“Santos sereis, pois santo sou Eu, o Eterno vosso D'us” –(Vayicrá 19:2)

Somos todos servos. Alguns de nós servimos a nós mesmos, outros servem a um propósito mais elevado. A maioria de nós compartimenta e nossas vidas se tornam uma mistura dos dois. Mas podemos realmente ficar satisfeitos com esse tipo de acordo?

Paradoxalmente, as pessoas mais felizes são aquelas que não são consumidas por servir suas próprias necessidades, mas são dedicadas a uma causa mais elevada. Nas palavras de John Stuart Mill:

“Pergunte a si mesmo se você é feliz, e deixará de ser. Somente são felizes aqueles que têm a mente fixada em algo que não seja sua própria felicidade; na felicidade dos outros, ou na melhoria da humanidade, até sobre alguma arte ou busca, seguida não como um meio, mas como um fim ideal. Pretendendo algo mais, eles encontram felicidade no caminho.”

Este é o tema central do Livro Vayicrá, conhecido como o Livro das Oferendas, que estamos lendo agora:

“Uma pessoa irá oferecer a si mesma uma oferenda a D'us.”

À medida que continuamos lendo Vayicrá, cada capítulo progressivo nos ensina como crescer ao oferecer nosso propósito mais elevado.

Após os primeiros capítulos que discutem a oferta geral de nossas almas e corpos, o capítulo dessa semana intensifica nosso serviço com o mandamento “Serás sagrado, pois Eu, o Eterno teu D'us, Sou sagrado.”

Não seja enganado pela simplicidade da declaração. Se o versículo tivesse apenas declarado “seja sagrado” e não acrescentado o motivo (“pois Eu, D'us Sou sagrado”) então o mandamento poderia ser entendido como outro aspecto de servir a D'us.

Mas ao igualar nossa santidade com a santidade de D'us o versículo na verdade está dizendo que nós seres humanos mortais podemos nos tornar como D'us. A tal ponto que o Midrash tem de qualificar que a santidade de D'us é maior que a nossa.

Mas a grande pergunta é como? Nós seres humanos somos mortais, finitos, limitados – fracos. D'us é imortal, infinito, eterno, onipresente – todo poderoso. Nós somos criaturas; D'us o Criador. Como os dois podem combinar?

Na verdade, o Judaísmo nunca ficou satisfeito com a mera jornada espiritual. Para muitos, seria considerada como uma façanha de ser capaz de transcender a mediocridade da existência material e experimentar até um estado mínimo de liberdade psicológica e espiritual. Mas para os notáveis líderes judeus – começando com Avraham e Moshê – a transcendência não era suficiente. Eles queriam um relacionamento com D'us; não apenas a habilidade de falar com D'us, mas um relacionamento como falar com D'us.

Afinal se Vós, D'us nos criou, então temos (guardamos) uma “parte” de Vós dentro de nós, e Vós tendes uma parte de nós dentro de Vós.

Pegue as memoráveis palavras de Moshê, falando do coração. Por favor, D'us, “permita-me conhecer Vossos caminhos,” “mostra-me Vossa glória.” Moshê quer ver a face de D'us, e D'us concorda, com uma qualificação.

Mas a grande pergunta é como? Nós seres humanos somos mortais, finitos, limitados – fracos. D'us é imortal, infinito, eterno, onipresente – todo poderoso. Nós somos criaturas; D'us o Criador. Como os dois podem combinar?

Sim, podemos servir a D'us. podemos obedecer a Ele, oferecer-Lhe preces e louvor e olhar para Ele pedindo por esperança e salvação. Mas como podemos nos unir com Ele?

A Cabalá inteira vem responder essa mesma pergunta. Pois nela está o segredo da vida – o único maior dilema: O quão alto podemos chegar? Quão eternas podemos nós, criaturas temporais, nos tornar? Nossas escolhas importam a longo prazo; se todos perecemos ao final do dia, o quanto deveríamos realmente estar investidos em nossas escolhas?

Meias medidas não eram simplesmente suficientes para os grandes espíritos. Eles não queriam aceitar um relacionamento limitado com o Divino. Eles se recusaram a se comprometer e ver seu relacionamento com D'us como uma rua de mão única: Servimos a D'us e D'us provê para nós.

Isso soa bem, mas então por que a necessidade para o processo inteiro em primeiro lugar? Qual benefício há em servir a D'us? Sim, como existimos para servir a D'us pode ser o fator mais redimível das nossas vidas – o único que pode nos conectar com o Eterno – mas por que temos de existir afinal? Se não houvesse criação e nenhum serviço, o que poderia estar faltando? E finalmente, há muitas pessoas ali que podem servir a D'us; o que é especial sobre qualquer serviço especial?

Queremos saber se somos realmente indispensáveis. Que nossa individualidade – nossa personalidade única – tem um relacionamento com Ele e se torna como D'us.

