Na Casa dos Lordes há uma câmara especial usada, entre outras coisas, como o local onde novos seguidores são vestidos antes da sua introdução na Casa.

Quando meu predecessor Lorde Jakobovitz foi apresentado, o oficial que o vestiu comentou que ele era o primeiro rabino a ser homenageado na Casa Superior. Lord Jakobovitz respondeu: “Não, eu sou o segundo.”

“Quem foi o primeiro?” perguntou o oficial, surpreso.

Lord Jakobovitz apontou para o grande mural que decora a câmara e deu a ela seu nome. É conhecida como a Sala Moses por causa da pintura que domina a sala. Mostra Moshê trazendo os Dez Mandamentos descendo do Monte Sinai. Portanto Moshê foi o primeiro rabino a adornar a Casa dos Lordes.

Os Dez Mandamentos que aparecem na parashá desta semana há muito têm um lugar especial não apenas no Judaísmo, mas também dentro da configuração mais ampla de valores que chamamos de Ética Judaica-Cristã. Nos Estados Unidos eles eram frequentemente encontrados adornando os tribunais americanos, embora sua presença tenha sido desafiada, em alguns estados com sucesso, sob a afirmação de que eles rompem a primeira emenda e a separação entre igreja e estado. Eles permanecem como a suprema expressão da lei mais alta à qual toda lei humana está ligada.

No Judaísmo também eles têm um lugar especial. Na época do Segundo Templo eles eram recitados nas preces diárias como parte do Shemá, que então tinha quatro parágrafos em vez de três.1 Foi somente quando os sectários começaram a alegar que somente esses e não os outros 603 comandos vinham diretamente de D'us que a recitação chegou ao fim.2

O texto reteve seu lugar na mente judaica mesmo assim. Embora tenha sido removido das preces comunitárias diárias, foi preservado no livro de orações como uma meditação particular a ser recitada após o serviço formal ter sido concluído. Na maioria das congregações, as pessoas ficam de pé quando eles são lidos como parte da leitura da Torá, apesar do fato de que Maimônides tenha decretado explicitamente contra isso. 3

Porém sua singularidade não é direta. Como princípios morais, na maioria não eram novos. Quase todas as sociedades têm tido leis contra assassinato, roubo e falso testemunho. Há alguma originalidade no fato de que são inegáveis, ou seja, declarações simples de “Não farás”, em oposição à forma casuística, “Se… então.”

Mas eles são apenas dez entre um grupo muito maior de 613 mandamentos. Também não são descritos pela Torá como “dez mandamentos”. A Torá os chama de asseret ha-devarim, ou seja, “dez pronunciamentos”. Daí vem a tradução grega, o Decálogo, significando ”dez palavras”.

O que as torna especiais é que são simples e fáceis de memorizar. Isso porque no Judaísmo, a lei não é feita somente para os juízes. O pacto no Sinai, combinado com o profundo igualitarismo no coração da Torá, foi feito não como outros pactos foram no mundo antigo, entre os reis. O pacto no Sinai foi feito por D'us com o povo inteiro. Daí a necessidade de uma declaração simples de princípios básicos que todos podem lembrar e recitar.

Mais do que isso, eles estabelecem os parâmetros para todo o tempo – a cultura corporizada podemos chamar assim – da existência judaica. Para entender como, deve-se refletir sobre sua estrutura básica. Havia um desacordo fundamental entre Maimônides e Nachmanides sobre o status da primeira sentença: “Eu sou o Eterno teu D'us, que te tirou para fora do Egito, fora da terra da escravidão.”

Maimônides, alinhado com o Talmud, afirmava que este por si mesmo é um mandamento: acreditar em D'us.

Nachmânides afirmava que não era um mandamento. Era um prólogo ou preâmbulo para os mandamento.4

Pesquisa moderna sobre o pacto do Oriente Próximo tende a apoiar Nachmanides.

Limites morais do poder

A outra questão fundamental é como dividi-las. Mais apresentações dos Dez Mandamentos os dividem em dois, por causa das “duas tábuas de pedra” sobre as quais eles estavam gravados. Basicamente falando, os primeiros cinco são sobre o relacionamento entre os seres humanos e D'us, os cinco segundos sobre o relacionamento entre os próprios seres humanos. Há, no entanto, outra maneira de pensar sobre estruturas numéricas na Torá.

Os sete dias da criação, por exemplo, são estruturas com dois conjuntos de três seguidos por um sétimo abrangente. Durante os primeiros três dias D'us separou os âmbitos: luz e escuridão, águas altas das baixas, mar e terra seca. Durante os segundos três dias Ele preencheu cada um com os objetos apropriados e formas de vida: sol e lua, aves e peixes, animais e o homem. O sétimo dia foi separado dos outros como sagrado.

Assim também as dez pragas consistem de três ciclos de três seguidos por um décimo sozinho. Em cada ciclo de três, os dois primeiros foram advertidos antes, enquanto o terceiro veio sem advertência. No primeiro de cada série, o faraó foi avisado pela manhã, no segundo Moshê foi avisado a “ficar perante o faraó” no palácio, e assim por diante.

A décima praga, ao contrário das outras, foi anunciada no próprio surgimento (Shemot 4:23). Era muito mais uma punição.

Similarmente me parece que os mandamentos são estruturados em três grupos de três, com um décimo que é separado do restante. Assim entendido, podemos ver como eles formam a estrutura básica, a gramática profunda, de Israel como uma sociedade ligada pelo pacto com D'us como “um reino de sacerdotes e uma nação sagrada”.

