Yom Kipur é o dia mais sagrado do calendário judaico, até mesmo do que o Shabat.

É o dia em que o Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote, o homem mais sagrado do mundo, entrava no lugar mais sagrado da Terra (o Codesh HaCodashim) no Templo Sagrado; localizado na montanha sagrada na cidade sagrada de Jerusalém, capital da Terra Sagrada.

O que realmente quer dizer ‘Sagrado’? Como pode um dia ou uma cidade serem sagrados?

Além disso, no final de Yom Kipur é costume tocar o Shofar com um toque longo.

Mas o que isso tem a ver com santidade?

Para entender aqui está uma história que escutei do Rabino Shabtai Slavatiski, o Sheliach (emissário) do Rebe na Antuérpia – Bélgica.

Um Rabino Chabad liderava uma grande congregação onde a maior parte era composta de sobreviventes do Holocausto. Cada membro, certamente, tinha suas próprias memórias e traumas, mas todos tinham aprendido a lidar com isso. Ao menos era o que parecia.

Um deles era o Sr. Goldvasser (nome fictício). Ele parecia ser uma pessoa normal; um bom homem de negócios com um senso de humor saudável, um coração generoso e uma mente aguçada. Mas ele tinha uma idiossincrasia; ele nunca ficava na sinagoga para a Bircat Cohanim durante as festas judaicas. (Os Cohanim são descendentes diretos dos Sacerdotes desde a época do Templo Sagrado e são ordenados a abençoar a congregação com uma bênção de quinze palavras. Fora de Israel essa bênção é realizada somente três vezes ao ano; durante a oração de Mussaf nas manhãs das festas.)

O Rabino ficava sempre apreensivo sem saber se poderia perguntar ao Sr. Goldvasser qual era a explicação para essa ausência constante, mas sua curiosidade tornou-se tão grande que finalmente teve um plano para descobrir. Ele o chamou para sua casa para uma refeição e depois de se alimentarem bem e cantarem algumas canções com alguns brindes (LeChaim) finalmente tomou coragem e perguntou.

“Diga-me, Sr. Goldvasser. Percebi que o Sr. não permanece na sinagoga para a Bircat Cohanim. Existe alguma razão? Tem algo de errado? O senhor não precisa falar sobre isso se não quiser. Eu estava apenas preocupado pensando…”

O Sr. Goldvasser permaneceu em silêncio e seus olhos se encheram de lágrimas enquanto parecia relembrar de algo do passado.

“Bem Rabino,” ele começou a falar depois de alguns minutos, “vou lhe relatar o que aconteceu...

Eu estive em Auschwitz. Não tem explicação o que aconteceu lá, acho até que muitos não desejam relembrar por tudo o que passaram naquele inferno. Lá havia uma pessoa que chamávamos de “O Rabino”. Ninguém sabia o seu nome, mas ele era diferente de todos nós. Tenho certeza que ele perdeu todos os seus familiares e tudo que possuía, assim como cada um de nós que esteve lá, mas ele nunca demonstrava tristeza. Não só isso, ele ainda costumava levantar a moral de todos nós.

Se ele encontrava alguém deprimido ele falava palavras de consolo e otimismo. Toda vez que alguém desejava desabafar, ele escutava. Ele podia ficar ali ouvindo para sempre. Ele sempre tinha um ombro amigo no qual todos nós podíamos nos apoiar para chorar ou abraçar quando estávamos com o coração partido. Ele tinha até piadas para ajudar a quebrar nossa tristeza e devolver nosso riso.

De qualquer forma, quando Pessach estava se aproximando, ele anunciou que estava pensando em uma maneira de conseguir matsot.

Matsot! Todos estavam pensando que poderiam cair mortos e ele nos fazia pensar em matsot… E funcionou. Finalmente um de nós notou umas migalhas de matsot no caminho para onde nos levavam para trabalhar!

Levou alguns dias até que alguém descobriu que um dos prisioneiros tinha o trabalho de limpar a casa de um dos oficiais nazistas e, quando este alemão não estava em casa, esse judeu arriscava a sua vida e fazia uma matsá para si mesmo. Se ele fosse pego seria morto na hora. De qualquer modo, algumas migalhas devem ter caído no caminho perto da estrada e desse modo descobrimos. Foi um verdadeiro milagre.

O Rabino falou com esse rapaz e a primeira resposta foi que era impossível; muito perigoso. Mas finalmente ele concordou e de algum modo conseguiu fazer duas matsot. Outro milagre.

Não importava que éramos cerca de oitocentos homens naquele alojamento. O senhor ouviu? Oitocentos homens! Mas estávamos todos felizes quando o Rabino nos acordou à meia-noite e nos mostrou essa matsot.

Ele as quebrou em pedaços e nos entregou, então cada um de nós quebrou em pedaços menores até que cada um tinha um pedaço para si.

