Parte um Gigante

Último político da geração dos pais fundadores de Israel ainda vivo, Peres, ministro em inúmeros governos trabalhistas, assumiu em várias ocasiões as funções de primeiro-ministro e a de presidente entre 2007 e 2014. Peres foi provavelmente o único líder que poderia afirmar ter conhecido, pessoalmente, todos os 21 chefes do Exército de Israel.
Aos 93 anos, se encontrava particularmente ativo através de seu Centro Peres para a Paz, que promove a coexistência pacífica entre judeus e árabes.

Shimon Peres, o líder israelense muitas vezes controverso, que atuou em grande variedade de cargos políticos e de defesa antes da fundação de Israel e que mais tarde foi o nono presidente do pais e o chefe de estado mais idoso do mundo, faleceu em Tel Aviv aos 93 anos de idade.

Como uma força influente na vida política israelense, Peres ficava afastado de muitos dos sionistas seculares que procuravam deixar o Judaísmo tradicional afastado do estado que se formava.

“Todo mundo come três vezes ao dia. Se você comer três vezes, se enche de gordura. Mas se você ler três vezes por dia, torna-se um sábio, e é melhor ser prudente do que repleto de gordura”.

Nascido em uma família rabínica na Polônia pré-guerra, no decorrer da vida Peres considerava a Torá, suas mitsvot e a fé em D'us como os próprios alicerces do povo judeu. Era uma convicção que foi reforçada, expandida e aprofundada após encontrar-se com o Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória.

Nascido Shimon Perski em 1923 em Vishnieva, um vilarejo na atual fronteira entre Polônia e Bielorússia. Peres orgulhosamente relatava que foi concebido somente depois que seus pais – Yitzchak Getzel, um abastado negociante de madeiras, e Sarah, uma bibliotecária voluntária – tinham pedido uma bênção por filhos para um Rebe chassídico.

Na infância, Shimon foi fortemente influenciado pelo avô materno, o erudito de Torá Tzvi Hirsh Meltzer, que lhe ensinava diariamente o Talmud, e cujas preces sinceras, dizia ele, o motivavam a rezar com grande devoção. Em 1943, sua família imigrou para a o Mandato Britânico da Palestina, instalando-se em Tel Aviv. Durante a emotiva recepção na estação de trem, Meltzer abraçou o neto e disse a ele: “Seja um judeu, para sempre!”. O avô, assim com muitos de sua família, pereceu no Holocausto, assassinado pelos nazistas quando usava seu talit ao marchar desafiadoramente à frente de sua comunidade para a morte dentro de uma sinagoga que foi incendiada.

“O intelecto é a maior arma do homem”, dizia

Peres cresceu e seus escritos e discursos eloquentes atraíram a atenção do fundador do Trabalho Sionista Berl Katznelson e do organizador David Ben Gurion, que mais tarde foi o primeiro a ser nomeado como primeiro ministro do Estado de Israel. Os dois o nomearam para o secretariado do Mapai, um partido socialista israelense.

Em 1945, Peres casou-se com Sonia Gellman, uma judia observante das mitsvot. O casal instalou-se no Kibutz Alumot e teve três filhos: Tzvia Valdan, doutor em filologia; Yoni Peres, veterinário, e Nehemiah Peres, engenheiro, fundador e sócio gerenciador de um fundo de investimentos.

Peres foi recrutado pela Haganá, a organização paramilitar judaica que se tornaria o âmago das Forças de Defesa de Israel, e lhe confiou missões especiais envolvendo aquisições defensivas e de pessoal, e pesquisa militar. Em seguida foi nomeado chefe do serviço naval. Após a Guerra da Independência em 1948 foi nomeado chefe da delegação do Ministério da Defesa enviada aos Estados Unidos.

Diretor Geral do Ministério da Defesa e apoiador de yeshivot

Quanto retornou a Israel em 1952, com 29 anos de idade, foi nomeado por Ben-Gurion como diretor geral do ministério da defesa. Entre suas realizações estavam os fortes laços com os estabelecimentos políticos e militares da França e da Alemanha, bem como a criação do programa nuclear de Israel.

Como resultado de seu sincero respeito pelo Judaísmo tradicional, Peres às vezes era enviado por Ben Gurion para trabalhar com líderes rabínicos sobre questões cruciais como o adiamento do serviço militar para alunos de yeshivá. Anos depois Peres relatou ao seu amigo, o jornalista David Landau, que quando estava discutindo o assunto “com os veneráveis rabinos, me sentia como se estivesse falando com meu avô.”