Os primeiros três – “...nenhum outro deus, nem imagens ... não usar o nome de D'us em vão” – definem o povo judeu como “uma nação sob D'us.”

D'us é nosso supremo soberano. Portanto, toda outra regra terrena está sujeita aos altos imperativos conectando Israel a D'us. A soberania Divina transcende todas as outras lealdades (Nenhum outro deus perante Mim). D'us é uma força viva, não um poder abstrato (não a imagens gravadas). E a soberania pressupõe reverência (Não usar Meu nome em vão).

Os primeiros três mandamentos, através dos quais as pessoas declaram sua obediência e lealdade a D'us acima de tudo, estabelecem o princípio mais importante de uma sociedade livre, ou seja, os limites morais do poder. Sem isso, o perigo até numa democracia é a tirania da maioria, contra a qual a melhor defesa é a soberania de D'us.

O Segundo Grupo de Três Mandamentos: Limites

Os segundos três mandamentos – o Shabat, honrar os pais, e a proibição de assassinato – são todos sobre o princípio da criação da vida. Estabelecem limites para a ideia de autonomia, ou seja, que somos livres para fazer tudo que quisermos desde que isso não prejudique os outros.

O Shabat é o dia dedicado a ver D'us como criador e o universo como Sua criação. Portanto, um dia em sete, todas as hierarquias humanas são suspensas e todos, chefe, escravo, empregador, empregado, até animais domésticos, estão livres.

Honrar os pais reconhece nossa criação humana. Isso nos diz que nem tudo que importa é resultado da nossa escolha, o principal é o fato de que existimos. As escolhas das outras pessoas importam, não apenas as suas.

“Não matarás” declara o princípio central do pacto universal de Noach que assassinato não é apenas um crime contra o homem, mas um pecado contra D'us em cuja imagem somos reflexo. Assim mandamentos 4 a 7 formam os princípios jurisprudentes básicos da vida judaica. Eles nos dizem para lembrar de onde viemos se queremos pensar sobre como viver.

O Terceiro Grupo de Três

O terceiro grupo de três mandamentos é contra adultério, roubo e dar falso testemunho – estes estabelecem as instituições básicas das quais depende a sociedade.

O casamento é sagrado porque é o vínculo humano mais próximo em aproximação ao pacto entre nós e D'us. Não apenas o casamento é a instituição humana por excelência que depende de lealdade e fidelidade. É também a matriz de uma sociedade livre. Alexis de Tocqueville disse melhor: “Enquanto o sentimento da família é mantido vivo, o oponente da opressão nunca está sozinho.”5

A proibição contra roubo estabelece a integridade da propriedade. Quando Jefferson definiu como direitos inalienáveis aqueles de “vida, liberdade e a busca da felicidade”, John Locke, mais próximo em espírito da Torá, os viu como “vida, liberdade e propriedade.” Os tiranos abusam dos direitos de propriedade das pessoas, e o assalto da escravidão contra a dignidade humana é que me priva da posse da riqueza que crio.

A proibição de falso testemunho é a pré-condição da justiça. Uma sociedade justa precisa mais que uma estrutura de leis, tribunais e agências de condenação. Como disse o Juiz Learned Hand: “A liberdade está nos corações dos homens e das mulheres; quando morre ali, nenhuma constituição, nenhuma lei, nenhum tribunal pode salvá-la; nenhuma constituição, nenhuma lei, nenhum tribunal pode fazer muito para ajudar.” Não há liberdade sem justiça, mas não há justiça sem cada um de nós aceitando responsabilidade individual e coletiva por “dizer a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.”

Inveja
Finalmente vem a proibição única contra invejar seu vizinho, a casa, esposa, escravo, criado, boi, burro, ou qualquer coisa que pertença a ele ou ela. Isso parece estranho se pensarmos nas “dez palavras” como mandamentos, mas não se pensarmos nelas como os princípios básicos de uma sociedade livre.

O maior desafio de qualquer sociedade é como conter o universal, o inevitável fenômeno da inveja: o desejo de ter aquilo que pertence a outro. A inveja está no coração da violência.6 Foi a inveja que levou Caim a assassinar Abel, fez Avraham e Yitschac temerem pela vida porque eram casados com belas mulheres, levou os irmãos de Yossef a odiá-lo e vendê-lo como escravo. É a inveja que leva ao adultério, roubo e falso testemunho, e foi a inveja dos vizinhos que levou os israelitas muitas vezes a abandonar D'us em favor das práticas pagãs da época.

Inveja é uma falha em entender o princípio da criação como é dito em Bereshit 1, que tudo tem seu lugar no esquema das coisas. Cada um de nós tem sua própria tarefa e as próprias bênçãos, e somos cada qual amado e prezado por D'us. Viva por essas verdades e haverá ordem. Abandone-as e haverá o caos. Nada é mais sem sentido e destrutivo que deixar a felicidade de outro diminuir a sua, e é isso que a inveja faz. O antídoto para invejar é, como disse o famoso Ben Zoma, “alegrar-se com aquilo que tem”, e não se preocupar com o que ainda não temos. As sociedades de consumo são construídas sobre a criação e intensificação da inveja, que é por isso que levam as pessoas a ter mais e apreciar menos.

Trinta e três séculos depois de terem sido dados pela primeira vez, os Dez Mandamentos permanecem como o guia mais simples e mais breve para a criação e a manutenção de uma boa sociedade. Muitas alternativas têm sido tentadas, e a maioria terminou em lágrimas. O sábio aforismo permanece verdadeiro: Quando tudo o mais falhar, leia as instruções.