A chegada de Yitrô, sogro de Moshê

Apesar de todas as nações terem ouvido o ribombar da abertura do Mar Vermelho e perguntado acerca de seu significado, e todas saberem da vitória de Benê Yisrael sobre Amalec, não deram ouvidos à mensagem.

Havia um único homem que escutou e captou o verdadeiro significado destes eventos transcendentes. Compreendendo que Hashem é Onipotente, concluiu que é seu dever moral servi-Lo. Os milagres que Hashem havia feito pelo Povo de Israel o convenceram de que Hashem é o verdadeiro D'us. Este homem era Yitrô, o sogro de Moshê.

Na Parashá de Shemot, Moshê havia levado sua esposa Tsipora e seus dois filhos de volta a Midyan para a casa de Yitrô. Lá estariam a salvo, e o Faraó não poderia lhes causar dano. Agora o exército do Faraó se havia afogado e Moshê estava no deserto com Benê Yisrael.

Sem demora, Yitrô pegou Tsipora e seus dois filhos e dirigiu-se ao deserto, no acampamento de Benê Yisrael. Sua intenção era converter-se e juntar-se ao povo judeu no deserto, mesmo se isso significasse sacrificar sua honra e conforto no tocante a assuntos mundanos.

Quando chegou ao acampamento deles, não pôde entrar por causa das nuvens que o rodeavam como uma muralha. O que ele fez?

Escreveu uma carta a Moshê: “Sou Yitrô, seu sogro. Vim para o deserto. Venha saudar-me, se não por mim, então ao menos por sua esposa e seus dois filhos, que me acompanharam e desejam juntar-se a você.”

Yitrô amarrou a carta a uma flecha e atirou-a dentro do acampamento israelita. Apesar de geralmente as nuvens rechaçarem projéteis, aceitaram esta carta, em honra a Moshê.

A conversão de Yitrô

Moshê leu a carta e perguntou a D'us se devia ir ao encontro de Yitrô e aceitá-lo como judeu. Hashem ordenou a Moshê: “Vá encontrar seu sogro, Moshê! Dê boas-vindas a Yitrô, que veio de tão longe para estar com você e deseja fazer parte da nação judia. Eu sou Aquele que decide quando é apropriado aceitar um convertido, e Eu te digo que Yitrô veio aqui apenas em nome dos Céus. Ensine-lhe as leis da Torá. Se um não-judeu deseja converter-se por amor à Torá e suas mitsvot, por um reconhecimento sincero de D'us e pelo desejo de ser um verdadeiro judeu em todos os sentidos, é uma mitsvá ajudá-lo, dedicar-lhe amizade, convertê-lo e tratá-lo como judeu em tudo.”

O tom do comando de Hashem revela que Moshê hesitava em receber seu sogro. Hashem convenceu-o, pois Yitrô havia sido sacerdote de ídolos a vida inteira. Moshê não tinha como saber se Yitrô estava sendo sincero sobre converter-se, e se manteria o compromisso e lhe seria fiel. Apenas Hashem, que perscruta os pensamentos da pessoa, poderia assegurar a Moshê que Yitrô permaneceria leal ao Judaísmo. Portanto, Ele ordenou a Moshê que honrasse Yitrô.

Moshê, Aharon e os setenta zekenim (anciãos) deixaram as Nuvens da Glória e foram dar as boas-vindas a Yitrô. Quem poderia ver este cortejo e não se sentir compelido a segui-lo? A nação inteira juntou-se a Moshê, Aharon e aos zekenim. Yitrô, o primeiro guer tsedec (convertido sincero) recebeu boas-vindas reais. Até a Shechiná (Divindade) apareceu em sua recepção.

Moshê inclinou-se para o sogro e beijou-o.

Inferimos da maneira respeitosa como Moshê tratou Yitrô que a pessoa deve honrar os seus sogros.

