À primeira vista, o conteúdo da Parashá Nitzavim parece idêntico àquele da parashá precedente. Embora essa parashá tenha menos maldições e talvez menos bênçãos que a Parashá Ki Tavo, repete os mesmos elementos essenciais. Mesmo assim, a diferença no estilo pode ser discernida, uma diferença que torna a Parashá Nitzavim a mais apropriada para ler antes de Rosh Hashaná.

Em Ki Tavo, as bênçãos e maldições ficam opostas umas às outras e criam um tom sombrio, uma sensação de que não há como sair. Em contraste, em Nitzavim há um certo otimismo que não existe em Ki Tavo. A Parashá Nitzavim fala de teshuvá, transmitindo a mensagem de que nem tudo está perdido, e que há uma maneira de acertar as coisas. Tem um tom de esperança que diz que há uma saída do desgosto, e essa esperança muda o tom da parashá inteira.

As maldições em Ki Tavo concluem com a seguinte descrição:
“D'us vai trazer você de volta ao Egito em navios, pela maneira que eu disse você jamais veria novamente. Ali vocês vão se oferecer para venda aos seus inimigos como escravos e criadas, mas não haverá comprador.”1

Em NItzavim a conclusão é bem diferente:
“Quando todas essas coisas tiverem se abatido sobre você – a bênção e a maldição… e você refletir sobre elas… e você vai retornar a D'us teu Senhor e obedecer a Ele.”2

A Parashá Ki Tavo pode ser resumida assim:
“Se você fizer o que é bom, vai prosperar; mas se não fizer, vai sofrer.”

Nessa parashá, também, há uma conexão semelhante entre “vida e bem, morte e mal.”3 Mas aqui, há também a maneira de teshuvá:
“E você vai refletir… e vai retornar a D'us teu Senhor.”4

A diferença entre as duas parashot é o fator de teshuvá.

Qual é a essência da teshuvá?

O fato é que as pessoas às vezes tomam decisões erradas, e essas decisões com frequência levam ao sofrimento. Por exemplo, alguém poderia se encontrar numa situação difícil, e poderia decidir a si mesmo e sua família dos problemas pulando do telhado. Esse tipo de história ocorre; infelizmente é parte da nossa realidade. Mas o que acontece se, a caminho do chão, quando ele atinge o quinto andar, decide que não devia tomar essa atitude? O problema é que ele já caiu; cometeu um ato irreversível. Da mesma forma, alguém poderia pensar que quando uma pessoa comete um pecado, isso deveria ser como a pessoa que saltou do telhado. O remorso num caso desses é inútil. Mas devido à existência da teshuvá, um ato pode se tornar reversível; há uma maneira de parar no meio de uma queda e fazer o relógio voltar para trás.

O Midrash relata o seguinte:

A sabedoria foi indagada:
“Qual deveria ser o castigo do pecador?”

A sabedoria respondeu:
“O mal persegue pecadores.”5

A profecia foi indagada:
“Qual deveria ser o castigo do pecador?”

A profecia respondeu:
“A alma que peca deverá morrer.”6

A Torá foi indagada:
“Qual deveria ser o castigo do pecador?”

A Torá respondeu:
“Que ele traga uma oferenda de culpa, e seu pecado será perdoado.”

O Eterno, bendito seja, foi indagado:
“Qual deveria ser o castigo do pecador?”

Ele respondeu:
“Deixe que ele faça teshuvá, e seu pecado será perdoado.”7

O castigo de morte para um pecador não é excessivo. Aquele que peca é, pelas leis da natureza, como alguém que ingere veneno. Porém, a inovação da teshuvá está na possibilidade de reverter essa realidade.

Escolha a Vida

A Parashá Nitzavim contém, além do elemento de teshuvá, um elemento adicional que também não é encontrado na parashá precedente: o elemento da persuasão.

A Parashá Ki Tavo estabelece os fatos, como um médico faz:”Se você seguir minhas instruções, viverá mais três meses, Se não fizer isso, as consequências serão diferentes.”

Na Parashá NItzavim, porém, encontramos, mais de uma vez, persuasão para escolher uma opção acima da outra: “Chamo céu e terra para testemunhar contra você neste dia: Coloquei perante você vida e morte… escolha a vida!”8

Quando Moshe diz ao povo de Israel que as opções são vida e morte, ele está apenas declarando os fatos. Mas então ele acrescenta, como bom conselho: “Escolha a vida, para que possa viver.”

