Na tarde de Yom Kipur lemos o Livro de Yona, popularmente conhecido como "Maftir Yona", cujo cântico se tornou uma cobiçada homenagem na sinagoga.
Esta dramática aventura em alto mar contém uma história pungente, tocante e inspiradora de arrependimento e reflexão.
A história em poucas palavras:
D'us encarrega Yona de conclamar os perversos habitantes de Nineve ao arrependimento, porém Yona escapa embarcando num navio que se dirigia para outro local.
Uma forte tempestade no mar estava a ponto de destruir o navio, e os assustados marinheiros gritavam: "Cada homem a seu deus." Porém Yona estava profundamente adormecido. O capitão aproximou-se de Yona: "Como pode dormir? Levante! Reze ao seu D'us para nos salvar", enquanto os passageiros lhe perguntavam: "Qual é a sua ocupação? De onde vem?"
Reconhecido como fugitivo, Yona pediu para ser lançado ao mar, e a tempestade amainou. Um grande peixe o engoliu, e ele rezou das profundezas do oceano:
"Clamei a D'us em sofrimento, e Ele me ouviu. Das profundezas do inferno eu gritei… Tu me atiraste ao coração dos mares; Tuas ondas passaram por mim. Desci ao fundo das montanhas, as barras da terra se fecharam sobre mim; porém Tu ergueste minha vida do abismo, ó D'us…"
D'us ordenou ao peixe que cuspisse Yona em terra seca; ele foi a Nineve e fez com que o povo se arrependesse. Porém Yona ficou frustrado ao ver que sua ameaça original de destruição não se materializou e Nineve foi poupada. Yona pediu para morrer, "pois a morte é melhor que a minha vida".
D'us corrige a negatividade de Yona. Quando ele descansava perto de Nineve, uma vinha frondosa lhe proporcionou sombra e conforto, mas a vinha secou pela manhã. Yona lamentou a perda, e D'us respondeu: "Você lamenta por uma planta pela qual você não trabalhou; ela viveu uma noite e pereceu. Eu não deveria ter misericórdia e compaixão de todos os moradores de Nineve?"
Num nível mais profundo
Divinamente profunda, a Torá multi-facetada pode ser avaliada em diferentes dimensões e vários níveis.
Além de sua interpretação literal básica, as histórias da Torá contêm interpretações alegóricas com amplas aplicações espirituais e psicológicas. Além de destacar uma pessoa em particular num tempo específico num determinado lugar, a Torá se dirige diretamente a todos nós agora, hoje, onde quer que estejamos. De fato, a história de Yona relaciona-se com "toda a duração de vida dos seres humanos neste mundo".
Zohar Vayekhel pág. 199
A jornada da alma
Segundo a Cabalá, o nome "Yona" em hebraico significa literalmente pomba. Em todo o Livro do Cântico dos Cânticos, a "noiva" amorosa e fiel é comparada a uma pomba, porque a pomba é leal ao seu companheiro para sempre. Da mesma forma, a essência da nossa alma permanece fiel a D'us, recusando-se a se deixar levar pelo prazer material e pela tentação.
A "Cidade de Nineve", em contraste, representa uma sociedade vã e corrupta. Nossas almas são encarregadas da missão Divina de fazer contato com o mundo e seus habitantes, de imbuir e transformar a vida terrena com a luz Divina.
Negação
Como seres humanos, tendemos a evitar as obrigações, e fugir da responsabilidade. Embarcamos num navio; nosso corpo que contém a alma é como uma embarcação que contém passageiros.
Usando nosso corpo físico como um veículo de fuga, saímos loucamente sem qualquer senso de missão. Viajamos felizes num piquenique livre de cuidados, velejando sem uma só preocupação pela Autoridade ou por nosso irmão.
Aviso: turbulência à frente
Tudo pode parecer que está indo bem, até que atingimos um obstáculo. O céu ensolarado escurece à medida que encontramos mais turbulência que ameaça nossa própria existência. O súbito balançar desperta alguns de nós de nossas ilusões.
Ironicamente, pessoas simples, até comuns, percebem rapidamente que algo extraordinário está acontecendo, e começam a agir. Porém aqueles que ouvem o chamado e deveriam saber mais dormem profundamente.
Surpreendentemente, aqueles que estão encarregados de uma missão continuam desligados, convencendo-se de que não há uma emergência. Alheios ao caos e ao tumulto à sua volta, pedem para ficar sozinhos; "Por favor, não perturbe."
