Tazria começa com as leis do nascimento e a ordem da circuncisão. “No oitavo dia a carne de seu prepúcio será circuncidada.” (Vayicrá 12:3). Desde os dias de Avraham, este tem sido o sinal, para os homens, do pacto entre D'us e o povo que Ele conclamou para ser Sua testemunha.

D'us disse ainda a Avraham: “Este é o Meu pacto que você deverá cumprir, entre Eu, tu e teus descendentes depois de ti. Toda criança do sexo masculino entre vocês será circuncidada. Deverão circuncidar a carne do prepúcio, e este será o sinal do pacto entre Eu e vocês.” (Bereshit 17:10-11)

Por que este sinal acima de todos os outros? Por que esta marca física na carne? O que isso nos diz sobre a natureza da identidade judaica? Para entender a completa profundidade desta ordem, precisamos nos mover vários séculos até um dos grandes profetas da Bíblia, Hosea.

Hosea viveu no oitavo século AEC. O reino tinha sido dividido desde a morte de Shelomo. O reino ao norte em particular, onde Hosea vivia, tinha caído após um período de paz e prosperidade a uma situação de ilegalidade, idolatria e caos. Entre 747 e 732 AEC houve nada menos que cinco reis, resultado de uma série de intrigas e conflitos sangrentos pelo poder. O povo também havia se corrompido: “Não há fé nem bondade, e nenhum conhecimento de D'us na terra; há imprecações, mentiras, matança, roubo e adultério; eles rompem todos os limites e é um assassinato após o outro” (Hosea 4:1-2).

Como outros profetas, Hosea sabia que o destino de Israel dependida do seu sentido de missão. Fiel a D'us, era capaz de fazer coisas extraordinárias: sobreviver face aos impérios, e criar uma sociedade única no mundo antigo, de dignidade igual para ricos e pobres como cidadãos sob a soberania do Criador do céu e da terra. Infiel, porém, era apenas mais um pequeno poder no antigo Oriente Próximo, cujas chances de sobrevivência contra predadores políticos maiores eram mínimas.

O que torna o livro de Hosea notável é o episódio com o qual se inicia. D'us diz ao profeta para desposar uma prostituta, e ver como é ter um amor traído. Somente então Hosea terá um vislumbre do senso de traição que D'us teve ao ser traído pelo povo de Israel. Tendo os libertado da escravidão e os levado ao seu país, D'us os vê esquecer o passado, abandonar o pacto e adorar deuses estranhos. É uma passagem poderosa com uma surpreendente afirmação em seu âmago. Mais do que o povo judeu ama a D'us, D'us ama o povo judeu. A história de Israel é uma história de amor entre o D'us fiel e Seu povo às vezes infiel. Embora D'us frequentemente fique irado, Ele pode apenas perdoar. Ele os levará a uma espécie de segunda lua-de-mel, e eles renovarão os votos de casamento.

“Portanto vou agora seduzi-la;
Vou levá-la ao deserto
e falar ternamente com ela…
Vou ligá-la a mim para sempre;
Ligá-la em integridade e justiça,
Em amor e compaixão.
Vou ligar-me a você em fidelidade,
E você conhecerá o Eterno.” (Hosea 2:16-22)

É esta última frase – com sua comparação explícita ente o pacto e um casamento – que os homens judeus dizem quando colocam o tefilin de mão, enrolando sua correia ao redor do dedo como uma aliança de casamento.

Um versículo no meio dessa profecia é fascinante. É uma complexa metáfora, que deve ser desvendada pouco a pouco:

“Naquele dia,” declara o Eterni,
“tu Me chamarás de ‘meu marido’ [ishi];
não Me chamarás mais de ‘meu amo’ [baali].

A última frase é um trocadilho. Baal, no hebraico bíblico, significava ‘um marido’, mas num sentido mais altamente especifico – ou seja, ‘am, dono, possuidor, controlador’. Era também, obviamente, o nome do deus canaanota – cujos profetas Elijah tinha desafiado no famoso confronto no Monte Carmel. Baal (também conhecido como Hadad, e geralmente reratado como um touro) era o deus da tempestade, que derrotou Mot, o deus da esterilidade e da morte. Baal era a chuva que impregnava a terra e a tornava fértil. Em termos de mito, Baalismo é a veneração de deus-como-poder.

Hosea contrasta este tipo de relacionamento com a outra palavra hebraica para marido, ish. Aqui ele está relembrando as palavras do primeiro homem para a primeira mulher:
“Esta é agora osso dos meus ossos
E carne da minha carne;
Ela será chamada Mulher [ishah],
Porque foi tirada do Homem [ish].”

Aqui o relacionamento homem-mulher é qualificado em algo diferente que poder e domínio, posse e controle. Homem e mulher se confrontam em semelhança e diferença. Cada um é a imagem do outro, porém cada qual é separado e distinto.

O único relacionamento capaz de uni-los sem o uso da força é o casamento como pacto – um vínculo de lealdade mútua e confiança no qual cada um faz uma promessa ao outro de honrar-se mutualmente e os deveres recíprocos que os unem num vínculo moral.

Não apenas esta é uma maneira raadical de reconceituar o relacinamento entre homem e mulher, é também a maneira de pensarmos sobre o relacionamento entre seres humanos e D'us. D'us atinge a humanidade não como poder (tempestade, trovão, chuva) mas como amor – e não um amor abstrato, filosófico, mas uma paixão profunda que sobrevive a todos os desapontamntos e traições. Israel nem sempre pode se comportar amorosamente com relação a D'us, diz Hosea, mas D'us ama Israel e nunca deixará de fazê-lo.

A maneira de nos relacionarmos com D'us afeta como nos relacionamos com outras pessoas. Esta é a mensagem de Hosea – e vice-versa: como nos relacionamentos com outras pessoas afeta a maneira de pensarmos em D'us. O caos político de Israel no oitavo século AEC estava intimamente relacionado com seu afastamento religioso. Uma sociedade construída sobre a corrupção e exploração é aquela onde o poder prevalece sobre o direito. Isso não é Judaísmo, mas idolatria, adoração de Baal.

Agora entendemos por que o sinal do pacto é a circuncisão. Para a fé ser mais que a adoração do poder, deve afetar o relacionamento mais íntimo entre homens e mulheres. Numa sociedade baseada no pacto, os relacionamentos entre os sexos devem ser construídos sobre algo diferente e mais gentil que o domínio masculino, o poder masculino, o desejo sexual e a ânsia de controlar, possuir. Baal deve se tornar ish.

O homem deve se tornar um marido carinhoso. O desejo sexual deve ser santificado e temperado pelo respeito mútuo. O impulso sexual deve ser circundidado e circunscrito para que não busque mais possuir, e se contente em amar.