Tsipora, que ouvia tudo que seu marido contava a Yitrô, lamentou não ter estado entre as mulheres para juntar-se a Miriam em seu cântico a Hashem depois do milagre no Mar Vermelho. Por isso Hashem prometeu que anos depois, a alma dela entraria no corpo de Devora, a profetisa, que entoaria um cântico de louvor a Hashem junto com todo povo de Israel após a vitória sobre os inimigos, na época dos Juizes (Shofetim).

Moshê conduziu Yitrô direto ao Bet Hamidrash (Casa de Estudos), onde descreveu, entusiasmado, os detalhes do Êxodo, da abertura do Mar e a milagrosa guerra contra Amalec. Esperava, através disso, atrair seu sogro à senda da Torá.

Moshê narrou a Yitrô: “Hashem nos deu o maná, Pão Celestial, que pode assumir o sabor de pão, carne ou peixe – pois contém todos os deliciosos sabores do mundo. Temos o Poço de Miriam, cujo líquido tem gosto de vinho antigo ou novo, leite ou mel; transforma-se em qualquer bebida gostosa que exista. Estamos a caminho de Êrets Yisrael, e Hashem nos prometeu a maior das recompensas: a Terra, o Olam Habá – Mundo Vindouro, a monarquia de David, a ressurreição dos mortos e doravante um mundo novo, kehuná e leviyá!”

Ao ouvir a detalhada narrativa dos grandes milagres que Hashem realizou, pôs imediatamente em prática a decisão de converter-se ao Judaísmo. Pegando uma faca afiada, fez circuncisão em si mesmo, e reconheceu Hashem como único Legislador e Soberano. Yitrô se regozijou de que Hashem houvesse salvado os judeus. Mas ao mesmo tempo, em seu coração Yitrô sentiu pena dos egípcios que se afogaram no mar.

“Baruch Hashem, Louvado seja D'us!” proclamou Yitrô, “O D'us que os redimiu do Egito, uma nação temível, e das mãos do Faraó, um rei cruel, e que os libertou da escravidão do Egito! É verdadeiramente miraculoso que uma nação de seiscentos mil homens pudesse cruzar as fronteiras egípcias, tão hermeticamente seladas que nem um único escravo jamais foi capaz de escapar.

Estudei todas as religiões do mundo, e rejeitei-as todas, por serem falsas; alcancei o entendimento de que Hashem é o verdadeiro D'us. Agora compreendo até com mais clareza que Hashem transcende todos os outros poderes, pois a praga da morte dos primogênitos destruiu todas as divindades egípcias. Ademais, Sua grandeza fica evidente do fato de que Ele ferveu os egípcios na mesma panela que usavam para ferver outros. Como tentaram destruir os bebês judeus afogando-os, Ele afogou os egípcios em retribuição.”

Yitrô ficou deveras impressionado pela maneira como Hashem pune com a mesma moeda (mida kenegued mida), que frusta a possibilidade de chance e acaso provando que a vida dos homens é realmente moldada pela Divina Providência.

Quando Yitrô, antigo sacerdote que pesquisara todos os cultos do mundo exclamou: “Agora sei que Hashem é maior que todos os outros poderes”, realizou o maior Kidush Hashem (santificação do Nome de Hashem) possível. As nações do mundo ouviram sobre isto, e abandonaram seus ídolos, reconhecendo a futilidade de servir a imagens.

O mesmo Yitrô que por muitos anos sacrificou oferendas aos deuses das nações agora oferecia corbanot (sacrifícios) a Hashem. Então sentou-se para fazer uma refeição com Aharon e os zekenim. Todos comeram juntos e se regozijaram com Yitrô por sua conversão ao Judaísmo e porque a partir desse dia cumpriria todas as mitsvot de Hashem. Moshê, contudo, não juntou-se a eles, mas permaneceu em pé, servindo a todos. Pois Moshê era o mais humilde de todos os homens da terra. Embora fosse o líder do povo de Israel, não se importava de servir a outros: ao contrário, sentia-se feliz de praticar chessed (bondade).