Mas até quando cochilamos, uma cotovelada Divina tenta nos trazer à razão. O capitão (nossa alma) pergunta: "Como você pode dormir? Quanto tempo vai ficar negando que o mundo enlouqueceu? Quanto tempo mais vai demorar para você perceber o problema?"
"De onde você é? Lembre-se de suas origens!”: fala a voz interior àqueles que anseiam por voltar a dormir. "Lembre-se de sua ocupação e a qual povo pertence" diz ela. "Pare de negar suas raízes; não fuja do seu destino. Não despreze o seu chamado como uma testemunha no Sinai, sua missão Divina de reparar este mundo."
Resignação e rendição
Rudemente despertados, devemos confrontar a realidade. Porém uma melancólica honestidade moral domina Yona. Ele encontra uma perversa expressão ao se oferecer para ser jogado fora do navio, para livrar os outros do fardo que ele impõe.
Esta depressão existencial domina alguém confrontado por D'us, mas temeroso de abraçar D'us. Incapaz de fugir d'Ele, a pessoa se resigna à morte. Entregando seu último vestígio de dignidade espiritual, ele se permite ser levado, engolido e convertido num ser diferente.
Sede de viagens
No Midrash, os peixes são usados como metáfora para a procriação abundante. Yona sendo engolido por um peixe expressa uma pessoa que está perdendo sua alma para a luxúria e desejo desenfreado.
O termo hebraico "daga" usado nessa história também se traduz como "Daaga", ansiedade, uma reação alternativa ao tumulto. A pessoa se envolve totalmente em buscas materialistas, portanto o estresse de escalar a escada financeira sobrepuja a angústia espiritual de sua alma. Totalmente engolfado pela sua carreira e profissão, ele se esquece da sua verdadeira meta e propósito na vida.
Chegando ao fundo do poço
Nessa hora crucial, nossa alma encontra D'us. Até cair nas profundezas, corremos de D'us e de nós mesmos. Constantemente em movimento, o fluxo da alma não pode permanecer estático, mas em qual direção? Está correndo para D'us ou correndo d'Ele? Quando a alma atinge o fundo, deve começar a erguer-se.
Desafio
Redescobrindo sua missão, a alma deixa para trás todos os seus vícios e falhas. Embarca numa jornada para trazer pureza e santidade a si mesma e à sociedade mundana. Porém, tendo descoberto a verdade Divina, a alma anseia permanecer num ambiente sagrado, afastada da degeneração humana.
"Devo lidar com minúcias, política e profanidade?" grita a alma, ansiando por escapar do mundo confinante e absorver-se na luz infinita de D'us.
D'us agora revela à alma de Yona que o plano supremo é realizado somente ao transformar o secular e profano. A beleza da parceria Divina-humana reluz somente na imundície terrena. Apesar de sua resistência, a alma aprende a imitar D'us e a abraçar o mundo, em vez de tentar escapar dele.
Dois tipos de dorminhocos
Existem aqueles que têm sono leve, e acordam ao menor ruído. Estes são despertados pelo som do shofar em Rosh Hashaná. Os sons pungentes inspiram arrependimento. Porém há aqueles que podem dormir mesmo no meio de uma forte explosão. Nada os incomoda.
Estes dormem durante o toque do shofar. O navio está a ponto de quebrar, mas eles dormem. O Titanic está afundando, mas eles se refestelam em suas acomodações da primeira classe.
Somos confrontados pelo Onze de Setembro, bombas e cabeças rolando, manobras internacionais e terrorismo global, porém alguns continuam adormecidos. Enquanto homens, mulheres e crianças inocentes são despedaçados, num mundo assolado pelo medo e pelo caos, existem aqueles que estão ocupados com a própria gratificação.
Em Israel, estamos paralisados pela fantasia de que, se tolerarmos o mal, o mundo finalmente vai nos amar. Alguns de nós ainda estão adormecidos, fingindo que a vida está, mais ou menos, normal.
Encoberto
É Yom Kipur, o único verdadeiro dia do ano que não tolera fachadas. Nesse dia sagrado, a pura verdade Divina atinge até mesmo aqueles que tentam se esconder debaixo de cobertas e cobertores.
Em Yom Kipur, até aqueles profundamente mergulhados no sono escutam o grito do capitão: "Levanta! Clama a D'us!"
Leia Mais: Haftará de Yom Kipur: O Livro de Yoná
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