Eu estava ouvindo uma palestra outro dia e o principal tema da discussão entre alguns dos mais notáveis intelectuais do mundo era se seremos uma sociedade mudada após sairmos do fechamento e a vida voltar ao normal.
Vamos aproveitar as lições que aprendemos durante este período de quarentena?
Nossa política vai mudar, nossos sistemas de saúde e de educação vão melhorar? As indústrias de alimentos, hospitalidade, viagens e entretenimento serão transformadas? Nesse caso, como?A humanidade vai ficar mais unida?A corrida no rumo da globalização vai continuar ou ficará mais lenta? Iremos voltar a uma postura mais nacionalista com orientação, com cada pais cuidando de si mesmo, ou vamos nos juntar para resolver algumas das questões globais que não podem ser resolvidas individualmente, como pandemias, mudanças no clima. Segurança cibernética, e terrorismo, e queda no mercado?
Vamos manter nossos níveis elevados de introspecção e o tempo de qualidade passado com nossas famílias, ou iremos imediatamente correr para [ainda mais] encher nossas vidas com negócios e engajamentos sociais, como uma rolha na garrafa de champanhe de repente aberta?
A história judaica, especialmente como registrada durante o atual período do Omer, tem muito a oferecer sobre o tema.
Se você estudar a história judaica vai discernir um padrão: qualquer mudança que for induzida externamente tem vida curta. A mudança real, sustentável e duradoura vem através da evolução, não da revolução.Isso é verdade sobre os dois eventos mais monumentais na história judaica: o notável êxodo do Egito e a Revelação no Sinai sete semanas depois. O efeito desses dois eventos foi temporário.
Apenas três dias após ser liberado do Egito, o povo desafiou Moshe:
O que é que você fez para nos tirar do Egito? Não é sobre isso que falamos [a respeito] para você, dizendo deixa-nos em paz, e serviremos os egípcios, porque preferiríamos servir aos egípcios do que morrer no deserto?1
Incrivelmente, no decorrer das poucas décadas seguintes há numerosos exemplos em que o povo desafia Moshe da mesma forma, até expressando uma nostalgia distorcida pelo tempo que passaram no Egito.Lembramos do peixe que comemos no Egito sem pagar, dos pepinos, as melancias, do alho poró, as cebolas e o alho.2
Realmente?
E vocês também se lembram do genocídio tentado, da escravidão forçada, da tortura que enfrentaram nas mãos dos egípcios? Ou o deleite culinário apagou a mente para as horríveis violações dos direitos humanos que vocês sofreram no Egito? (Palavras minhas, não de Moshe).
Como um grupo de escravos libertados chega ao pico pelo seu passado período de escravidão? Como eles acusam, abusam e confundem seu salvador Moshe com intenção genocida?
Eles disseram a Moshe: É porque não há túmulos no Egito que você nos levou para morrer no deserto? O que é que você fez para nós nos tirando do Egito?3
Mas essa é a natureza de mudança rápida e induzida externamente: seus efeitos são superficiais e à flor da pele.Embora o grande Êxodo do Egito possa ter mudado a realidade externa do povo, não mudou seu mundo interior, a mentalidade escrava que tinha sido imbuída em suas psiques. Como diz o ditado: “Pode ter levado um dia para tirar os judeus do Egito, mas levou milênios para tirar o Egito de dentro dos judeus.”
Veja, qualquer verdadeiro progresso externo exige um processo interno correspondente.A mudança que é artificial em vez de orgânica é superficial e temporária.
O mesmo tema se repete durante a Grande Revelação no Sinai, considerada pelos nossos sábios como sendo o evento mais monumental na história mundial e judaica.
Apenas semanas após ouvir D'us dizer: “Eu sou o Eterno, não adore outros deuses,”4 o povo foi encontrado dançando fervorosamente ao redor de um bezerro de ouro numa feroz violação contra a adoração de ídolos!
E esta não seria a última vez. Como é registrado na Escritura, a luta do nosso povo com a idolatria foi um aspecto contínuo de sua evolução espiritual.
Como isso aconteceu?
É preciso mais que uns poucos feitos sobrenaturais, pragas e milagres para contar centenas de anos de apego à idolatria. A mudança real, duradoura, transformadora exige perspiração, não apenas inspiração.A jornada e a transição de escravos decadentes para “reino de sacerdotes” não é natural, e portanto não poderia ser instantânea.E é sobre isso que trata o período do Omer. É um programa nacional anual de sete semanas de avaliação moral e melhora espiritual.
A mitsvá de marcar cada dia entre Pessach e Shavuot com uma prece não é apenas sobre contar cada dia, mas fazer cada dia contar.
Os místicos ensinam que a palavra hebraica para “contar”, sipur, também pode significar refinar. Portanto o significado mais profundo dessa mitsvá é refletir sobre e trabalhar para refinar um componente particular do nosso caráter e da composição interior sobre o período de sete semanas do Omer.
Analisamos os tijolos de construção da nossa base emocional, e asseguramos que o alicerce do nosso mundo psico-espiritual é saudável e maduro.
O ritual do Omer faz mais do que conectar as festas de Pessach e Shavuot no tempo: ele os liga em espírito, transformando duas festas separadas em bases ao longo de uma única jornada, assegurando que quando atingirmos a base do Sinai nossos corações endurecidos ficaram amaciados e nossos egos amargurados foram gentilmente abertos, tornando-nos recipientes mais espirituais e receptivos aos raios infinitos da luz Divina e do amor tornado disponível para nós a cada ano em Shavuot.
Interiorizar, então, é eternizar.
E portanto no espírito da contagem do Omer, vamos habitar, mergulhar, e desenvolver nosso mundo interior. Vamos utilizar este período global de pausa e introspecção para voltarmos à base de nossas vidas a fim de definirmos nossos valores internos, refinar nossas crenças e filosofia, e redesenhar nossos hábitos e estilos de vida para refletir nosso ser mais elevado e mais verdadeiro.
E se pudermos atingir isso, teremos conseguido remodelar um período de turbulência, transição, tribulação e tragédia em triunfo pessoal e coletivo e numa transformação duradoura.
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