Uma sequência de versículos na parashá dessa semana dá lugar a uma linda passagem do Talmud – uma que encontrou um lugar no sidur. Está entre as leituras que pronunciamos após o Serviço Noturno no sábado à noite, quando o Shabat chega ao fim. Eis aqui o texto no qual é baseado: “Pois o Eterno teu D'us é o D'us dos deuses e Senhor dos senhores, o grande, poderoso e inspirador de reverência D'us, que não mostra favoritismo e não aceita suborno. Ele apoia a causa do órfão e da viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupas.” (Devarim 10:17-18)

A justaposicão desses dois versículos – o primeiro sobre a supremacia de D'us, o segundo sobre Seu cuidado pelos pobres e solitários – não poderia ser mais chocante. O Poder dos poderes se preocupa com os sem-poder. O infinitamente grande mostra preocupação pelo pequeno. O Ser no coração do ser ouve aqueles que estão às margens: o órfão, a viúva, o estrangeiro, os pobres, os rejeitados, os negligenciados. Sobre essa ideia, o professor do terceiro século Rabi Yochanan construiu a seguinte homilia (Talmud Babilônico, Meguilá 31 a): Rabi Yochanan disse: “Onde quer que você encontre a grandeza do Eterno, bendito seja, ali encontrará Sua humildade.” Isso está escrito na Torá, repetido nos Profetas, e declarado uma terceira vez nas escrituras.

Logo em seguida está registrado: “Ele apoia a causa do órfão e da viúva. e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupas.” Isso é repetido nos Profetas, como está escrito: “Assim diz o Alto e Exaltado, que vive para sempre e cujo nome é Sagrado: Eu vivo num local alto e sagrado, mas também com os contritos e humildes em espírito, para reviver o espírito dos humildes, e para reviver o coração do contrito.”

Isso é declarado uma terceira vez nas escrituras: “Canta a D'us, faz música para Seu nome, louva Aquele que cavalga as nuvens – D'us é Seu nome – e exulta perante Ele.” Imediatamente depois está escrito: “Pai dos sem pai e juiz das viúvas, é D'us em Sua sagrada habitação.”

Cuidar apenas de nós mesmos e daqueles imeditamente próximos não é “a maneira de D'us”… Ele veio à sinagoga. Ali ele encontrou membros da comunidade bem como líderes do Anglo Judaísmo. O que foi impressionante é que ele passou tanto tempo falando com os jovens que faziam a segurança quanto o fez com os importantes da comunidade inglesa.

É esta passagem que encontrou caminho ao serviço (Ashkenazita) ao final do Shabat. Sua presença ali é para lembrar que, quando termina o dia de descanso e retornamos às nossas preocupações mundanas, não devemos ser tão envolvidos pelos próprios interesses a ponto de esquecer os outros menos bem situados. Preocupar-se apenas com nós mesmos e aqueles imediatamente dependentes de nós não é “a maneira de D'us”.

Um dos aspectos mais incomuns de ser um Rabino Chefe é que chega-se a conhecer pessoas que de outra forma poderíamos não conhecer. Estes foram três momentos que causaram uma profunda impressão em mim.

De tempos em tempos Elaine e eu damos jantares para pessoas dentro, e também fora, da comunidade judaica. Geralmente, ao final, os convidados agradecem aos anfitriões. Somente uma vez, porém um convidado não apenas agradeceu como também pediu para ir até a cozinha agradecer àqueles que tinham preparado e servido a refeição. Foi um fino gesto de sensibilidade.

Não menos interessante foi quem o fez. Era John Major, o Primeiro Ministro britânico. Grandeza é humildade.

A sinagoga mais antiga na Grã-Bretanha é Bevis Marks, no coração de Londres. Construída em 1701, foi a primeira sinagoga erguida de propósito em Londres criada pelos judeus portugueses e espanhóis que foram os primeiros a retornar à Inglaterra (ou praticar seu Judaísmo em público: alguns tinham sido marranos) depois que Oliver Cromwell deu permissão em 1656 para os judeus voltarem após sua expulsão por Edward I em 1290.

Construída como a Grande Sinagoga de Amsterdã, permanece quase inalterada desde então. Somente a adição de luz elétrica marcou a passagem do tempo – e mesmo assim, em ocasiões especiais, os serviços são feitos à luz de velas como eram naqueles primeiros tempos,

O Príncipe Charles foi à sinagoga. Ali ele conheceu membros da comunidade bem como líderes do Anglo-Judaísmo. Impressionante foi que ele passou tanto tempo falando com os jovens que faziam a segurança quanto o fez com personalidades grandes do Judaísmo britânico. Por motivos de segurança, as pessoas se oferecem como voluntárias para montar guarda em eventos comunitários – parte do trabalho de uma das nossas melhores organizações, a Community Security Trust. Com frequência, as pessoas passam perto deles, mal notando sua presença. Porém o Príncipe Charles os notou, e os fez sentir importantes como todos os outros naquela ocasião festiva, Grandeza é humildade.

Sarah Levene (não é seu nome verdadeiro) faleceu tragicamente jovem. Ela e o marido foram abençoados por D'us com grande sucesso. Eram ricos, porém não gastavam o dinheiro com eles mesmos. Faziam tsedacá em grande escala – dentro e fora da comunidade judaica, na Grã-Bretanha, Israel e em outros locais. Estavam entre os maiores filantropos de nosso tempo.

Quando ela morreu, dentre aqueles que ficaram mais tristes estavam os garçons e garçonetes de um famoso hotel em Israel onde eles costumavam se hospedar.

