O Nascimento da Sensualidade

O que é mais poderoso: um toque forte ou um suave? Um forte estrondo ou uma canção delicada? Um empurrão forte ou uma picada leve?

O amor é mais sentido através da agressão ou da ternura?

Toque. Música. Beleza. Amor. Toda experiência que toca o coração e a alma é na verdade uma ponte entre o sensorial e o supra-sensorial: um olhar amoroso, uma melodia harmoniosa, vinho no paladar, uma flor perfumada, o toque de uma mão – todos estimulam um sentido. Mas só isso. Como um skate que desliza ou uma corda vibrando num violino, o sentido estimulado abre uma porta para um lugar que está muito além de qualquer experiência tangível e descritível. Quanto mais sutil, mais poderosa.

Em uma palavra: Sensualidade – onde o sentido encontra aquilo que está além dos sentidos. Um carinho amoroso na verdade é tangível: porém, simultaneamente intangível. Um toque que apenas esbarra na superfície, mas acende uma erupcão de sensações. É, a sensualidade tem uma história complexa. Pois toda sua atração não está sempre associada com pureza e inocência. Alguns até a veem como contrária ao espiritual. De fato, dicionários modernos traduzem “sensual” como “sem interesses morais ou espirituais; mundano”, “relacionado com ou consistindo em gratificação dos sentidos ou indulgência de apetite.”

Vamos revisitar as raízes da sensualidade.

Por que a experiência do Sinai, na porção dessa semana da Torá, tem de ser tão dramática e forte? “O Monte Sinai estava todo em fumaça por causa da Presença que tinha descido sobre ele. D'us estava no fogo, e sua fumaça subiu como a fumaça de um forno. A montanha inteira tremeu violentamente. Houve o som de um chifre de carneiro, aumentando em volume até um grau muito alto. Moshê falou, e D'us respondeu com uma Voz” (Shemot 19:16-19).

Pareceria que o profundo evento espiritual que foi o Sinai seria íntimo e ressonante, sem necessidade de uma espetacular exibicão de fogos de artifício.

Na verdade, o Midrash explica que as primeiras tábuas foram quebradas devido ao fato de estarem acompanhadas de uma fanfarra de alto nível. Assim as segundas tábuas foram dadas em Yom Kipur, em silêncio. “Nada é mais belo,” conclui o Midrash, “que o recato”.

Porém o propósito do Sinai era permear o universo sensorial, e infundir nossa existência tangível com o Divino. O Sinai foi tanto uma profunda experiência mística quanto simultaneamente uma intensa experiência sensual – um evento multi-sensorial que estimulou todos os sentidos humanos: trovão e raios, o toque ascendente do shofar, fumaça e tremor. Embora os sentidos estivessem todos engajados no Sinai, também sentiram uma intensa reverência de uma experiência além de qualquer coisa física. Na verdade, o povo atingiu um estado de sinestesia: “Todas as pessoas viram os sons – elas viram aquilo que normalmente é ouvido, e ouviram aquilo que normalmente é visto” (20:15 e Mechilta sobre o versículo). Com todos os sons e visões dramáticos – o Sinai abriu as portas além dos sentidos percebidos, fundindo-os em um.

A verdadeira sensualidade saudável estava nascendo.

Como, então, a sensualidade adquiriu sua obscena reputação? Onde se perdeu a natureza pura e sutil da sensualidade?

Ah, a resposta a essa pergunta está na própria natureza do universo sensorial e como ele nos aperta em suas garras. Por nós mesmos, tendemos a gravitar na opção mais fácil da superfície, nas experiências superficiais. Sem esforço sensorial os estímulos podem nos seduzir ao ponto de superar completamente o nosso ser. Veja o poder hipnótico da televisão e do filme; a mecânica manipuladora de contenção; como imagens, sons, sabores, cheiros e toques são usados para nos motivar e nos vender produtos e serviços.

Se esses sentidos carregam mensagens superficiais, seu forte poder pode ser usado contra nós – atacando nossa psique, violando nosso espaço interior e distorcendo nossa percepção da realidade. Nossos sentidos podem até se tornar instrumentos de auto-destruição, levando ao escapismo, desensibilização e vício quando nosso sistema imunológico sensorial está baixo devido à hiper-estimulação.

No nível consciente um profundo conflito pode separar o sentido do espírito, não diferente da divisão ostensiva entre matéria e energia. Os cabalistas explicam que devido ao Divino Ocultamento (tzimtzum), nos sentimos independentes e separados das forças interiores que nos sustentam. Os sentidos materiais podem então “sair de si mesmos”, divorciados de suas sublimes conexões. A alma de nossos sentidos, por assim dizer, pode ficar não apenas obscura, mas completamente afastada, a tal ponto que o mesmo sentido de, digamos, toque não sutil pode se distrair e nos dominar, o que nos afasta de perceber o verdadeiro potencial do toque. Em vez do sentido ser um catalisador que libera enorme poder, torna-se uma “bala” ou uma “droga” que nos aperta em seus tentáculos de gratificação instantânea; um “rápido conserto” que sempre precisa de outro para seguir.

Em vez de nossos sentidos servirem as nossas necessidades íntimas e abrir a suavidade do nosso espírito, interesses egoístas convertem estes mesmos sentidos – como uma marreta sendo usada para quebrar um ovo – em ferramentas de agressão. Imagine uma mãe agarrando com força o braço do filho em vez de pegá-lo delicadamente. Em vez de um golpe suave, o mesmo toque se torna um forte soco.

Uma vez na história o “squismo” entre sentido e espírito foi ligado. O Sinai foi este evento sem precedentes. Há mais de 3 mil anos céu e terra atingiram a fusão. Possibilitando-nos até hoje – permitir que nossos sentidos chegassem ao etéreo, e mantivessem a integração na vida diária, de maneira sustentável e permanente. No Sinai recebemos um projeto para a vida (chamado Torá) – como um manual de vida – que nos instrui como casar o Divino com o humano.

Muitas pessoas em nosso tempo se conectaram com a letra de Hendrix “desculpe-me enquanto eu beijo o céu.” Hendrix pode ter beijado o céu, mas tragicamente, não voltou para nos contar a respeito. Como fizeram muitos dos seus contemporâneos. Alguns retornaram, mas não nos deram um sistema viável para fundir os sentidos e a transcendência.

O Sinai nos ensina justo isso.

Quer descobrir como? Procure uma aula de Torá que mostre a relevância da Torá em nossa vida pessoal, emocional psicológica e espiritual.

O que é um verdadeiro toque?
O que é um verdadeiro beijo?
É onde o céu encontra a terra.
Onde o sublime encontra o secular.
Onde nossos sentidos encontram nosso espírito.
Onde seu corpo encontra sua alma.