Um dos conceitos mais eloquentes no pensamento místico é o fenômeno microcosmo/macrocosmo. O ser humano é um “universo em miniatura”, refletindo todo aspecto do mundo em geral, e o universo é um organismo gigante.

O motivo para essa conexão intrínseca entre seres humanos e o universo é porque o universo foi criado para que nós o refinemos e elevemos. Assim, uma cópia de todo detalhe do universo existe dentro de cada ser humano. Ao refinar aspectos diferentes da nossa vida pessoal, também refinamos cada dimensão respectiva correspondente no universo.

De certa maneira isso introduz uma dimensão inteiramente nova no princípio antrópico. O princípio antrópico declara que vivemos num universo bem sintonizado para permitir a existência da vida como a conhecemos. O universo parece ter sido feito sob medida para a vida humana. Se quaisquer uma das constantes físicas básicas fossem diferentes, então a vida como a conhecemos não seria possível. O conceito do microcosmo explica que o ser humano e o universo são cópias entrelaçadas e interdependentes entre si.

Saber que somos um microcosmo do universo também nos habilita a lidar com os eventos do mundo acontecendo ao nosso redor. Embora sutil, a harmonia em nossa vida pessoal ajuda a trazer harmonia ao mundo. Talvez não possamos sentir o “efeito borboleta” do nosso comportamento sobre o universo, e seu efeito nem sempre é direto e aberto. Apesar disso, aprendemos com absoluta certeza que nossas ações têm um efeito cascata no mundo. