir Aharon como um cohen, D'us o diferenciou do resto do Povo Judeu, como está escrito3: “E Ele distinguiu a Aharon, para santificá-lo e a seus descendentes como os mais sagrados para sempre”.
Se alguém não descende de Aharon, ele não é um cohen. Não existe nenhum serviço Divino que possa fazer com que esta condição seja transmitida a alguém. Conforme declara Rashi4: O Santo, bendito seja Ele, estabeleceu distinções dentro de Seu mundo. Assim como ninguém pode transformar manhã em noite, também [a kehuná] não pode ser anulada. Assim está escrito5: “E D'us distinguiu entre luz e escuridão...” e está escrito: “E ele distinguiu Aharon...”.
Assim como as diferenças entre noite e dia são parte da estrutura natural do mundo, também a kehuná é um elemento inerente da natureza. Consequentemente, surge uma questão: Já que Pinchás não era um cohen, como pode esta condição ser transmitida a ele por causa de seu zelo?
A Conexão Entre Pinchás e Eretz Yisrael
Depois que esta leitura da Torá termina de contar a história de Pinchás, ela relata a ordem para que uma guerra fosse travada contra Midian, e ordena a realização de um censo por causa dos judeus que tinham morrido pela praga. Ela então fala sobre a divisão de Eretz Yisrael e a indicação de Yehoshua como o líder que guiará os judeus para a Terra Santa. No final da leitura da Torá, a ordem sobre as oferendas de sacrifício é descrita. Existe uma conexão entre estas oferendas e a entrada em Eretz Yisrael, porque certos sacrifícios - por exemplo, os dois pães oferecidos em Shavuot, alguns dos sacrifícios comunitários e as libações de vinho6 – poderiam ser praticados somente na Terra Santa7.
Nossos Sábios declaram8 que, se os judeus não tivessem pecado, sua primeira entrada em Eretz Yisrael teria iniciado a Era da Redenção. Mesmo que a Redenção não tenha acontecido naquele momento, existem paralelos entre a entrada em Eretz Yisrael e a Redenção futura9. Isto nos ajuda a entender a conexão entre a entrada em Eretz Yisrael e Pinchás. Pinchás é identificado como Eliyahu10, o profeta que anunciará a Redenção.
Quando o Mestre é Revelado
Na Era da Redenção, a Or Ein Sof, a luz infinita de D'us, será revelada de uma maneira explícita, como insinuado na profecia11: “Nunca mais teu Mestre se ocultará”.
Na era atual, a luz de D'us está coberta por véus que limitam a sua revelação. Na Era da Redenção, ao contrário, a essência da luz será revelada. Esta luz transcenderá os limites do universo espiritual. Nosso arranjo de potenciais espirituais corresponde àquele que existe no plano místico. Assim como existe uma luz que é limitada pelo universo espiritual, e outra que transcende aqueles limites, existem dois níveis dentro de nossas almas: um se refere à alma como ela se reveste em nossos poderes conscientes. Este nível tem quatro meios de expressão (nefesh, ruach, neshamá e chayá) que correspondem aos mundos espirituais de Asiyá, Yetzirá, Beriá e Atzilut. E, então, existe um nível da alma que transcende todos os nossos poderes, o nível de yechidá. Este nível está unido com D'us em Sua manifestação como yachid, “o Um exclusivo” – um nível que transcende o universo espiritual.
Para atrair este nível para este mundo, nosso serviço Divino deve tocar aquela parte da alma que transcende nossos poderes conscientes12.
Esta é a intenção da declaração de nossos Sábios13: “Se Yisrael se voltar para D'us em teshuvá, ele será redimido. Se não, ele não será redimido”. Com a adição da segunda frase, nossos Sábios enfatizaram que a teshuvá sozinha desencadeará a vinda da Redenção. A lógica para isto não é somente que nossos pecados previnem a manifestação da Redenção. Em vez disso, a intenção é enfatizar que a Redenção requer a teshuvá como um catalisador. Na Era da Redenção, a Unicidade exclusiva de D'us se manifestará por toda a existência. Para poder atrair este nível, a teshuvá é necessária. Ela tem o potencial de eliminar todas as manchas causadas pelo pecado14. Estas manchas afetam os poderes conscientes da alma. Quando um judeu é motivado pela teshuvá, ele toca o nível de yechidá e isto permite que ele transcenda suas próprias limitações e corrija todas as manchas.
Precipitando a Redenção
O nível de yechidá que ultrapassa nossos poderes conscientes são expressos através de mesirut nefesh, auto-sacrifício, um comprometimento que transcende os limites da razão. A razão não pode explicar o verdadeiro auto-sacrifício. Alguns empenham a si mesmos pela promessa de uma recompensa, mas o verdadeiro auto-sacrifício está acima de tais pensamentos e, de fato, não pode ser compreendido. O potencial para este auto-sacrifício vem do nível de yechidá. Isto também explica porque, na era atual – a época de ikvesa diMeshicha, quando os passos de aproximação do Mashiach já podem ser ouvidos – nossos serviço Divino requer auto-sacrifício. A intenção é tocar o poder de yechidá e, desta maneira, precipitar a revelação da Unicidade singular de D'us na época da vinda do Mashiach.