Transpirou que ela tinha chegado a conhecer todos eles – sua origem, qual era a situação da família, as dificuldades que estavam enfrentando, os problemas que viviam. Ela se lembrava não apenas dos seus nomes como também os nomes de seus cônjuges e filhos. Sempre que algum deles precisava de ajuda, ela assegurava que o auxíilio viesse, em silêncio, sem pompa. Era um hábito que ela tinha onde quer que fosse.

Após sua morte descobri como ela e o marido tinham se casado. Ele era mais velho que ela, um amigo de seus pais. Ela teve algumas semanas livres no verão antes de começar o ano acadêmico, e o Sr. Levene (não é seu nome verdadeiro) deu a ela um emprego de verão. Certa noite, após o trabalho, eles estavam indo para a casa dos pais dela para um jantar. Na rua, passaram por um mendigo. O Sr. Levene conscientemente tirou do bolso uma moeda e a deu ao homem. Quando continuaram a andar, Sarah pediu a ele que lhe emprestasse algum dinheiro – uma soma grande, que ela prometeu pagar ao final da semana, quando recebesse o salário. Ele emprestou. Ela então correu de volta até o mendigo e lhe deu o dinheiro. “Por que fez isso?” perguntou ele. “Eu já tinha dado algum dinheiro a ele.” “Aquilo que você lhe deu era suficiente para ajudá-lo hoje, mas não faria uma diferença em sua vida.”

Ao final da semana, o Sr. Levene pagou a ela o salário. Ela devolveu a maior parte do dinheiro, para pagar a soma que ele tinha emprestado. “Aceitarei o dinheiro,” disse ele, “porque não quero roubá-la de sua mitsvá.” “Porém” – como ele próprio me contou depois da morte dela, “Foi então que decidi pedi-la em casamento – porque seu coração era maior que o meu.”

No decorrer do casamento deles, gastaram tanto tempo e energia doando dinheiro para causas de caridade quanto dispendiam para ganhá-lo. Eram responsáveis pela maior parte dos projetos educacionais, médicos e ambientais de nosso tempo. Tive o privilégio de conhecer outros filantropos – mas nenhum que soubesse os nomes dos filhos dos garçons dos hoteis onde se hospedavam; nenhum que se preocupasse tanto por aqueles que mal se destacavam, ou alguém que doasse mais silenciosamente, com mais eficácia e mais humanamente.

Grandeza é humildade

Esta ideia – contra-intuitiva, inesperada, que muda a vida – é uma das maiores contribuições da Torá à civilização ocidental e é dita nas palavras de nossa parashá, quando Moshê contou ao povo sobre “o D'us dos deuses e Senhor dos senhores, o grande, poderoso e D'us inspirador de reverência”, cuja grandeza não está apenas no fato de que Ele foi o Criador do universo e moldou a história, mas aquele que apoia a causa do órfão e da viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa.” Aqueles que fazem isso são os verdadeiros homens e mulheres de D'us.

Dentro de todo este brilho circundante, eu me vi elevado por alguns momentos extraordinários com as crianças nesses últimos dias. Compareci ao Prêmio dos Filhos da Coragem, reconhecendo alguns dos jovens heróis do nosso tempo. Um menino de sete anos que cuida da mãe com esclerose múltipla. Um menino de dez anos que angaria dinheiro para enviar presentes aos soldados ingleses no Oriente Médio. Duas meninas que apóiam a irmã em sua batalha contra a leucemia. Eles tiveram um dia maravilhoso, conhecendo o Primeiro Ministro e astros da TV, e receberam o prêmio das mãos do Príncipe Harry. Nos encontramos com alguns dos escolares com quem tínhamos ido numa visita a Auschwitz semanas atrás. Queríamos ouvir o que eles sentiram depois que tiveram tempo para refletir. E fiquei comovido pela profundidade de seu compromisso em lutar contra o preconceito e o ódio.

No começo dessa semana conheci uma menina de doze anos que tinha acabado de fazer seu bat mitsvá, que tinha pedido à família e aos amigos que não lhe dessem presentes, mas enviassem o dinheiro para uma organização de caridade, algo que estamos encontrando cada vez mais em nossa comunidade.

E à medida que procuramos fontes renováveis de energia, pergunto-me se não perdemos o que está mais à mão: a energia gerada por altos ideais, especialmente entre os jovens. As crianças crescem para preencher o espaço que criamos para elas, e se for grande, elas crescem e ficam altas. Porém se as transformarmos em mini-consumidores, estamos as roubando da chance de grandeza, e ainda não encontrei uma criança que não seja capaz de grandeza se tiver a oportunidade e encorajamento.

Falo muito em público, e as pessoas às vezes me perguntam quem me ensinou. A resposta é simples. Fui a uma escola cristã com muitos alunos judeus mas nenhum professor judeu. Portanto tínhamos de fazer a assembleia judaica nós mesmos, e foi assim que aprendi quando adolescente como falar em público, porque alguém me deu a chance. Foi a melhor lição de educação que jamais tive.

O Judaísmo é uma religião focada na criança. Minhas primeiras lembranças são de colocar a coroa no Rolo da Torá na sinagoga, indagar as quatro perguntas de Pêssach durante o sêder. acender as velas de Chanucá... O Judaísmo continuou jovem porque fez heróis entre os jovens. O melhor presente que podemos dar aos nossos filhos é a chance de fazer algo notável. É um presente que durará a vida toda e transformará a vida deles.