Moshe diz que o povo já sabe as consequências que cada caminho vai trazer, e a escolha entre os dois deve ser feita. Mesmo assim, seu conselho é escolher a vida. Na verdade, nossos sábios enfatizaram que após Moshe mostrar a eles o que é o caminho da bênção, e o que é o caminho da maldição, e colocar as duas opções uma contra a outra, ele pede a eles para escolher o bom caminho.9

O mesmo ponto é encontrado também no caso de Yehoshua. Yehoshua é servo de Moshe, e a certo ponto ele é também seu complemento. Moshe e Yehoshua são frequentemente considerados como uma unidade, partilhando uma divisão de trabalho. Há muitas coisas que Moshe inicia e Yehoshua termina, que Moshe cria e Yehoshua estabelece. Como uma continuação das palavras de Moshe, Yehoshua, ao final de sua vida, sugere ao povo de Israel: “D'us tirou vocês do Egito, deu a vocês a Torá, e trouxe vocês à Terra, e vocês atingiram um estado de repouso e segurança. Agora, a decisão está em suas mãos: se quiserem, sirvam a D'us; se abominam servir a D'us, ‘Eu e minha família serviremos a D'us.’”110

A Decisão

A Torá fala sobre escolher o bem, e nos aconselha a escolher a vida. Porém, quando a pessoa deve implementar a escolha na realidade, não está sempre claro qual caminho escolher; distinguir a bênção da maldição nem sempre é simples. Se a realidade fosse clara para nós, não iríamos cometer tantos erros.

Às vezes a pessoa toma uma decisão baseada em sua percepção da realidade, e depois – mesmo se ficar claro que a decisão foi tomada com base em presunções erradas – ele não pode mais se livrar da decisão que tomou. Escolhe que aquilo que pensa é uma bênção, e termina ficando totalmente subserviente a ela, embora já tenha se tornado uma maldição para ele.

Em outros exemplos, a questão sobre se algo é uma bênção ou uma maldição é completamente subjetiva. Para uma pessoa pode ser uma maldição, mas para outra poderia ser uma bênção. Poderia ser que agora é uma maldição, mas em outro tempo será uma bênção.

Em todas essas questões, a perspectiva da pessoa com frequência é o fator decisivo.

O Talmud relata

De Nachum Ish Gamzu que não importa o que se abatesse sobre ele, sempre declarava: “Isso, também (Gam zu) é para o melhor.” Mesmo quando ele ficou sem mãos e pernas, continuava a dizer: “Isso, também, é para o melhor.”11

Alguém pode levar uma vida perfeita, e mesmo assim sua vida inteira poderia ser como uma maldição, dependendo da sua perspectiva. Assim, a escolha entre bênção e maldição é parcialmente subjetiva: Como alguém considera os eventos que ocorrem na sua vida?

É comum abençoar alguém para que ele tenha filhos tementes a D'us que se tornarão grandes sábios. Porém, a natureza dessa bênção depende da perspectiva do seu recipiente. Alguns iriam comemorar ao receber essa bênção e iriam responder: “O mesmo para você!” Outros – especialmente aqueles que não são indivíduos tementes a D'us – poderiam se tornar aborrecidos ao receber essa bênção, considerando-a como uma terrível maldição.

Quando alguém encontra algo dessa natureza, deve olhar para isso, examinar bem, e considerar o que poderia resultar daqui. Ocorre com frequência que é o indivíduo quem decide se é uma bênção ou uma maldição; não é uma questão de conhecer o futuro. Se alguém decide aceitar algo como uma maldição, aquilo somente vai ficar pior, porém se alguém decide aceitar como uma bênção, vai preencher aquela percepção inicial.

Houve certa vez um capitão que, numa viagem, viu vários caroços flutuando perto do navio. Ele os tirou para fora da água, mas eles encheram o navio inteiro, então ele os atirou de volta na água. O que ele não sabia era que esses caroços eram na verdade âmbar, uma substância incrivelmente rara e valiosa secretada por baleias que é usada em alguns perfumes. Quando alguém possui um caroço assim sabendo que é uma bênção, significa que a pessoa foi afortunada o suficiente para ganhar um grande tesouro. Mas se alguém não sabe o que são, parece sem valor. A pessoa o atira de volta ao oceano e está feliz por se livrar dele.

Esse é um ponto muito importante sobre a Torá também, pois a Torá inteira pode ser considerada uma bênção ou uma maldição. Temos 613 mitsvot; esse poderia parecer um número enorme – quem pode cumprir tantas exigências? Essa perspectiva transforma a Torá inteira numa maldição. Porém, uma perspectiva alternativa é encontrada na Mishná: “O Eterno, bendito seja Ele, queria dar mérito a Israel; portanto Ele lhes deu uma grande quantidade na Torá de mitsvot.”12

A identidade judaica é uma fonte de júbilo e orgulho, ou uma fonte de vergonha e desgraça da qual a pessoa tenta se livrar?

O brilhante poeta e apóstata Heinrich Heine disse: “Judaísmo não é uma religião; é uma maldição.” Quando alguém sabe que nunca ficará livre de seu Judaísmo, ele às vezes sente isso como uma terrível maldição que estraga sua vida inteira. Aos seus próprios olhos, ele nasceu com um defeito genético. Em contraste, o Maguid de Kozhnitz dizia: “Se eu tivesse certeza de que descendi definitivamente de Avraham, Yitschac e Yaacov, colocaria meu chapéu de lado e faria a dança cossaca na rua, por ter esse mérito.”

