Na nossa parashá, Yossef faz algo incomum. Revelando-se aos seus irmãos, plenamente cônscio de que eles vão sofrer um choque e sentir culpa ao lembrarem como é que seu irmão está no Egito, ele reinterpreta o passado: “Eu sou seu irmão Yossef, aquele que vocês venderam ao Egito! E agora, não se aborreçam e não se enfureçam com vocês mesmos por terem me vendido, porque foi para salvar vidas que D'us me enviou perante vocês.

“Por dois anos tem havido fome na terra, e pelos próximos cinco anos não haverá plantação e colheita. Mas D'us me enviou antes para preservar para vocês um remanescente na terra e para salvar suas vidas por uma grande colheita. Então, não foram vocês que me trouxeram aqui, mas D'us. Ele me fez pai ao faraó, senhor de toda sua família e governador de todo o Egito.” (Bereshit 45:4-8).

Isso é totalmente diferente da maneira que Yossef descreveu esses eventos quando ele falou ao carcereiro na prisão: “Fui levado forçosamente para fora da terra dos hebreus, e mesmo aqui não fiz nada que mereça para ser colocado numa masmorra” (Bereshit 40:15). Então, foi uma história de rapto e injustiça. Agora, tornou-se uma história da Divina Providência e redenção. Não foram vocês, ele diz aos irmãos, foi D'us. Vocês não entendem que fazem parte de um plano maior. E embora tenha começado mal, terminou bem. Então não se sintam culpados. E não temam qualquer desejo de vingança da minha parte. Não há esse desejo. Entendo que estávamos todos sendo dirigidos por uma força maior que nós mesmos, maior do que podemos entender.

Yossef repete essas ideias na parashá da próxima semana, quando os irmãos temem que ele possa se vingar após a morte do pai deles:

“Não temam. Acaso estou no lugar de D'us? Vocês pretendiam me prejudicar, mas D’us pretendia que fosse bom realizar o que está sendo feito agora, a salvação de muitas vidas. (Bereshit 50:19-20). Yossef está ajudando seus irmãos a revisarem sua lembrança do passado. Ao fazê-lo, ele está desafiando uma das mais fundamentais presunções sobre o tempo, ou seja, sua assimetria. Podemos mudar o futuro. Não podemos mudar o passado. Mas isso é totalmente verdadeiro? O que Yossef está fazendo pelos seus irmãos é o que ele claramente tem feito por si mesmo; eventos mudaram o seu entendimento do passado e o deles.

Isso significa: não podemos entender plenamente o que está acontecendo para nós agora até olharmos em retrospecto e ver como tudo ocorreu. Isso significa que não estamos presos ao passado. As coisas podem acontecer para nós, não tão dramaticamente como para Yossef talvez, mas mesmo assim benignas, que podem alterar completamente a maneira de olharmos para trás e nos lembrarmos. Pela ação no futuro, podemos redimir o passado.

Um clássico exemplo disso é o discurso de Steve Jobs em 2005 na Universidade Stanford, que agora tem sido visto por mais de 40 milhões de pessoas no YouTube. Nele, ele descreve três golpes esmagadores em sua vida: foi retirado da faculdade, foi despedido pela empresa que ele mesmo fundou – a Apple, e sendo diagnosticado com câncer. Cada um, disse ele, o levou para algo importante e positivo.

Ao sair da faculdade, Jobs pôde auditar qualquer curso que quisesse. Ele frequentou um sobre caligrafia e isso o inspirou a construir em seus primeiros computadores uma escalada de fontes proporcionalmente espaçadas, dando assim ao computador uma elegância que tinha sido previamente disponível apenas para impressores profissionais. Ser despedido da Apple o levou a começar uma nova empresa de computador, NeXT, que desenvolveu capacidades que ele eventualmente levaria para a Apple, bem como adquirir a Pixar Animation, o estúdio mais criativo de filmes de animação de computador. O diagnóstico de câncer o levou para um novo foco na vida. Isso o fez entender: “Seu tempo é limitado, portanto não o desperdice vivendo a vida de outra pessoa.”

