“Aquilo que o Rebe Me Ensinou”

Rabino Wolfe de Zbarazh foi um mestre chassídico famoso por sua disposição em defender os pobres e os oprimidos.

Um dia, ele escutou sons desagradáveis vindos da cozinha, Deixando de lado o livro no qual estudava, ele foi descobrir o que estava acontecendo ali. Sua esposa estava tendo um desentendimento com a empregada.

“Ela quebrou uma vasilha cara,” explicou a Rebetsin, aborrecida.
“Foi um acidente,” disse a empregada.
“Não, ela fez de propósito, para me aborrecer, e vou descontar do salário dela,” contrapôs a Rebetsin.
“Então vou procurar um tribunal rabínico,” disse a moça.
“Vá em frente, e eu irei também!” disse a Rebetsin.
“E eu também,” disse o marido.
“Você? Por que iria? Não preciso de você ali.”
“Ela precisa,” disse Rabino Wolfe, “você é a esposa de um rabino; ela é apenas uma pobre empregada. Ela precisa de mim para defendê-la.”

Examinando um Nome

Um dos maiores enigmas da Torá diz respeito ao nome do personagem mais mencionado: Moshê. O nome Moshê é mencionado 740 vezes no Chumash, {pentatêuco, Cinco Livros da Torá], e 770 em todas as Escrituras. Porém “Moshê” não era seu nome… Dentre todos os pesos pesados mencionados, o nome de Moshê se destaca devido às suas origens pouco comuns.

Ocorre que o nome que a Torá elegeu para chamar seu ator principal foi aquele dado a ele pela filha do faraó!

“A filha do faraó foi se banhar no rio… Ela viu um cesto entre os juncos… Abriu-o e viu um menino chorando… e ele foi um filho para ela. Ela o chamou pelo nome Moshê, pois ela disse: “Eu o peguei da água.1

Por quê?

Não é como se os pais tivessem sido negligentes em dar-lhe um nome. O Midrash2 registra quatro nomes que ele recebeu ao nascer, um de cada membro da família. Um desses nomes foi Tuvyah, que significa bom, pois: Ela [sua mãe] viu que ele era bom.”3

Então o que aconteceu com a Torá para ignorar o nome que lhe foi dado pelos pais piedosos ao nascer, usando em vez disso o nome dado por uma estranha?

Essa questão se intensifica de acordo com o ensinamento místico de que o nome da pessoa não é apenas utilitário e ao acaso, mas está inerentemente entrelaçado com a formação e destino do portador do nome.

Se é este o caso, o nome Tuvyah – que significa bondade – não encerra a essência e a vida de Moshê mais que o nome Moshê, que celebra nada mais que um único episódio (embora salvador da vida) em sua existência?

Escolhas de Sacrifício

Moshê teve tudo. Ele foi preparado para nobreza e honra. Cada capricho seu era atendido, e foi mimado com todos os tipos de luxos. Era adorado por todos no Egito, tendo sido reconhecido como um jovem inteligente que possuía visão e coragem. Ele era o príncipe do povo e foi orientado para um brilhante futuro político. Mas ele nunca chegou lá, ou pelo menos tomou um caminho diferente.

Incidente nº 1:

“Aconteceu naqueles dias que Moshê cresceu e saiu até seus irmãos e viu suas dificuldades.”4

Segundo nossos Sábios,5 o dia do fatídico passeio de Moshê foi o dia em que foi feito responsável por toda a criadagem do faraó. Após ser mimado e abrigado durante toda a vida, naquele dia, pela primeira vez, ele se aventurou fora do ambiente protegido do palácio ao qual estava acostumado e saiu para o mundo real, onde imperava a injustiça e o sofrimento era geral.

“E ele viu um egípcio atacando um hebreu.”

Pela primeira vez em sua vida ele ficava face a face com um opressor e uma vítima, e teve de escolher entre eles. Proteger um membro da casta mais baixa contra um “companheiro” membro da mais alta não seria visto de maneira positiva no palácio, nem pelos passantes na rua. Mais do que apenas cometer suicídio político, ou ainda pior, perder uma vida de opulência, ao agir contra um egípcio em prol de um escravo hebreu, Moshê estava arriscando a própria vida! Porém ele não pensou duas vezes, mas “abateu o egípcio e escondeu-o na areia.”

Foi assim que terminou seu primeiro dia fora do palácio.

