Essa história ocorreu no antigo Egito. O povo judeu estava prosperando sob o governo egípcio,1 até que um dia um novo faraó subiu ao poder, e ele não aceitou bondosamente os judeus.2 Começou a escravizá-los, e até se sentia ameaçado pela possibilidade de que, algum dia, um bom rapaz judeu o destronasse. Por precaução, o faraó chamou as parteiras Shifrá e Puá, e ordenou-lhes que matassem todo bebê do sexo masculino que nascesse.3

As parteiras temiam a D'us, e não obedeceram. Quando foram desafiadas pelo faraó, disseram a ele que as mulheres judias eram treinadas na arte de ter filhos, e davam à luz antes que as parteiras tivessem a chance de chegar perto delas. Como recompensa pelas suas ações, D'us concedeu-lhes as dinastias do sacerdócio, os Levitas e a realeza.4 A coragem de Shifrá e Puá foi o que tornou possível o nascimento de Moshê, e o resto, como se diz, é história.

Tudo Está no Nome

Portanto quem foram essas heroínas que estavam dispostas a arriscar a vida somente para nunca mais serem mencionadas na Torá?

O Talmud nos revela o segredo e verdadeiros caracteres por trás dos nomes falsos Shifrá e Puá.5 O sábio talmúdico Rav afirma que Shifrá se referia a Yocheved (mãe de Moshê) e Puá a Miriam (irmã de Moshê).O sábio Shmuel argumentava que Puá na verdade era Elisheva (cunhada de Moshê, esposa de Aaron).

O comentarista Rashi aceita a opinião de Rav, e explica o mistério por trás dos nomes, O nome “shifrá”, diz ele, se traduz como “melhoria”, uma referência à maneira pela qual Yocheved “melhorava” os recém-nascidos limpando-os e endireitando seus membros. “Puá” significa “mimar”, uma referência a como Miriam “mimava” os nenês e os embalava.6

Um Jogo de Números

Então, quantas parteiras havia ali? Vamos voltar ao passado. Sessenta e seis homens judeus desceram ao Egito, juntamente com muitas mulheres7 Os comentários nos dizem que àquela altura da história todas as mães judias estavam tendo sêxtuplos.8 Portanto isso significaria que houve um aumento grande da nação judaica naquela época. Os números estavam crescendo tão dramaticamente que o faraó temia que logo eles estariam suficientemente fortes para empreender guerra contra o seu país!9 Então como elas faziam isso? Como apenas duas parteiras ajudavam no nascimento de todo bebê de toda mãe?

Muitos comentaristas10 oferecem uma resposta simples. Havia na verdade muitas parteiras, cerca de 500.11 Shifrá e Puá eram meramente aquelas encarregadas de todas as outras, pois eram aquelas que o faraó chamara.

Porém Rashi deixa de mencionar essa posição, e fala sobre Shifrá e Puá como se elas fossem as únicas parteiras do Egito – o que seria impossível!12 O que é ainda mais intrigante é a possibilidade de que as parteiras não eram necessárias. Como as parteiras disseram ao faraó: “As mulheres judias não são como as egípcias, elas sabem como dar à luz. Elas podem ter o filho antes mesmo que uma parteira chegue perto delas.”13 Sabemos que isso não era meramente uma desculpa que elas davam para afastar o faraó, porque ele poderia ter facilmente verificado a afirmação delas.

O Rebe explica que Yocheved e Miriam ainda tinham obrigações como parteiras, pois estavam disponíveis em caso de qualquer complicação durante um parto. Embora fossem apenas duas, sua reputação como pessoas bem nascidas e justas (que teriam ajuda de D'us se necessário) era suficiente para reassegurar toda a população de mulheres em vias de dar à luz.14

Judia ou Gentia

O que não se pode saber é se Shifrá e Puá eram de fato israelitas. O versículo diz “O rei do Egito falou com as miyaldot ha-ivriyot, uma chamada Shifrá e a outra Puá.”15 O debate aqui é se miyaldot ha-ivriyot é traduzido como “as parteiras judias” ou “as parteiras dos judeus”.