Aconteceu um milagre especial em honra a Yitrô – uma porção de maná desceu para ele durante a refeição. Isto demonstrava claramente que ele havia se tornado parte do povo judeu.

Yitrô aconselha a designação de juizes

Durante sua estadia no acampamento de Benê Yisrael, Yitrô observou como a rotina diária era diferente da de outras nações “civilizadas.” No deserto, Benê Yisrael não estavam empenhados na agricultura, indústria ou comércio, pois o maná que descia pela manhã fornecia alimento suficiente para o dia inteiro. As atividades domésticas e culinárias tampouco eram necessárias, pois o maná descia pronto para consumo, e as Nuvens da Glória lavavam e passavam suas roupas. Sua ocupação o dia inteiro era estudar Torá e cumprir mitsvot.

Todo dia Moshê se colocava no centro do acampamento para ensinar e julgar as pessoas que se reuniam à sua volta como se estivessem diante de um rei. Uma multidão se apinhava em torno de Moshê para escutá-lo. Levantavam diversas questões sobre assuntos legislativos da Torá, tentando entender melhor as mitsvot. Algumas pessoas o procuravam para ser julgadas, porque haviam brigado com alguém. Outras queriam pedir a Moshê que rezasse por uma pessoa enferma.

Como levava muito tempo a Moshê para escutar o pedido de cada um e resolver suas pendências, tinham que aguardá-lo por muitas horas. Moshê terminava muito tarde. No dia seguinte, estava de novo ocupado de manhã à noite. Embora Aharon e os anciãos se sentassem junto a Moshê, somente ele se ocupava pessoalmente dos problemas e das dúvidas que surgiam.

Quando Yitrô viu Moshê sentado e as pessoas em pé ao seu redor, perguntou-lhe: “Por que você permanece sentado enquanto as pessoas ficam em pé desde a manhã até a noite?” Moshê respondeu: “Não é em minha honra que o faço, mas em honra de Hashem. Todo aquele que tem um problema ou uma questão legal vem a mim e eu pronuncio uma sentença. Eu julgo os litígios e ensino ao povo como deve comportar-se.”

Yitrô exclamou: “O que você está fazendo não é bom!” (Sendo Yitrô um homem refinado, evitou a expressão “ruim”, e disse a Moshê apenas que a maneira como lidava com a situação “não era boa.”) Yitrô aconselhou-o: “A sobrecarga sobre você, Aharon e os zekenim é grande demais para suportar. Por causa do enorme esforço, vocês murcharão como uma folha murcha na árvore. Permita-me, portanto, aconselhá-lo, contanto que Hashem esteja de acordo! Continue a ser intermediário entre o povo e Hashem, instruir ao povo as palavras de Torá, e ensiná-los a praticar a bondade e como rezar. Todavia, não tome sobre si, e não atribua a Aharon e aos zekenim a total responsabilidade de responder à questões legais. Em vez disto, designe juizes sobre o povo. Os juizes decidirão todas as questões e contendas menores, e lhe trarão apenas os problemas mais importantes. Os juizes estão isentos de qualquer outra ocupação, para estarem sempre disponíveis ao povo.”

As qualidades requeridas de um líder

Yitrô afirmou que um homem deve possuir as seguintes características a fim de qualificar-se como juiz:

√ Ish chayil – deve ser bem versado em Torá, e deve ser rico (de forma que não precise adular ninguém, e não dê preferência a nenhum litigante). Deve possuir personalidade dinâmica, que sirva de inspiração para que outros façam o que é certo.

√ Yir’ê elokim – deve ser temente aos Céus, para que julgue verdadeiramente.

√ Ish emet – Deve ser um homem confiável, em cuja palavra o povo se apóia.

√ Son’ê betsa – Deve detestar o dinheiro. Não pode atribuir nenhuma importância ao seu próprio dinheiro, e certamente não ao dinheiro alheio. Não pode tender a aceitar subornos.