Como explicado no Tanya15, mesirut nefesh sempre foi um elemento necessário em nosso serviço Divino. De fato, a totalidade de nosso serviço Divino depende dela. Por este motivo, a geração que entrou em Eretz Yisrael foi ordenada a recitar o Shemá (com o seu comprometimento com a mesirut nefesh) duas vezes ao dia, apesar do fato de que o povo já tinha prometido16: “D'us colocará o teu medo e o teu temor sobre toda a terra”.
Em um nível diário, entretanto, a observância da Torá e de suas mitsvot naqueles dias não requeriam mesirut nefesh. A mesirut nefesh dos judeus representava meramente um compromisso potencial. Como tal, eles atraíram o nível de yechidá (mesirut nefesh) envolvido nos outros quatro níveis da alma, e aos quais é dada expressão na observância da Torá e suas mitsvot. Na era de ikvesa diMeshicha, ao contrário, a verdadeira mesirut nefesh será necessária para dar expressão desvelada ao nível de yechidá dentro de nossas almas e, assim, precipitar a revelação desvelada da Divindade dentro do mundo.
Auto-Sacrifício que Desconhece Limites
Também existem níveis dentro da própria mesirut nefesh. Às vezes uma pessoa assume um compromisso de autosacrifício, mas o compromisso é limitado. Ele consulta o Shulchan Aruch para ver se ele é obrigado a se sacrificar por qualquer assunto em particular. O verdadeiro compromisso de mesirut nefesh, entretanto, envolve devoção a D'us sem qualquer restrição – um compromisso que transcende totalmente a razão e a lógica. Este nível de mesirut nefesh foi revelado por Pinchás. Ele não precisou arriscar a sua vida neste caso. Se ele tivesse consultado a corte, ela não o teria ordenado praticar tal ato17. Nesta tal situação, a corte não dá a ordem18: “O zeloso pode atacá-lo”19. Ao agir, Pinchás expressou, assim, a verdadeira mesirut nefesh. Isto reflete a conexão entre Pinchás e a Redenção futura. Esta será produzida através deste tipo de auto-sacrifício, um compromisso que não é limitado por nenhuma forma, um que expressa o nível de yechidá que, por sua vez, revelará yachid, a Unicidade singular de D'us.
Fundindo Opostos
Em relação à profecia da Redenção20: “Eu farei tuas janelas21 de pedras preciosas”, o Talmud declara22: “Um23 interpretou isto como se referindo a rubis, e um a jaspe. O Santo, bendito seja Ele, diz: ‘Eu satisfarei a ambas as opiniões’”.
Um rubi é uma joia vermelha, indicativa da energia atraída desde Acima. Jasper é uma pedra preciosa cintilante que reflete a luz de forma tão brilhante que ela pode cegar24, aludindo à luz ecoante (or chozer) gerada pelos nossos esforços para refinar a existência terrena. Este é o núcleo da diferença de opinião quanto a se as revelações da Redenção futura seguirão um padrão de atrair a energia de cima ou se serão precipitadas pelo refinamento e elevação do mundo. D'us diz: “Eu satisfarei a ambas as opiniões”, pois a Redenção futura combinará ambos os impulsos25.
A diferença entre estes dois impulsos pode ser explicada desta forma: A luz que é atraída de cima não tem qualquer restrição, enquanto a luz que é gerada pelo refinamento do plano material é proporcional ao nosso serviço Divino e é, portanto, limitada.
Mas existe uma vantagem na luz gerada pelos nossos esforços. Quando a luz é atraída de cima, independentemente dos esforços do homem, ela não será necessariamente interiorizada no mundo, pois o mundo não estará pronto para aceitá-la. Em vez disso, a luz brilha de uma forma envolvente. Quando, entretanto, a luz é gerada pelos esforços do homem para elevar o mundo, a realidade material terá se tornado um meio no qual a luz Divina poderá ser interiorizada. O caráter único da Era da Redenção é que ela combinará ambas as qualidades. A luz Divina será revelada como ela é, sem limitações. De fato, a luz será tão transcendente que ela não poderá ser atraída através do serviço Divino dos mortais. E, ainda assim, esta luz será interiorizada pelo mundo.
Nunca houve uma revelação como esta, nem haverá até a chegada da Redenção. Apesar de que o Alter Rebe escreve que algo ligeiramente parecido a este evento ocorreu na Entrega da Torá26, isto se refere somente ao fato da revelação. Na Entrega da Torá, como acontecerá na Era da Redenção, uma luz transcendental e sem limites foi revelada. Mas, naquele momento, o mundo não estava refinado e não se tornou um meio para a luz. Portanto, depois que a revelação no Monte Sinai foi completada, o mundo continuou inalterado. A mais clara indicação deste fato é que, logo depois, os judeus adoraram o Bezerro de Ouro27.