Como mencionado acima, tipicamente pensamos nelas como mulheres judias, porque Rashi diz que são Yocheved e Miriam. Além disso, Targum Onkules (a tradução aramaica da Torá) e Targum Yerushalmi (outra tradução aramaica da Torá) traduzem o versículo no seu significado direto: “parteiras hebraicas”.16 Porém, alguns comentários questionam essa opinião e sentem que não combina com o contexto da história. Rabi Yehudá Hachassid (Yehuda ben Samuel de Regensburg 1150-1217) acreditava que Shifrá e Puá eram na verdade justas convertidas, pois não faria sentido que o faraó pedisse a duas judias para matar membros da sua própria fé e família. A antologia midrashica medieval Yalkut Shimoni coloca Shifrá e Puá numa lista de justas convertidas, apoiando ainda mais a noção de que elas eram na verdade egípcias.17

O Malbim

Meir Leibush ben Yehiel Michel Wisser, mais conhecido como Malbim, foi um rabino, mestre em gramática hebraica e comentarista bíblico. Ele tinha uma abordagem diferente para toda essa história. O Malbim acreditava que Shifrá e Puá não são nomes de pessoas, mas sim nomes de profissão. Um trabalho envolvia ajudar uma mãe através do processo de trabalho de parto, e o outro em cortar o cordão umbilical e atender às necessidade do bebê. Ele declara ainda que o faraó escolheu muitas parteiras, não apenas duas, e não havia duas encarregadas de muitas. Além disso, ele diz que essas eram mulheres egípcias justas que temiam a D'us e desafiavam as ordens do faraó, e não faz menção sobre elas se converterem.

Ajudar outro judeu

A história a seguir ilustra a importância de ajudar mães judias, como foi revelado ao Baal Shem Tov.18

Quando jovem, o Baal Shem Tov viajava de cidade em cidade com um grupo de homens justos e sagrados que, disfarçados como mendigos, iam em segredo ajudar aqueles que necessitavam. Em uma dessas jornadas, o grupo estava numa cidade chamada Brody. Ali, o Baal Shem Tov viu um homem pobre curvado sob sua carga, mas com uma luz brilhante e sagrada irradiando de sua face.

O homem simples era o “risonho” da cidade por causa de seu amor por leite de cabra, e quando as pessoas o avistavam, diziam rindo: “Herschel Tzig, trog guezung,” “Herschel da cabra, carregue sua carga com saúde,”

O Baal Shem Tov perguntou na cidade sobre quem era esse Herschel da cabra. Disseram que Herschel era um homem simples, viúvo há dez anos, com dois filhos atualmente estudando na yeshivá. Ele trabalhava como porteiro, usando todos os lucros para suas quatro cabras. O Baal Shem Tov pediu ao Alto para aprender o segredo do brilho de Herschel da cabra, que cintilava tanto como o dia em que Moshê desceu com a Torá para o povo judeu. Mas o Céu não forneceu a resposta. Portanto o Baal Shem Tov jejuou e lamentou por três dias inteiros, até que o Céu finalmente revelou o mistério por trás de “Herschel da cabra”.

No terceiro dia de seu jejum, após os serviços de Minchá, o Baal Shem Tov encontrou Herschel e pediu para ir à sua casa. Herschel ficou entusiasmado ao aceitar, e levou-o até sua casa, oferecendo-lhe um copo de leite.

Então Herschel começou a contar sua história: “Dez anos atrás perdi minha esposa. Ela era sempre muito generosa com as pessoas, visitando constantemente os doentes e atendendo às necessidades das mães que acabavam ter um bebê. Durante o período de luto, minha esposa apareceu-me num sonho e contou-me da grande recompensa que esperava por ela pelos seus atos de caridade.

“Ela disse: ‘Herschel, tenho ouvido muito dos maguidim (oradores) sobre todos os problemas e tribulações que esperam por nós no próximo mundo. Mas quando as cortes celestiais perguntaram meu nome, e respondi, as almas de todos os doentes e novas mães que eu tinha ajudado apareceram. Elas imploraram em meu nome perante o trono celestial, e me foi concedido o Gan Éden (paraíso). Agora, Herschel, ouça meu conselho e faça como eu fiz e você será muito recompensado!’

“Desde então,” disse Herschel, “comprei quatro cabras e tenho cuidado delas amorosamente para produzir leite que dou às mães novas e doentes, das quais todas se curaram com ele.

“Minha esposa apareceu-me em sonho na noite passada e disse que se eu encontrar um homem pobre após Minchá que peça algo para mim, devo convidá-lo a entrar e oferecer um copo de leite, porque através dele vou merecer a salvação eterna.”

Após aprender o segredo do homem simples porém grandioso, o Baal Shem Tov tomou Herschel sob sua asa, e ele aprendeu e cresceu até ser um tsadik oculto, ajudando milhares no decorrer de suas viagens.