“Eu tinha reverência por essas pessoas,” disse Peres, “não me sentava com eles para disputar.” Peres disse que ficava impressionado pelo coerente [argumento] deles, de que durante o período da Diáspora até os czares e outros governantes tinham facilitado a existência de yeshivot. ‘Eu queria que todas as yeshivot fossem fora do pais?’ Achava que este era um poderoso argumento.”

Como resultado, foi feito um acordo segundo o qual alunos de yeshivot em tempo integral entrariam no serviço militar aos 25 anos, por um breve período de 3 meses, seguido pela reserva.

Em 1959, ele entrou na política sob a bandeira do partido de Mapai. Após ser eleito para o Knesset, foi nomeado por Ben-Gurion como suplente do Ministro da Defesa, atuando nesse cargo durante seis anos. Peres continuou como membro do Knesset durante 48 anos- a permanência mais longa na história do parlamento israelense. Atuou como ministro em 12 gabinetes diferentes e duas vezes como primeiro ministro (1984-86, 1995-96). Suas atuações o incluíram suplente do ministro da defesa (1959-1965), ministro da defesa (1974-77, 1995-96) ministro do exterior (1986-88, 2001-02), e ministro do tesouro (1988-1990).

Encontros com o Rebe

Como tantos outros líderes no estabelecimento secular político, militar, cientifico, financeiro e educacional de Israel, Peres pedia conselhos e bênçãos do Rebe. Viajou duas vezes até Crown Heights no Brooklyn para encontros face a face e escreveu numerosas cartas, além de enviar intermediários para consultas sobre temas delicados que até hoje permanecem confidenciais.

Peres saltava de um avião dizendo que "o futuro pertence àqueles que ousam". Ele pousava, penteava o cabelo e saía caminhando.

1966

Durante seu primeiro encontro, em 1966, cerca de 15 meses antes da Guerra dos Seis Dias, o Rebe alertou Peres sobre a iminente ameaça do Egito e sua opinião de que tudo poderia ser resolvido concentrando os esforços de Israel sobre o presidente egípcio Gamel Abdel Nasser. Peres descreveu o encontro, que durou mais de uma hora, como algo pelo qual tinha esperado com grande antecipação.

Depois da guerra, Peres estava entre os generais e outros famosos fotografados com tefilin, dessa forma expressando aquilo pelo qual o Rebe trabalhara para se tornar um fenômeno nacional – agradecer a D'us em reconhecimento de Sua milagrosa proteção durante a guerra, em oposição a Israel se tornar perdido em euforia e arrogância após a vitória.

1970

Na época em que ele visitou novamente o Rebe em 1970, como Ministro dos Transportes e Comunicação no governo do Partido Trabalhista de Golda Meir, o Rebe tinha repetidamente expressado em público sua opinião de que após a Guerra dos Seis Dias as tentativas de oferecer áreas militarmente estratégicas em troca de promessas vagas de paz era uma abordagem perigosa, até suicida, para conseguir a paz, e iria, D'us não o permita, somente trazer mais derramamento de sangue em Israel e aumentar o terrorismo em outras partes do mundo.

Peres, como se sabe, defendia uma abordagem romântica, esperando que de certa forma a atitude de Israel incentivasse seus inimigos declarados a agirem pacificamente. Porém Peres sabia que apesar da grave e fundamental discordância do Rebe com sua atitude, ele sempre estaria disponível para conselho estratégico sobre o bem estar de Israel, bem como para ajudar a garantir o sucesso de suas missões para salvaguardar os judeus em todo o mundo.

Numa entrevista com JEM, “Meu Encontro Com o Rebe”, Peres relembrou que o Rebe discutia com ele questões pertinentes à identidade judaica em Israel, incluindo muitos detalhes sobre os emigrados russos que estavam começando a chegar ali vin+ dos da União Soviética, e muitos outros assuntos.

A Comunicação e Educação dos jovens

O Rebe sublinhou a Peres a importância de educar a população israelense, especialmente os jovens, sobre o Judaísmo e suas tradições antigas, assegurando que isso infunde o próprio caráter de Israel. Falando sobre a oportunidade e a responsabilidade de Peres como ministro das comunicações, “o Rebe disse-me que precisamos aplicar moderna comunicação – o que na época significava rádio, telefone e televisão – como veículos para a educação judaica,” lembrou Peres.

Recordando aquele encontro, Peres disse que o Rebe “previa aquilo que o futuro reservava com a mesma clareza com a qual discernia o presente. Ele entendia muito bem nossos desafios imediatos de segurança, porém estava determinado a pensar no futuro, investindo na educação.”