Todos seguraram seu pedaço na mão enquanto o Rabino recitava o que lembrava da Hagadá de Pessach de cor e então repetíamos depois dele. Finalmente ele recitou a bênção da matsá e comeu seu pedaço, e assim também o fizemos. Cada um comeu seu pedaço de matsá. No começo estávamos quietos. Susurrávamos para que aquelas facínoras alemães não nos ouvissem, mas depois de alguns minutos acho que esquecemos onde estávamos.

Então o Rabino falou assim: “Escutem Judeus! Escutem meus amigos e irmãos. Acabamos de sair do Egito! Vejam! Ninguém pode quebrar nosso espírito! Ninguém! Somos livres!! E começou a cantar uma canção. E dançou. Ele dançou!! E todos nós dançamos.

Lá nos encontrávamos, com todo tipo de judeu. Muitos deles eram ateus, mas todos dançaram. Naquela noite todos dançamos. Sentimo-nos livres!

Mas então aderrubaram a porta com violência e um oficial nazista apareceu com alguns guardas atrás dele que pareciam cães ensandecidos.”

“O que é isso!?” Ele gritou, vermelho de raiva. ‘CANTANDO?’ Ele gritou ainda mais alto. “Em Auschwitz se chora, não se canta!”

Ele sacou uma pistola, colocou na cabeça de um dos prisioneiros e falou, “Diga quem é o responsável ou te matarei. Matarei vocês todos um por um! Quem é o responsável por isso?!”

Todos nós sabíamos que isso aconteceria. O Rabino deu um passo adiante e falou em voz alta e calma. ‘Sou eu. Eu sou o responsável. Você pode me matar.’

O oficial fez sinal para os soldados agarrarem o Rabino, baixou a pistola e falou, “Você não morrerá tão rapidamente, judeu. Você morrerá amanhã, enforcado em praça pública.”

Eles levaram o Rabino embora e bem cedo na manhã seguinte, antes da aurora, nos acordaram, fizeram o campo inteiro permanecer em pé no pátio. Estavam lá vários milhares de prisioneiros e guardas nazistas estavam espalhados com armas apontadas contra nós. No meio do palco montado estavam dois guardas enormes da Gestapo e o Rabino entre eles.

O oficial estava todo empinado com suas mãos para trás e o peito para frente. Ele gritou: ‘Agora, judeus, vocês verão o que acontece com alguém que dança em Auschwitz. Todos assistirão! Vocês estão entendendo?! Todos! Qualquer um que for pego sem estar assistindo será morto instantaneamente. No mesmo instante!”

Mas enquanto eles estavam colocando a corda em volta do pescoço do Rabino ele se virou para o oficial e falou numa voz alta e clara para todos ouvirem:

“Sendo um homem prestes a morrer, solicito fazer um último pedido! Será que um homem que está para ser morto não tem o direito ao seu último pedido? Onde está sua honra?’

O comandante hesitou, sorriu como se estivesse se divertindo e zombou:

“Último desejo? Está bem judeu... qual é o seu último desejo?”

“Sou um Cohen,” ele respondeu. “E quero abençoar a multidão aqui presente.”

“Abençoar? Hmm! E quanto tempo isso levará?”

“Levará apenas meio minuto, talvez menos,” ele respondeu.

O oficial olhou para o soldado com a corda em suas mãos, fez um gesto para ele esperar, olhou para o relógio no seu pulso e disse.

“Você tem trinta segundos!”

A voz do Rabino tornou-se clara e pura como a de uma criança. Ele permaneceu de pé com orgulho e dignidade, fechou seus olhos, levantou suas mãos, abriu seus dedos e as quinze palavras da bênção ecoou como uma voz vinda dos céus.

'Yevarechecha, HaShem, Veyishmerecha…,’ Todos nós explodimos num choro convulsivo como bebês e quando ele terminou... foi o fim.

“Essa bênção foi o que me manteve vivo em Auschwitz, pelo resto da guerra e até esse exato momento. Ela ecoa nos meus ouvidos quando não há esperança, e brilha na escuridão quando estou perdido. Nunca mais desejo escutar outra bênção de um Cohen. Jamais irei esquecer essa bênção pura de nosso rabino. É por isso que não permaneço dentro da sinagoga.”

Isso é o que ‘Sagrado’ significa. É uma outra palavra para Divindade; a fonte da vida e da alegria, acima das limitações. Significa estar próximo da fonte, da origem da vida. Acima e além da morte, do pecado e da tristeza. Algo como a bênção do Rabino da nossa história - fora dos limites do tempo.

O som do shofar que ecoa no final de Yom Kipur é como a voz dos céus desse relato, é a voz da essência de D’us. Voz da Alegria, esperança, significado e bênção que guiará os perdidos, e dará suporte àqueles que tropeçam, e é o mesmo som celestial que reviverá os mortos.