Esse dilema consome toda página da Cabalá e da Chassidut. Portanto é óbvio que este tema é central para Samach-Vav – a principal série de discursos feitos em 1906 – que codifica tudo da Chassidut e da Cabalá. Na verdade, seu autor, o Rebe Rashab, é conhecido como o “Rambam da Chassidut”. Como o Rambam (Maimônides) o Rebe Rashab organizava a imensa quantidade de discursos místicos em um texto estruturado acessível. Em nenhum lugar isso é mais óbvio que nos 61 discursos sequenciais do ano Samach-Vav.

Nessa obra fluente, o Rebe Rashab explica como nós seres humanos mortais podemos nos tornar como D'us.

Basicamente, Samach-Vav nos diz, que tudo na existência tem uma base Divina. D'us embutiu elementos da “personalidade” Divina em todo aspecto do universo. O propósito inteiro da existência é que revelemos essa força Divina; que transformemos o mundo material num lar para o Divino, e que possamos trazer nova energia sem precedentes que expressa “o aspecto interior e a essência da Luz Infinita” – a essência do Divino.

Atingimos isso avaliando que tudo na existência tem duas dimensões: Luz e contêiner - energia e estrutura. Ambos refletem o Divino mas em maneiras diferentes: a luz (alma) reflete a dimensão transcendente do Divino – o altruísmo, sublime e desafio de toda definição. O contêiner (corpo) reflete a estrutura Divina – como o Divino se manifesta em estrutura e forma.

Ser Divino significa permitir que a sua alma brilhe (luz) e santificar seu corpo e atividades materiais (contêineres).

E a natureza Divina da luz e do contêiner deve ser separada e atualizada em seu pleno potencial. A maneira pela qual a “luz” acessa a energia Divina dentro das nossas almas e dentro de toda a existência. A maneira do “contêiner” transforma matéria em espírito através do nosso árduo trabalho.

Cada um de nós tem duas dimensões em nossas vidas. Nosso envolvimento no mundo material, e nossos anseios transcendentais, espirituais. Em uma palavra: o corpo e a alma. Ser Divino significa permitir que a sua alma brilhe (luz) e santificar seu corpo e atividades materiais (contêineres).

Mas geralmente, isso entra em dois tipos de almas: aquelas que se sentem perto de D'us, como filhos de um pai, e aquelas que não sentem, como servos ao patrão. Cada tipo de alma tem tanto luzes como contêineres, porém as almas citadas primeiro são mais “como luz” e as citadas depois são mais “como contêiner”.

O Rebe Rashab explica como o primeiro tipo de alma acessa o Divino, e se torna como D'us, tanto através da luz e do contêiner (alma e corpo). Seguindo a discussão sobre o primeiro tipo de alma, Samach-Vav então continua a abordar o segundo tipo de alma, cuja natureza básica é material, e seu serviço consiste do trabalho duro para sublimar sua personalidade “egocêntrica” de matéria.

Em termos pessoais isso significa que não somente sua alma, mas também seu corpo e a estrutura material da sua vida podem ser santificados e se tornar como Divinos. A total fusão de forma e função numa “união espiritual” é necessária para uma vida equilibrada, plena.

Há muitas lições abrangentes que podem ser derivadas deste princípio. Por exemplo: dois elementos são necessários na criação de todo negócio, e o projeto de todo produto: forma e função. Ambos são componentes vitais, e cada um tem sua própria maneira de expressar a verdade. Funcionar na sua melhor maneira deveria ser como luz, que reflete sua fonte – a visão e o propósito do objeto. A forma em sua melhor maneira representa a estrutura – o mercado, a audiência que irá se beneficiar com o objeto. A chave é alinhar as duas em uma única unidade, que funde a função e a forma, o propósito e sua expressão.

Numa afirmação prática, depois que tudo é dito e feito, podemos realmente esperar que pessoas comuns deveriam servir somente a um propósito mais elevado e não as nossas próprias necessidades? Baseada na discussão acima, a resposta é tão surpreendente quanto refrescante.

Os “contêineres” estruturados têm necessidades, as “luzes” altruístas não tem; eles são meros reflexos de sua fonte. Mas as necessidades dos “contêineres” são Divinos por natureza. Com uma qualificação essencial: o objetivo não é ser fixado em satisfazer as necessidades dos “contêineres” como um fim em si mesmo, mas reconhecer que aquelas necessidades são também uma extensão de satisfazer o mais elevado, Divino, propósito.

Em outras palavras: para valorizar que os contêineres são exatamente isso: veículos para expressar a luz Divina.

Assim, na verdade realmente temos apenas duas escolhas na vida: servir a si mesmo ou servir a D'us. Para servir às suas necessidades imediatas ou servir a um propósito mais elevado – a missão de sua vida.

E quando você fizer isso, suas necessidades serão preenchidas, e a felicidade vai chegar. Como aquele que é sábio diz: “Não canto porque sou feliz; sou feliz porque eu canto.”