Incidente nº 2:

“Ele saiu no dia seguinte, e vejam! Dois homens hebreus estavam lutando.”6
Moshê poderia tê-los deixado com sua luta. Afinal, o assassinato de um homem inocente não estava em jogo dessa vez; era meramente uma luta interna entre israelitas. E mesmo assim, ele não pensou duas vezes e “disse ao perverso: ‘Por que está atacando seu companheiro?’”
Essa atitude teria para ele um custo muito alto.

“Quem fez de você um homem, um governante, e um juiz acima de nós?” respondeu o hebreu que ele tinha repreendido. “Está dizendo que vai me matar, como matou o egípcio?” Moshê ficou temeroso, e pensou: “Na verdade, a questão se tornou conhecida.”

Seus temores se provaram bem fundados. “O faraó soube do caso e quis matar Moshê; então Moshê fugiu da frente do faraó e se estabeleceu na terra de Midian. Ele sentou-se à beira do poço.”

Foi assim que seu segundo dia fora do palácio terminou.
Poucos dias depois aconteceria algo parecido.

Incidente nº 3:

“O ministro de Midian tinha sete filhas; elas foram tirar água e encheram os cântaros para dar de beber às ovelhas do pai. Os pastores chegaram e as mandaram embora [pois a família delas tinha sido excomungada pelos midianitas].”7

Ora, a voz da lógica, agregada aos instintos de auto-preservação, poderiam bem ter argumentado contra envolver-se nesse conflito de política local, especialmente se o envolvimento o alinharia com uma família de párias sociais, porém aquilo não impediu Moshê de defender aqueles que estavam sendo injustiçados.

“Moshê ergueu-se e as salvou, e deu água para suas ovelhas.” E aqui emerge um padrão.

Tanta coisa deve ter acontecido na vida do jovem Moshê até este ponto, porém a Torá, sendo uma obra de instrução em vez de história, achou melhor registrar somente esses poucos incidentes.

Veja você, pode-se argumentar que todos os três incidentes são irrelevantes para a história. Para a história ser coesa, tudo que precisamos saber é que o faraó procurou matar Moshê e que Moshê fugiu. A questão de por que o faraó quis matar Moshê8 não passa de fofoca. Na verdade, porém, pode-se dizer que precisamente estes eventos captam o espírito de Moshê. Pois cada um dos três episódios delineados são na realidade apenas expressões diferentes da mesma característica.

Moshê se identificava com as vítimas, aqueles em desvantagem, os oprimidos. Ao risco do próprio conforto e até da sua vida, ele jamais ficou impassível quando alguém estava sendo magoado.

Em cada um dos incidentes documentados, as faces do persguidor e do perseguido podem ter mudado, mas Moshê não mudou. Ele sempre ficou do lado do sofredor.

Esse padrão é ilustrado ainda mais claramente pela próxima ocorrência na vida de Moshê, que a Torá escolheu registrar:

“Moshê estava pastoreando as ovelhas de seu sogro… Ele viu um arbusto em fogo que não estava sendo consumido… D'us disse: ‘Eu vi a aflição do Meu povo no Egito… e agora, vá, e eu o enviarei ao faraó, e você libertará Meu povo do Egito!’”

Voltar ao país no qual ele era procurado por assassinato? Confrontar e rebelar-se contra seu avô adotivo, o faraó, o homem que o tratara como um filho, e o criara com amor? Para abraçar e redimir o povo que o entregara às autoridades, facilitando sua passagem pelo corredor da morte? Além disso, sua vida não tinha finalmente se acomodado? Casara-se recentemente, tinha um filho, arrumara um emprego; a vida era boa, então por que arruiná-la?

Porque um povo estava sendo oprimido na terra do Egito.

O nome Moshê agora parece se encaixar nele como uma luva, pois aponta para o próprio começo desse padrão.

“A filha do faraó desceu ao rio para banhar-se… Ela viu um cesto entre os juncos… Abriu-o e viu um menino chorando. Teve pena dele e disse: “Este é um dos meninos hebreus’… e ele foi um filho para ela.”

Quando a princesa do Egito colocou os olhos pela primeira vez sobre o pequeno Moshê, ele era literalmente um bebê no cesto. Mas era também um escravo hebreu, a quem o pai tinha mandado afogar.

Recolher a criança seria então muito arriscado. Manter sua identidade secreta seria quase impossível, especialmente com toda a conversa que corria no palácio. Porém ela não hesitou em estender-se na direção da criança-vítima de um povo-vítima, e “tirou-o da água.”9

Como esse nome é apropriado para Moshê,10 que cresceria para sempre estender seu braço e fazer o mesmo pelos outros.11

Baseado em Sichot Kodesh 5740 vol. I, pags 784-788