A habilidade de Jobs de construir essas histórias – que ele chamava de “conectar os pontos” – certamente não era relacionada com sua habilidade de sobreviver aos golpes que sofreu na vida. Poucos poderiam ter se recuperado do golpe1 de ser demitido da sua própria empresa, e poucos ainda poderiam ter atingido a transformação que ele fez na Apple quanto retornou, criando o iPod, iPhone e iPad. Ele não acreditava em trágicas inevitabilidades.

Embora ele não tivesse dito isso nesses termos, ele sabia que por ação no futuro podemos redimir o passado. O Professor Mordechai Rotenberg da Universidade Hebraica argumentou que esse tipo de técnica de reinterpretar o passado poderia ser usado como uma técnica terapêutica para reabilitar pacientes sofrendo de um forte senso de culpa. Se não podemos mudar o passado, então ele está sempre nos levando de volta como uma corrente ao redor das nossas pernas. Não podemos mudar o passado, mas podemos reinterpretá-lo integrando dentro de uma narrativa nova e maior. Isso é o que Yossef estava fazendo, e tendo usado essa técnica para ajudá-lo a sobreviver uma vida pessoal de altos e baixos sem paralelos, ele agora a usa para ajudar seus irmãos a viver sem uma culpa avassaladora.

Encontramos isso no Judaísmo no decorrer da sua história. Os Profetas reinterpretaram a narrativa bíblica pela sua época. Então veio o Midrash, que a reinterpretou mais radicalmente porque a situação dos judeus tinha mudado também radicalmente. Então vieram os notáveis comentaristas bíblicos, místicos e filósofos. Provavelmente não houve uma geração em toda a história judaica quando os judeus não reinterpretaram seus textos à luz da experiência do presente. Somos o povo que conta historias, e então as reconta repetidamente, cada vez com uma ênfase ligeiramente diferente, estabelecendo uma conexão entre então e agora, relendo o passado à luz do presente da melhor maneira que pudermos.

É contando histórias que damos sentido para nossas vidas e para a vida do nosso povo. E é permitindo que o presente remodele nosso entendimento do passado que redimimos história e a tornamos viva como uma força positiva.

Dei um exemplo quando discursei no Kinus Shluchim de Chabad, a grande reunião de 5.000 emissários Chabad do mundo inteiro. Falei a eles como, em 1978, visitei o Rebe para pedir seu conselho sobre qual carreira eu deveria seguir. Fiz o costumeiro: escrevi para ele uma nota com as opções A, B ou C, esperando que ele indicasse qual delas eu deveria seguir. As opções eram me tornar um advogado, um economista ou um filósofo acadêmico, ou como seguidor da minha faculdade em Cambridge ou como professor em outro local.

O Rebe leu a lista e disse Não a todas as três. Minha missão, ele disse, era treinar rabinos em uma Faculdade para judeus (agora a London School of Jewish Studies) e tornar-me um rabino em uma congregação. Então, no decorrer da noite, disse adeus a todas as minhas aspirações, a tudo pelo qual eu tinha sido treinado. O fato estranho foi que, no entanto, que eu preenchi todas aquelas ambições no mesmo momento em que eu parecia estar caminhando na direção oposta. Tornei-me um advogado honorário (Bencher) do Inner Temple e fiz um discurso de lei perante 600 advogados e do Lord Chefe da Justiça.

Fiz palestras em Mordechai Rotenberg, re-biografia e Deviance, 1987, liderando palestras sobre economia, A Mais Lecture e Hayek Lecture no Instituto de Questões Econômicas. Tornei-me um funcionário da Faculdade Cambridge e professor de filosofia em várias universidades.

Eu me identifiquei com o Yossef da Torá porque, com frequência, aquilo que eu tinha sonhado de ser no mesmo momento que tinha desistido de esperar. Somente em retrospecto descobri que o Rebe não estava me dizendo para desistir dos meus planos de carreira. Ele estava simplesmente estabelecendo uma rota diferente e mais benéfica. Creio que a maneira em que escrevemos o próximo capítulo em nossas vidas afeta todas as outras que vieram antes. Pela ação no futuro, podemos redimir grande parte do sofrimento do passado.