No decorrer daquelas linhas, Peres disse que o Rebe “se engajava tanto no nosso presente quanto no futuro com a mesma urgência, porque eles não ousavam ser separados. Ele sentia que qualquer distância entre eles convidava ao perigo.”

Prosseguiu dizendo que o Rebe era “único na maneira pela qual fundia o espiritual e o prático.”
O jornal diário israelense Yedioth Ahronoth, cujo correspondente cobriu a visita de Peres à Sede Mundial Lubavitch no Eastern Parkway, 770 no Brooklyn, registrou na época uma reação muito simples de Peres. Ao deixar o estúdio do Rebe, ele exclamou: “Ele é o maior ser humano que já encontrei. Ele é a verdadeira grandeza!”

Caracteristicamente, a preocupação do Rebe se estendia à família inteira. Após aquela reunião, escreveu uma carta a Sonia Peres, agradecendo pelo bilhete que ela tinha enviado com seu marido, agradecendo a ela pelos votos sinceros, e enviando-lhes as bênçãos que ela tinha pedido para o casal e os filhos.

O Rebe também respondeu escrevendo ao pai idoso de Peres, descrevendo seu prazer em conhecer pessoalmente seu filho e discutir com ele assuntos de grande importância, e expressando sua esperança de que a conversa levasse a uma ação concreta.

1984

Em 1984, quando Peres escreveu ao Rebe para informá-lo dos detalhes de sua ascensão ao cargo de primeiro ministro num acordo com Yitzchak Shamir do Partido Likud, bem como para pedir a bênção do Rebe para sucesso em seu novo cargo e para o novo ano, o Rebe respondeu sucintamente, e então acrescentou um longo pós escrito.

O Rebe lembrou a Peres que 1) durante o encontro deles cerca de quinze anos antes, ele tinha orgulhosamente dito ao Rebe que ele, Peres, nasceu depois que seus pais procuraram um justo (um Rebe chassídico) pedindo uma bênção, e 2) que Peres tinha respondido à preocupação do Rebe sobre algumas questões graves na época: (“Aquele Acima certamente irá ajudar”).

O Rebe então disse a ele para cumprir seu papel numa maneira que iria satisfazer o Rebe que tinha abençoado seus pais, e numa maneira que traria a bênção de D'us agora, o que certamente é a maneira da Torá – chamada a “Torá da Vida” – e suas mitsvot.
Apesar da brecha em sua abordagem à segurança de Israel, as exortações do Rebe a Peres sobre a educação judaica continuaram a influenciá-lo, e ele implementou e apoiou numerosos programas visando à educação judaica em todo o Estado. Ele também ajudava Chabad em Israel com frequência, em sua obra de divulgar o Judaísmo a soldados e muitos outros.

Ligação com Chassidim em Israel

Talvez seja como resultado de seu profundo respeito pelo Rebe que Peres permaneceu particularmente próximo de muitos chassidim Chabad em Israel no decorrer das décadas.
Um grande amigo era o prefeito de Kfar Chabad, Rabi Shlomo Madanchik, que sempre visitava a casa dos Peres, levando um lulav e etrog em Sucot, lendo a Meguilá inteira para ele e sua esposa em Purim, levando matsá shemurah para Pêssach, e no decorrer do ano sempre atualizando os Peres com informações sobre a porção semanal da Torá.

Em 1990, Peres atacou o esforço liderado pela esquerda paraa derrubar o governo de Shanir em protesto à recusa de Shamir em negociar com os representantes palestinos. Peres conseguiu convencer parlamentares suficientes para apoiá-lo num voto de não-confiança, e o governo Shamir caiu.
Os esforços feitos por Peres para formar um novo governo, porém foram freados por dois membros do parlamento do Partido Agudat Yisrael, que se recusaram a considerar o voto no qual o governo proposto por Peres iria ser aprovado.

Eles eram considerados como agindo sem respeito pela conhecida posição do Rebe sobre o perigo mortal a Israel de concessão territorial em troca de promessas de paz.

“Para minha tristeza,” ele refletiu mais tarde, “o movimento Chabad não me apoiou politicamente, mas eu ainda valorizo a liderança do Rebe e seu tremendo impacto.”

1994

No dia 3 de Tamuz, em 1994, enquanto Peres estava atuando como Primeiro Ministro de Israel, o Rebe faleceu. Pouco depois ele escreveu uma carta pública, comovente, falando sobre o envolvimento íntimo do Rebe nas questões judaicas do mundo inteiro.
Peres escreveu: “Nos locais onde o perigo espreitava o povo judeu, seus emissários arriscavam a vida para cumprir suas missões secretas de salvar os judeus – na Rússia soviética, nos países islâmicos e em muitos outros. É em seu mérito que os rescaldos judaicos têm sido preservados naqueles lugares.”

