Para ver realmente do que alguém é feito, observe a pessoa em tempo de crise. Moshê está nas notícias esta semana.

Na porção desta semana da Torá lemos: Devarim – “estas são as palavras que Moshê falou…” Este é o início do quinto livro da Torá, que na sua totalidade documenta as palavras que Moshê disse ao povo nos últimos 37 dias de sua vida na terra.

Sabendo que tinha pouco tempo de vida, Moshê revê todos os eventos que os judeus tinham vivenciado no decorrer dos últimos 40 anos, desde que deixaram o Egito. Ele discute o relacionamento que os judeus tinham estabelecido com D'us, as instruções que D'us deu a eles, e os encoraja a cumprir esses ensinamentos nas gerações futuras. No Livro de Devarim, Moshê na verdade está deixando ao povo seu testamento e sua última vontade.

De fato, em suas palavras imortais (Devarim), Moshê nos deixa mensagens eternas que são especialmente apropriadas para esta época do ano.

Portanto não é coincidência que este período – quando lemos as palavras de Moshê no Livro de Devarim – coincida com a fase em que Moshê passou na montanha conversando com D'us.

Tempo, segundo o pensamento judaico, é um fluxo espiral de energia que anualmente repete sua órbita. Os eventos na história são na verdade formas de energia-experiência que revivemos quando atingimos o mesmo ponto no tempo a cada ano. Portanto, embora Moshê tivesse subido a montanha 40 anos antes de falar suas últimas palavras, neste tempo a ‘energia’ prevalecente é a de Moshê e suas palavras.

Isso também coincide com a parte mais triste do Calendário Judaico. No décimo terceiro dia da jornada de 40 dias de Moshê no Monte Sinai, entramos no difícil mês de Av.

Esse é o segundo segmento dos três períodos de 40 dias que Moshê passará na montanha, O primeiro período de 40 dias (6 de Sivan-17 de Tamuz) é quando Moshê recebe e lhe é ensinada a Torá inteira. Ele então desce, descobre o bezerro de ouro, o destrói, quebra as Tábuas, e então retorna à montanha para o segundo período de 40 dias (18 de Tamuz-29 de Av), implorando perdão a D'us. Sem ter sucesso, ele volta para um terceiro período de 40 dias (30 de Av-10 de Tishrei) e dessa vez é bem-sucedido, e desce triunfante em Yom Kipur com as Segundas Tábuas nas mãos.

Sabemos muito sobre o primeiro e o terceiro períodos de 40 dias. Ambos estão bem documentados na Torá. O primeiro – quando Moshê reeebe a Torá; o último quando D'us mostra a Moshê “Seus caminhos” e revela a ele os Treze Atributos Divinos de Compaixão.

Em contraste, sabemos quase nada sobre o período intermediário de quarenta dias. Sabemos que são chamados dias de “ira” (Seder Olam cap. 6. Rashi Devarim 10:10), porque D'us não é receptivo às súplicas de Moshê (em contraste com o terceiro período de 40 dias, que são chamados “dias de compaixão”, quando D'us recebe bem as preces de Moshê).

Como é comum, a curiosidade humana gravita para o desconhecido e misterioso. O que aconteceu nesse período intermediário de 40 dias? Como Moshê conseguiu encarar um D'us “furioso” por 40 dias no total? O que ele disse e o que ouviu? Acima de tudo, o que o fez insistir quando não estava recebendo qualquer resposta positiva? E como ele se aventurou a voltar pela terceira vez quando fora rejeitado por 40 longos dias e noites?

O que é tão intrigante sobre isso é que é um verdadeiro caso a se estudar – talvez o supremo – sobre a resistência e confiança humanas. Quando se deparam com um desafio formidável, e o sucesso parece impossível, de que as pessoas são capazes? Quando devemos desistir e quando devemos persistir? E acima de tudo, como seguimos em frente quando tudo ao nosso redor está desmoronando?

Se Moshê tivesse conseguido receber o perdão de D'us com pouco ou nenhum esforço, não teríamos uma lição. Obviamente, o grande Moshê tem o ouvido de D'us, portanto não é surpresa que ele possa vencer qualquer porta. Mas e quanto a nós, pessoas comuns, – o que podemos realmente esperar conseguir quando tudo parece perdido?

Isso traz à mente uma história, que pode ou não ser relevante aqui [mas, uma boa história sempre é oportuna…].

O Baal Shem Tov reuniu dez tsadikim para rezar por uma criança muito doente, mas foi em vão. Como último recurso, ele foi aos arredores da cidade e reuniu dez ladrões e pediu-lhes que rezassem pela criança. As preces ajudaram, e a criança se recuperou. Mais tarde, quando lhe perguntaram como as preces dos ladrões podiam conseguir aquilo que os tsadikim não puderam, o Baal Shem Tov respondeu com um sorriso: “Eu vi que todos os portões do céu estavam selados, e eu precisava de alguém para arrombar…”

Porém, Moshê não conseguiu facilmente romper os portões do céu. Nesse período intermediário de 40 dias, todos os esforços dele não produziram os resultados que ele esperava. E mesmo assim, é exatamente nessa rejeição que podemos aprender as mais profundas lições na vida.