Bênção e maldição não existem necessariamente em dois mundos separados; às vezes estão no mesmo lugar. O Talmud declara que os tsadikim no Gan Éden sentam e apreciam o esplendor da Shechiná, Presença Divina,13 No Gan Éden, não há comida ou bebida, somente apreciação da Torá. Há pessoas que merecem ser enviadas ao Guehinom, mas deveriam realmente ser enviadas ao Gan Éden. Para algumas pessoas, uma eternidade de constante estudo de Torá seria a maior forma de tortura.

Escolher a vida é ver as coisas pela perspectiva correta, escolher o aspecto bom de tudo. Não é apenas a questão de ser ou não um judeu, se cumprir ou não as mitsvot. A pessoa pode decidir ser um bom judeu e ainda perceber o Judaísmo como uma espécie de maldição. Contra a vontade a pessoa vive, contra a vontade a pessoa morre, e contra a vontade é um judeu. Não há nada pior que perceber a Torá como um fardo herdado, porque não há absolutamente nada que possa fazer sobre isso.

A distinção é enfatizada pelo Ari em sua interpretação da passagem: “Todas essas maldições cairão sobre você, perseguem você, e dominarão você… em vez de (tachat) servir ao Eterno teu D'us com júbilo e alegria pela abundância de todas as coisas. Você irá portanto servir aos seus inimigos.”14 A explicação simples da passagem – como vemos em Targum Onkelos – é: Em vez de servir a D'us com júbilo, você não cumpriu as mitsvot, e portanto todas essas maldições cairão sobre você e dominarão você.

O Arizal, no entanto, explicava que a palavra tachat na verdade seria traduzida como “porque”. Isso é dizer, porque você não serviu a D'us com júbilo, “você irá servir aos seus inimigos.” Castigo vem não porque você não serviu a D'us, mas porque não serviu a Ele com júbilo e com alegria; vem porque você aceitou a Torá como um castigo e como uma maldição.

“Escolha a vida”, portanto, relata não apenas a escolha em si, mas também a maneira pela qual a pessoa escolhe.

“Como É Grande a Sua Bondade”

Há boas coisas na vida cuja excelência pode ser transmitida a outros por explicação, e há coisas que a pessoa pode aprender apenas diretamente, através de experiência pessoal. Quando alguém é capaz de ver a bondade de D'us – “Quão grande é Tua bondade que Te escondestes daqueles que temem a Ti”15 – é uma experiência pessoal que não pode ser ensinada ou comunicada a outros.

Todo Shabat, recitamos um versículo semelhante: “Prova e vê que D'us é bom.”16

Gosto, não pode ser recebido de outros. Para perceber isso, a pessoa deve provar por si mesma. Este é um ponto fundamental dentro da experiência judaica. Embora a pessoa que tenha experimentado o deleite da Torá possa esquecer parte de seu estudo, jamais pode esquecer o prazer, o sabor, e a sensação daquela experiência.

Há certos sabores que todo mundo pode reconhecer; uma criança geralmente não precisa ser persuadida a comer balas. Mas há algumas coisas que exigem sofisticação para apreciar. Uma criança deve amadurecer para saber apreciar o sabor de um prato salgado. Isso não é porque o prato é salgado. Mas sim, o gosto muda, e para apreciar determinados sabores, a pessoa primeiro deve crescer um pouco.

Similarmente, poucas pessoas sabem apreciar música complexa. Todos, exceto talvez uma pessoa surda, podem ouvir e apreciar uma melodia simples. Mas para apreciar música mais elaborada, como uma sinfonia, a pessoa deve primeiro aprender a entendê-la. Pode ser que depois da pessoa aprender a apreciar esse tipo de música, ela não será mais capaz de ouvir música simples, passará a ser mais exigente. Isso é verdade não apenas sobre coisas abstratas como a música; é verdade também sobre bom vinho e muitas outras coisas na vida.

Quando a Torá diz que temos perante nós “vida e bem”, às vezes uma casca deve ser removida para revelar o bem. Às vezes a pessoa deve mastigar bastante antes que o sabor delicioso possa ser sentido. Às vezes a pessoa deve educar a si mesma, e muitos anos devem passar até que possa discernir o que é realmente bom. Coisas que são obviamente boas são facilmente percebidas, mas para perceber as coisas que são realmente boas, a pessoa deve desenvolver esse talento no decorrer do tempo.

“Escolha a Vida”: Para entrar no assunto, absorvê-lo, ganhar um entendimento mais profundo dele, a pessoa deverá fazer um grande esforço, um esforço para experimentar o sabor espiritual da vida.