Comentando sobre a humildade do Rebe e seu genuíno interesse em todo indivíduo, ele descreveu o Rebe como a incorporação do ensinamento de Hillel, “ama as pessoas e as aproxima da Torá”, e “O legado que ele prezava era um amor aos judeus como eles são, e a constante busca para encontrar aquilo que unia ele e os outros.”
Seu termo final como Primeiro Ministro começou em novembro de 1995, após o assassinato do Primeiro Ministro Yitzchak Rabin. Mas ele foi desempossado apenas meio ano mais tarde após os acordos de Oslo.

Como Presidente de Israel

Em 2007, com 83 anos de idade, Peres foi eleito para atuar como o nono presidente de Israel. Naquele cargo, ele viajou para comunidades judaicas em todo o mundo e conheceu em primeira mão o trabalho dos emissários Chabad-Lubavitch. Porém teve um prazer especial em ver o renascimento do Judaísmo com toda a amplitude, maravilhando-se com a manifestação da visão do Rebe como o florescimento do trabalho de muitas décadas ali.

“Vejo você, os shluchim de Chabad em muitos locais pelo mundo, dentre eles lugares remotos, hostis e esquecidos,” disse ele numa mensagem enviada aos shluchim em 2013. “Vocês são mensageiros da mitsvá do Rebe – do seu desejo de que o povo judeu continue e seja mantido como uma nação.”

Quando se aposentou em 2014, ele era o chefe de estado mais idoso do mundo.
Alguns meses antes de ele ser atingido por um derrame do qual não se recuperaria, o Sr. Peres refletiu sobre a essência do povo judeu, declarando que uma nação definida somente por lembranças do Holocausto e da criação de um estado sionista não pode sustentar a si mesma.

“Sem o Sinai, que significado a vida tem?” perguntou ele retoricamente.
Shimon Peres perdeu a esposa, Sonia, em 2011. Além de seus três filhos, ele deixou oito netos e muitos bisnetos.


Homenagens:

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel:
"Shimon dedicou sua vida para o renascimento do nosso povo. Ele era um visionário que olhou para o futuro. Ele também foi um gigante da defesa de Israel, cujas capacidades foram reforçadas em muitos aspectos".

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos:
"Há poucas pessoas com quem compartilhamos este mundo capazes de mudar o curso da história humana, não apenas sua presença em eventos humanos, mas porque elas ampliam a nossa imaginação moral e nos forçam a esperar mais de nós mesmos. Meu amigo Shimon era uma dessas pessoas. Hoje à noite, Michelle e eu nos juntamos a todos de Israel, Estados Unidos e de todo o mundo para honrar a vida extraordinária do nosso querido amigo Shimon Peres, fundador do Estado de Israel e um estadista cujo compromisso com a segurança de Israel e a busca pela paz foi enraizada em sua própria fundação moral e otimismo inabalável”. Shimon "era a essência de Israel, a coragem de Israel na luta pela independência".

Joachim Gauck, presidente da Alemanha:
"Apesar das atrocidades cometidas (pelos nazistas) contra a sua família durante o Holocausto, Shimon Peres estendeu a mão para os alemães. Por esta atitude, estamos muito gratos. Sua vida ao serviço da paz e da reconciliação pode ser um exemplo para os jovens"

François Hollande, presidente da França:
Shimon Peres pertence agora à História, que foi parceira de sua longa vida (...) Israel perdeu um dos seus estadistas mais ilustres; a paz, um dos seus mais fervorosos apoiadores; e a França, um amigo fiel.

Justin Trudeu, premier do Canadá:
"Shimon Peres foi, acima de tudo, um homem de paz. Minhas profundas condolências aos seus familiares e ao povo de Israel"

Enrique Peña Neto, presidente do México:
"Lamento a morte do ex-presidente de Israel e Prêmio Nobel da Paz, Shimon Peres. Nossas condolências à sua família e conterrâneos"

George W. Bush, ex-presidente dos Estados Unidos:
"Com sua inflexível determinação e princípio, Shimon Peres ajudou a guiar o seu amado país enfrentando muitos desafios. Mas foi por sua humanidade inata, sua integridade, que Shimon Peres inspirou o mundo e ajudou a pavimentar um caminho para a paz ampla para que as gerações futuras possam caminhar, lado a lado”.

Bill Clinton, ex-presidente americano:
“Peres foi um gênio com um grande coração. Um fervoroso advogado da paz e da reconciliação".