(Ao contrário dos líderes seculares, os líderes de Torá, através dos séculos, distinguiram-se por servir ao povo judeu sem serem remunerados. O exemplo foi estabelecido pelo nosso líder Moshê que, ao final da vida, declarou que nunca havia aceitado pagamento algum do povo. Mesmo quando viajou ao Egito para redimi-los, montou seu próprio burro, e não foi reembolsado pelas despesas da viagem. O profeta Shemuel, igualmente, antes de sua morte, conclamou a nação inteira a testemunhar que ele jamais aceitara o menor artigo de qualquer um deles. Ao viajar para julgar o povo, costumava carregar consigo sua própria tenda e alimentos.)

A sugestão de Yitrô é implementada e os juizes são nomeados

Yitrô disse a Moshê: “Escolha juizes com as qualidades que descrevi. Use o Espírito Divino que paira sobre você, assim não se enganará acerca de seu caráter. Indique juizes que serão responsáveis, cada um, por milhares de pessoas, de cem, de cinqüenta e de dez pessoas.”

Para 600.000 pessoas, haveria:

√ 600 juizes encarregados de milhares

√ 6.000 juizes encarregados de centenas

√ 12.000 encarregados de cinqüentenas

√ e 60.000 encarregados de dezenas.

Yitrô propôs designar, ao todo, 78.000 juizes.

“Se colocar em prática meu plano, então a Halachá (Lei) certamente será decidida como deve ser.” Moshê escutou o bom conselho de seu sogro. O rei Shelomô escreve, referindo-se a Moshê (Mishlê 12:15): “Aquele que aceita conselhos é sábio.”

“Seguirei tua sugestão e perguntarei a Hashem se devo designar muitos juizes para ajudar-me”, respondeu-lhe Moshê. Quando perguntou a Hashem, Ele aprovou a idéia de Yitrô, e Moshê a colocou em prática.

A estes homens escolhidos, Moshê disse: “Bem-aventurados são vocês por serem juizes dos filhos de Avraham, Yitschac e Yaacov. Bem-aventurados são vocês pelo privilégio de guiar os filhos de Hashem. Devem ser pacientes e cautelosos com todo caso que tiverem diante de si. A partir de agora vocês são servidores públicos. É uma função séria e distinta, que devem desempenhar com integridade.”

Por que Moshê nunca indicara juizes antes de Yitrô aconselhá-lo? Por que ele mesmo jamais havia pensado nesta solução aparentemente simples?

Na verdade, Moshê recebera um comando de Hashem para indicar juizes. Subseqüentemente, contudo, foi-lhe ocultado, a fim de que Yitrô tivesse o mérito de ter esta Parashá inscrita em seu nome.

Origiinalmente, o nome de Yitrô era “Yeter”. Mais tarde, o “vav” foi acrescentado ao seu nome, formando Yitrô, tanto para indicar que tornou-se judeu, quanto para indicar que o relato da nomeação dos juizes foi acrescida à Torá em seu nome.

(Sob diversas instâncias a Torá acrescenta uma letra ao nome de alguém, como sinal de que a pessoa adquiriu grandeza. Por exemplo, uma letra foi acrescida aos nomes de Avram e Sarai, modificando-os para Avraham e Sara, quando adquiriram maiores alturas espirituais. Similarmente, o discípulo de Moshê, Hoshea, recebeu uma letra adicional precedendo seu nome, transformando-o em Yehoshua.)

Yitrô viveu no acampamento de Benê Yisrael por quase um ano, enquanto permaneceram aos pés do Monte Sinai. Porém quando se preparavam para viajar para Êrets Yisrael, Yitrô recusou-se a acompanhá-los adiante, dizendo a Moshê: “Permita-me retornar ao meu país, a fim de difundir a verdade lá, e trazer as pessoas para sob as asas da Shechiná.”

Moshê então despediu-se de seu sogro com grande honra e belos presentes.