Deveria ter sido o grande dia de celebração. A construção do Tabernáculo, a primeira casa coletiva de adoração em Israel, foi completada. Todos os preparativos tinham sido feitos. Durante sete dias, Moshê tinha realizado a inauguração. Agora, o oitavo dia, o primeiro de Nissan, tinha chegado. Os Sacerdotes, liderados por Aharon, estavam prestes a começar seu serviço.

Foi então que a tragédia ocorreu. Dois dos filhos de Aaron, Nadav e Avihu, levaram “fogo estranho”, que [D'us] não tinha ordenado a eles.” O fogo “brotou do Senhor” e eles morreram. Ali então ocorrem duas cenas entre Moshê e Aharon.

A primeira: Moshê então disse a Aharon: “Isso é o que o Senhor falou a respeito quando Ele disse: ‘Dentre aqueles que estão perto de Mim irei mostrar-Me sagrado; à vista de todo o povo serei honrado.’” Aharon permaneceu em silêncio. (Vayicrá10:3)

Moshê então ordenou que os corpos fossem removidos, e proibiu Aharon e seus filhos remanescentes de se engajarem em rituais de luto. Deu mais instruções a eles para impedir que tais tragédias ocorressem no futuro, e então foi conferir se os sacrifícios do dia tinham sido feitos. Ele descobriu que Aharon e seus filhos tinham queimado a oferenda do pecado, em vez de comê-la como prescrito:

Quando Moshê perguntou sobre a meta da oferenda do pecado e descobriu que tinha sido queimada, ficou furioso com Eleazar e Itamar, os filhos remanescentes de Aharon, e perguntou: “Por que não comeram a oferenda do pecado na área do Santuário? É mais sagrado; foi dada a vocês para apagar a culpa da comunidade por fazer expiação por eles perante o Senhor. Como seu sangue não foi levado ao Local Sagrado, vocês deveriam ter comido na área do Santuário, como Eu ordenei.”

Aharon respondeu a Moshê: “Hoje eles sacrificaram sua oferenda do pecado e sua oferenda queimada perante o Eterno, mas coisas como essas têm acontecido a mim. O Eterno teria se agradado se eu tivesse comido a oferenda do pecado hoje?”

Quando Moshê escutou isso, aprovou. (Vayicrá 10:16-20). Sem entrar em detalhes dessas conversas, sua psicologia é fascinante. Moshê tenta confortar seu irmão, que tinha perdido dois de seus filhos. Conta a ele que D'us disse “Entre aqueles que estão perto de Mim, mostrarei a Mim mesmo sagrado.”

Segundo Rashi, ele disse: “Agora vejo que eles [Nadav e Avihu] eram maiores que você e eu.” Quanto mais sagrada a pessoa, mais D'us exige dela. É como se Moshê tivesse dito a Aharon: “Meu irmão, não desista agora. Chegamos tão longe. Subimos tão alto. Sei que seu coração está partido. O meu também. Não pensamos – você e eu – que nossos problemas estavam atrás de nós, que depois de tudo que sofremos no Egito, e no Mar Vermelho, e na batalha contra Amalek, e no pecado do Bezerro de Ouro, finalmente estávamos salvos e livres? E agora isso aconteceu. Aharon, não desista, não perca a fé, não se desespere. Seus filhos morreram não porque eram maus, mas porque eram sagrados. Embora a ação deles fosse errada, suas intenções eram boas. Eles apenas tentaram demais.”

Mas apesar das palavras de consolo de Moshê, “Aharon ficou calado,” perdido num sofrimento grande demais para ter palavras..

Na segunda conversa, Moshê está preocupado com algo mais – a comunidade, cujos pecados deveriam ter sido expiados pela oferenda do pecado. É como se ele tivesse dito a Aharon: “Meu irmão, sei que você está de luto. Mas você não é uma simples pessoa, e só. Você é também o Sumo Sacerdote. As pessoas precisam de você para realizar seus deveres, quaisquer que sejam seus sentimentos interiores.”

Aharon responde: “O Eterno teria gostado se eu tivesse comido a oferenda do pecado hoje?”

Podemos apenas tentar adivinhar a importância exata dessas palavras. Talvez elas signifiquem isso: “Sei que em geral, um Sumo Sacerdote é proibido de se enlutar como se fosse um indivíduo comum. Esta é a lei, e eu a aceito. Mas se eu tivesse agido nesse dia inaugural como se nada tivesse acontecido, como se meus filhos não tivessem morrido, isso não iria parecer às pessoas como se eu fosse desprovido de coração, como se a vida e a morte humana nada significassem, como se o serviço de D'us significasse uma renúncia da minha humanidade?”

Dessa vez, Moshê permanece em silêncio. Aharon está certo, e Moshê sabe disso.

Nessa conversa entre dois irmãos, uma coragem especial nasce: a coragem de um Aharon que tem a força de lamentar e não aceitar qualquer consolo fácil, e a coragem de um Moshê que tem a força de seguir em frente, apesar do sofrimento. É quase como se estivéssemos presentes no nascimento de uma configuração emocional que vai caracterizar o povo judeu nos próximos séculos. Os judeus são um povo que teve mais do que sua cota de sofrimento. Como Aharon, eles não perderam sua humanidade. Eles não permitiram que seu senso de sofrimento fosse diminuído, amortecido, anulado. Mas também não perderam sua capacidade de continuar. A seguir em frente, até a esperança. Como Moshê, nunca perdem a fé em D'us. Mas como Aharon, eles nunca permitiram que a fé anestesiasse seus sentimentos, sua vulnerabilidade humana.

Isto, me parece, é o que aconteceu ao povo judeu após o Holocausto. Não houve, e não há, palavras para silenciar o sofrimento ou acabar com as lágrimas.

Podemos dizer – como Moshê disse a Aharon – que as vítimas eram inocentes, sagradas, que elas morreram al kidush Hashem, “em santificação do nome de D'us.” Certamente isso é verdade. Porém mesmo assim, “Aharon permaneceu em silêncio.”

Quando todas as explicações e consolações forem dadas, a dor continua, sem amainar. Não seríamos seres humanos se fosse de outra forma. Essa, certamente, é a mensagem do Livro de Job. Os confortadores de Job eram piedosos em suas intenções, mas D'us preferiu a dor de Job à justificativa deles da tragédia.

Porém, como Moshê, o povo judeu encontrou forças para continuar, para reafirmar a esperança face ao desespero, a vida na presença da morte.

Meros três anos após ficar frente a frente com o Anjo da Morte, o povo judeu, ao estabelecer o Estado de Israel, fez a poderosa afirmação: Am Yisrael Chai, o povo judeu, vive.

Moshê e Aharon foram como os dois hemisférios do cérebro judeu: emoção humana por um lado, fé em D'us, o pacto, e o futuro no outro. Sem o segundo, teríamos perdido nossa esperança. Sem o primeiro, teríamos perdido nossa humanidade.

Não é fácil manter aquele equilíbrio, aquela tensão. Porém é essencial. A fé não nos torna invulneráveis à tragédia mas nos dá a força para prantear e então, apesar de tudo, seguir em frente.