Em longa entrevista ao Times of Israel, o epidemiologista Yehuda Carmeli, chefe do Departamento de Epidemiologia do Centro Médico de Tel Aviv Sourasky e professor da Escola de Medicina Sackler da Universidade de Tel Aviv, procurou esclarecer uma série de dúvidas sobre o avanço do COVID-19, especialmente o porquê de a doença ter causado mais mortes na Itália do que na China, onde surgiu.

Por que na China - um país com 1,4 bilhão de habitantes - teve 3.249 mortes por coronavírus, enquanto na Itália, um país muito menor, já registrou 3.405 mortes nesta quinta-feira?

"Na verdade, nem toda a China foi afetada. Na maior parte da China, houve um número relativamente pequeno de casos. Há um município específico, Hubei, que foi afetado e, dentro dele, a cidade de Wuhan. Wuhan tem uma população de 11 milhões. Além disso, na Itália, a principal região afetada foi a Lombardia, que tem uma população de 10 milhões de pessoas. Portanto, aproximadamente o mesmo tamanho da população foi afetado nos dois casos".

Quantas pessoas poderão ser infectadas em todo o mundo se essa pandemia não for contida?

"Existem vários modelos de cálculos matemáticos que tentam estimar o número de casos em diferentes locais. Há um ditado sobre essa questão que diz que todos esses modelos são falhos, embora alguns sejam úteis. E nesta situação de pandemia qualquer previsão é falha".

"Todas as previsões indicam que este surto pode durar vários meses ou até dois anos e atingir cerca de 60 a 70% da população mundial em algum momento. Mas nem todas as pessoas infectadas ficam doentes. Alguns nem percebem que estão com o vírus, outros têm sintomas leves".

Temos previsão de quantos irão morrer?

"Isso não sabemos. Eu diria que varia de acordo com a idade. Sabemos que, abaixo dos 50 ou 60 anos, a morte é extremamente rara. Então, na população mais velha, com 60 anos ou mais há um aumento significativo do risco de morte. Não temos cálculos precisos. De certa forma, tivemos um modelo de cálculo que era o navio de cruzeiro Diamond Princess, que ficou retido no Japão com passageiros com suspeita de coronavírus. O Diamond Princess tinha 3.700 pessoas a bordo, entre funcionários e passageiros. Houve seis mortes. Não sabemos quantas pessoas a bordo foram infectadas. Nós sabemos quantos foram diagnosticados. Portanto, se olharmos para esses números supondo que todos a bordo tenham sido infectados - embora não saibamos se esse foi o caso - seis em 3.700 representam cerca de 0,16% da população. Muitos dos passageiros tinham mais de 50 anos, dois terços deles. Portanto, nesse caso, a taxa de mortalidade foi de 0,1% a 0,5% da população que havia no navio".

Por que Israel está adotando medidas tão rígidas, fechando fronteiras, cancelando atividades não essenciais e dizendo às pessoas para ficarem em casa?O que você está dizendo é que não estamos enfrentando um apocalipse, e que não haverá mortes em massa, mas estamos fazendo isso para não querer sobrecarregar o sistema de saúde?

"Bem, acho importante dizer que o risco para uma pessoa em particular infectada não é relativamente alto, especialmente se essa pessoa tiver menos de 60 anos".

E se alguém com menos de 60 anos tiver asma, por exemplo?

"Depois de completar 60 anos, seu risco aumenta dramaticamente. Uma das coisas que sabemos é que as pessoas que morreram tinham comorbidades, ou seja outras doenças pré-existentes".

Mas quem chega aos 60 anos sem ter outras doenças?

"Muito poucas pessoas. Algumas têm hipertensão, outras diabetes, asma ou algum problema pulmonar. Aos 60 anos, e aos 70, todos têm algum tipo de doença.Essas podem ser doenças muito leves que não afetam seu modo de vida ou sobrevivência a longo prazo. Mas ainda assim eles estão em alto risco quando se trata de coronavírus. Costumamos dizer às pessoas: se você é idoso, tente não ter contato com muitas pessoas; tente reduzir suas chances de ficar exposto (ao vírus). Isso significa que se você tem 60 anos, trabalha e é relativamente saudável, seu risco é menor. Assim, você pode se permitir um pouco mais do que alguém com 80 anos, mesmo que ele seja saudável, mas tenha algumas doenças".

Esta doença pode ser transmitida pelo ar?

"Eu diria para todos os efeitos práticos, não. A resposta não é realmente sim ou não. Sob condições regulares, condições normais de vida, é transmitido por gotículas, o que significa que você é infectado por gotículas de alguém a um ou dois metros de distância".

"O novo coronavírus é transmissível entre as pessoas e eu não sei o principal motivo disso. Geralmente medimos a transmissibilidade pelo número de partículas virais necessárias para causar uma infecção. Então, suponho que o vírus esteja em uma concentração mais alta nessas gotículas. Ou que tem uma maneira muito mais fácil de se conectar às células humanas e infectá-las".

Essa é a principal diferença entre este novo coronavírus e o SARS original? Existem outras diferenças?

"Essa é a principal e mais importante diferença, porque o SARS (original) desapareceu depois que a transmissão foi controlada nos hospitais. O coronavírus atual, devido à sua facilidade de transmissão, é transmitido principalmente na comunidade e, em seguida, requer medidas muito mais rigorosas, como ficar em casa e recolhido para conter a sua propagação".

Se os idosos e os doentes crônicos são os principais grupos de risco, por que não apenas isolá-los e deixar que todos os demais mantenham a sua rotina habitual?

"Bem, não há como impedir que a doença continue a se espalhar. Não é que, a certa altura, simplesmente desapareça. Atingirá essas populações e as afetará.

O que você está descrevendo é o que os britânicos inicialmente tentaram fazer. E então, quando criaram modelos matemáticos e observaram o efeito que isso teria, eles viram que os efeitos seriam catastróficos.Os modelos mostraram que permitir que a doença continue a se espalhar rapidamente enquanto protege os idosos é realmente impossível. Você tem que ter intervenção. Você não pode colocar os idosos em uma ilha solitária sem verificar se alguém já foi infectado.

Do ponto de vista epidemiológico puramente médico, deve haver um toque de recolher completo em todo o país por talvez um mês", alertou.

"Acho importante que os cidadãos cumpram as restrições. Estamos em um momento muito difícil, onde as pessoas estão preocupadas, as pessoas têm medo. Temos pessoas inteligentes e boas liderando nosso sistema de saúde e nossa resposta a crises. Erros podem acontecer, mas no geral todos estão sendo cuidadosos. E, como sociedade, teremos que nos unir para superar esse período difícil".