Na Era da Redenção, entretanto, ambos os impulsos serão cumpridos. O mundo será refinado e será, portanto, capaz de interiorizar as revelações infinitas daquela era.
Estes conceitos são insinuados na pessoa de Pinchás, que é identificado como Eliyahu, o mensageiro da redenção. Como mencionado acima, a kehuná não é uma qualidade que pode ser conseguida através do serviço Divino. Em vez disso, ela é concedida de cima para baixo, definindo a natureza da existência de uma pessoa.
Nós somos, assim, forçados a concluir que mesmo antes de Pinchás ter matado Zimri, ele estava preparado para a kehuná. No entanto, aquela característica não foi expressa até que ele tivesse revelado o seu zelo. Por quê? Porque a intenção era que Pinchás revelasse seu potencial através de seu próprio serviço Divino. Esta fusão de tendências opostas é sugerida pela declaração de D'us: “Veja, Eu estou concedendo a ele o Meu pacto de paz”, pois a paz envolve a resolução de um conflito. Da mesma forma, Pinchás combinava revelação de cima para baixo com seus próprios esforços de refinamento, demonstrando dentro de sua pessoa um microcosmo da Redenção futura. Por este motivo, Pinchás é identificado como Eliyahu.
Uma Antecipação da Redenção
Uma fusão similar de opostos pode ser expressa em nosso próprio serviço Divino. Nós devemos fundir o nível de yechidá com nossos poderes conscientes, habilitando-os a internalizar o transcendental28. A intenção não é meramente praticar a Torá e suas mitsvot como elas são inspiradas pela recitação do Shemá, pois, então, o serviço Divino da pessoa é executado somente com seus poderes conscientes e a intensidade de mesirut nefesh que deriva de yechidá é ocultada dentro destes poderes.
Em vez disso, a intenção é que, ao longo do dia, o serviço Divino da pessoa deva pulsar com mesirut nefesh. Sua yechidá deve se manifestar, brilhando como uma luz interiorizada e redefinindo o funcionamento de seus poderes conscientes.
Do Exílio à Redenção
Nos anos em que as parashiot Matot e Massê são lidas juntas, a Parashá Pinchás é a primeira dos Shabatot de beyn hameitzarim, o período de luto pela destruição do Beit Hamikdash. Já que todos os assuntos são definidos pela Divina Providência, isto indica que a Parashá Pinchás compartilha uma conexão com o período de beyn hameitzarim29.
Explicando: Logo após a destruição do Beit HaMikdash, “o salvador de Israel nasceu”30. Isto mostra que a destruição do Beit HaMikdash iniciou um processo que levará à Redenção31. Como explicado acima, as revelações daquela era serão associadas com o serviço Divino de Pinchás – a revelação da yechidá dentro dos nossos poderes conscientes. Este conceito também é sugerido no final da primeira das haftarot lidas durante beyn hameitzarim32: “Israel é santificado em D'us, os primeiros frutos de Sua safra. Todo que a devorar será considerado culpado. O mal virá sobre eles”. Traduzindo literalmente, o assunto das últimas frases é as nações gentias. Ao “devorar Israel”, elas “serão consideradas culpadas” e “o mal virá sobre elas”.
Já que a Torá foi dada ao Povo Judeu, em adição ao seu significado simples, o versículo também deve conter uma diretiva para o nosso serviço Divino33. Esta diretiva pode ser explicada como se segue: Quando os judeus pecam, aqueles pecados devoram o potencial espiritual de Israel. Isto pode ser corrigido através de uma oferenda de culpa, pois tal oferenda está associada com a revelação de yechidá34.
Isto é deduzido da seguinte maneira: Em relação à oferenda de culpa, está escrito35: “E seu quinto será adicionado a ele”. Em termos de nosso serviço Divino, isto significa que os esforços de nossos quatro potenciais nefesh, ruach, Neshamá e Chayá não são suficientes; nós devemos também ativar o quinto nível: yechidá36. A atenção precisa ser prestada ao fato de que o versículo requer que um quinto seja adicionado “a ele”, isto é, a yechidá não é revelada como uma qualidade independente, mas está fundida com outros atributos. Isto habilita a nefesh, ruach, neshamá e chayá, carregando-as com a energia de yechidá.
Isto também é refletido na interpretação do Alter Rebe do versículo [37]: “Quem pode contar a semente de Israel?”. A palavra hebraica para contar, mispar, se relaciona à palavra hebraica sapir, que significa “brilho”, e a palavra rová, traduzida como “semente”, se relaciona ao número quatro, arbá em hebraico. A implicação é que o nível de yechidá deve brilhar nos quatro atributos de Israel - nefesh, ruach, neshamá e chayá – e ser interiorizada dentro delas, proclamando, assim, as revelações da era da Redenção. Que isto possa ocorrer imediatamente.
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