“E o homem tomou um anel de ouro, pesando meio-shekel; e dois braceletes com dez shekels em ouro para as mãos dela.”
Bereshit 24:22

“Meio-shekel – para aludir aos shekalim ofertados pelo povo de Israel, meio-shekel por cabeça.”
Rashi, ibid.

O primeiro casamento sobre o qual lemos na Torá é o de Adam e Eva. O casamento deles, é óbvio, foi totalmente arranjado no Céu: o próprio D’us criou a noiva, perfumou-a e enfeitou-a com joias, apresentando-a ao noivo. O primeiro exemplo no qual a Torá relata a história de um casamento conseguido pelo esforço humano está no capítulo que descreve a procura de uma noiva para Yitschac. Aqui são detalhados os trabalhos de um shiduch convencional: um casamenteiro (o servo de Avraham, Eliezer), uma investigação sobre a família da noiva em perspectiva, o dote, o encontro inicial entre a noiva e o noivo e assim por diante.

A Torá, que muitas vezes transmite leis complexas por meio de uma única palavra ou letra, devota nada menos que 67 versículos ao casamento de Yitschac e Rivca. Muitos dos detalhes são relatados duas vezes – primeiro na narrativa da ocorrência, e uma segunda vez na conversa de Eliezer com os pais de Rivca. Aqui estamos sendo apresentados a um protótipo para orientar nossa própria abordagem ao casamento – tanto no sentido convencional como união de dois seres humanos, quanto no sentido cósmico como o relacionamento entre D’us e o homem.

A Metade de Vinte

Um dos detalhes que a Torá inclui em sua narrativa é o fato de que um anel, com peso equivalente a meio-shekel, foi um dos presentes que Eliezer ofereceu a Rivca quando a encontrou no poço, na cidade de Rivca, em Aram Naharayim.

“Cada homem dará o resgate de sua alma a D’us… Isso eles darão: … um meio-shekel [será dado] como uma oferenda a D’us… O homem rico não dará mais, e o pobre não dará menos, que o meio-shekel…”

Por que metade de um shekel? Maimônides escreve, como uma regra: “Tudo que é pelo mérito de D’us deve ser o melhor e mais bonito. Quando alguém constrói uma casa de orações, deve ser mais bonita que sua habitação. Quando alguém alimenta o faminto, deve oferecer-lhe do que há de melhor e mais saboroso em sua mesa… Sempre que alguém designa alguma coisa para um propósito sagrado, ele deve santificar o melhor de suas posses; pois está escrito: ‘O mais refinado será para D’us’.

Assim, em muitos casos, a Lei da Torá determina que o objeto de uma mitsvá (mandamento Divino) seja tamim, integral; um animal defeituoso não pode ser levado como oferenda a D’us, nem um etrog com defeito pode ser incluído nas Quatro Espécies levadas para a Festa de Sucot. Mesmo quando isso não é uma exigência absoluta, a lei declara que, sempre que possível, a pessoa deve se esforçar para cumprir uma mitsvá com um objeto integral. Por exemplo, é preferível recitar uma bênção sobre uma fruta inteira, ou um pão inteiro, que com uma fatia (daí nosso uso de dois pães em todas as refeições festivas e do Shabat).

Por que, então, a Torá instruiu que cada judeu contribua com meio-shekel para a construção de uma morada para D’us no acampamento israelita?

A referência repetida da Torá a essa contribuição como “meio-shekel” é ainda mais intrigante pelo fato de que nesses mesmos versículos a Torá acha necessário esclarecer que um shekel consiste de vinte guerá. Em outras palavras, a quantia que cada judeu oferecia como resgate de sua alma era dez guerot. Dez é um número que denota plenitude e perfeição: a Torá inteira está encerrada nos Dez Mandamentos; o mundo foi criado com dez Divinos pronunciamentos; D’us relaciona-Se com Sua criação via dez sefirot (atributos Divinos), e a alma do homem, formada à imagem de D’us, também compreende dez poderes. Porém em vez de instruir para dar dez guerot, a Torá diz para oferecer metade de um shekel de vinte guerot, deliberadamente evitando mencionar o número dez e enfatizando o elemento “metade” de nossa contribuição para a morada Divina em nosso meio.

Separados ao Nascer

Pois assim é a essência do casamento. Se cada parceiro aborda o casamento com um senso de seu próprio ser como uma entidade completa, eles irão, na melhor das hipóteses, conseguir apenas um “relacionamento” entre duas vidas distintas e auto-suficientes. Porém, o casamento é muito mais que isso. Os cabalistas explicam que marido e mulher são os aspectos masculino e feminino de uma única alma, nascida em dois corpos diferentes; durante muitos anos eles vivem vidas separadas, com frequência a uma grande distância um do outro e totalmente alheios à existência do outro. Porém, a Divina Providência conspira para aproximá-los novamente sob a canópia nupcial e proporcionar-lhes a oportunidade de se tornarem novamente um só: não apenas um em essência, mas também um em todos os níveis – em seus pensamentos e sentimentos conscientes e na sua vida física.

O casamento, assim, é mais que a união de dois indivíduos. É a reunião de uma alma partida ao meio, a fusão de duas vidas, que originalmente eram somente uma.

Para vivenciar essa reunião, cada um deve abordar a vida juntos não como um dez, mas como uma metade. Esse meio-shekel consiste de dez guerot – cada qual deve dar o melhor de si ao casamento, devotando todos os recursos e potenciais que possui. Mas cada um deve considerar-se não como um ser completo, mas como um parceiro – uma parte procurando sua outra parte para torná-la completa novamente.

O Santuário

O anel de meio-shekel dado a Rivca para o seu casamento com Yitschac foi o precursor do meio-shekel ofertado pelos judeus para a construção do Santuário, o lar conjugal no casamento entre D’us e o homem.

A alma do homem é “uma parte do D’us acima” – uma parte que desceu a um mundo cujo materialismo e aspecto mundano conspiram para distanciá-lo de sua fonte celestial. Portanto, até uma alma que esteja na completa posse de seus dez poderes ainda é apenas uma parte. E mesmo quando D’us manifesta plenamente os dez atributos de Seu envolvimento com Sua criação, Ele ainda está apenas parcialmente presente em nosso mundo. É somente quando estas duas partes se unem em casamento que sua integridade e plenitude originais são restauradas.

Portanto, para construir um lar para D’us na terra, devemos contribuir com metade de um shekel de 20 guerot. Devemos nos doar totalmente a Ele, devotando todo o espectro de nossos dez poderes e potenciais ao nosso casamento com Ele. Mas mesmo quando atingimos o máximo em auto-realização em nosso relacionamento com D’us, devemos ser permeados com um senso de sermos apenas metade – com o reconhecimento e apreciação de que nós, como Ele, somos incompletos um sem o outro.