De fato, esta é a mensagem mais profunda do mês em que estamos entrando, Av. Na superfície, Av é o mês mais triste do ano, sendo o tempo em que trágicos eventos ocorreram na história, dos quais o maior é a destruição dos dois Templos Sagrados em Jerusalém. Os Nove Dias (de 1 a 9 de Av) são tradicionalmente uma fase de luto, quando evitamos celebrações e entretenimento. A tristeza se intensifica à medida que nos aproximamos de Tisha B’Av (9 de Av), até o nono dia, que é um jejum de 25 horas, quando amortecemos as luzes e sentamos “shiva” – em luto pelos Templos destruídos. O que devemos fazer nesses dias tristes?

O Arizal nos diz que na angústia da tarde de Tisha B’Av, quando as chamas estiverem consumindo o Templo, nasce o Mashiach. A Redenção é concebida das cinzas da destruição.

Nas trevas mais profundas está a luz mais poderosa. No entanto, com a nossa limitada perspectiva, somente podemos ver uma dimensão por vez; ou vemos escuro ou vemos luz. Alguém com profunda visão e concentração muito forte pode ver a luz dentro da escuridão. Moshê foi uma pessoa assim. Quando D'us o recusou durante o segundo período de 40 dias, Moshê não sentiu rejeição; ele viu oportunidade. Onde outros viram “ira”, ele viu desafio. Onde outros viam desesperança, ele viu potencial.

Moshê teve essa visão porque tinha uma fé inabalável na bondade essencial de D'us e absoluta confiança de que o bem sempre iria prevalecer. Não havia a palavra “não” em seu vocabulário, nem a palavra “impossível” ou “desesperança”. Armado com tamanha confiança, nada, absolutamente nada, poderia abalar Moshê. Ele nem mesmo aceitou D'us dizendo-lhe que seu pedido era impossível. Moshê era supremamente resoluto, persistente – absolutamente seguro de que sua causa era certa, e que aquilo que é certo irá triunfar.

Rabi Akiva foi outro homem assim, quando riu enquanto olhava para o Monte do Templo desolado. E também o Arizal, quando viu a redenção em seus momentos mais sombrios.

Nossa visão pode não estar bem no nível dessas grandes almas. Porém, somos abençoados com a capacidade de olhar para a vida por intermédio dos olhos deles. Quando lemos as palavras de Moshê, estamos essencialmente recebendo o dom de ver a vida pelos seus olhos. O mesmo com Rabi Akiva, o Arizal e outros desse calibre.

Pergunte a si mesmo: como você lida com a rejeição? Com desapontamento, com sonhos esfacelados e promessas quebradas? Como olhar para os momentos mais sombrios da vida, para as falhas e as perdas?

A jornada aparentemente mal-sucedida de Moshê ao Sinai nesses dias na verdade foi muito bem-sucedida, na medida que nos permite ter um vislumbre sobre um homem de D'us sob pressão; nos habilita com a capacidade de ver o processo, não apenas os resultados.

Acima de tudo: fez surgir a compaixão dos 40 dias seguintes, culminando com Yom Kipur. O Shaloh escreve que Aryeh (a mazal/sinal do mês de Av) é um acrônimo para Elul. Rosh Hashaná, Yom Kipur, Hoshaná Rabá. A compaixão de Elul; a renovação de Rosh Hashaná; o perdão de Yom Kipur; e o encerramento de Hoshaná Rabá – todos nasceram da energia de Av.

É verdade que não estamos satisfeitos com esses 40 dias de “ira” – nem Moshê ficou: o que queremos é ter compaixão em nossas vidas, e sentir conscientemente o triunfo da esperança que foi finalmente atingido em Yom Kipur. Porém, ao mesmo tempo, o sucesso tardio de Moshê foi determinado por como ele lidou mais cedo com a rejeição, melhor dizendo: como isso o deixou inabalável, e mais resoluto que nunca. O ditado afirma: há pessoas que são como saquinhos de chá. Você não sabe como são fortes até que as coloca na água quente. Quando você pensa a respeito, não parece demais dizer que esse período de 40 dias encerra o segredo da vida, o segredo de Moshê, o segredo da eternidade.

Sua maneira de lidar com crise, com rejeição, com fracasso, irá determinar o quanto você será bem-sucedido no final. Pode-se dizer que o sucesso na verdade nasce do fracasso. Algumas pessoas ficam desmoralizadas e esmagadas quando fracassam. Outras pemitem que o insucesso as eduque e as motive, para embutir nelas uma força mais profunda, que lhes dá o poder para sair-se bem no futuro.

Sim, existem aqueles que veem este mês como Av – o mês mais triste no calendário. Alguns até mesmo dominaram os métodos para prantear e lamentar. Porém, existem outros que veem o Menachem (em) Av (o nome completo do mês) – eles veem o conforto e o consolo dentro da tristeza.

Rabi Levi Yitschak de Berditchev nos diz que em Shabat Chazon (o Shabat anterior a Tisha B’Av) é mostrado a cada um de nós o Terceiro Templo a distância, a fim de evocar em nós o desejo de ter o Templo conosco. Daí, o nome Shabat Chazon – o Shabat da Visão. Existem aqueles que têm a visão de Yeshayáhu, que descreve a visão da destruição; e aqueles que veem o Terceiro Templo reconstruído. Temos o poder de escolher nossas visões. Por que você não seria um daqueles que veem o Menachem em Av?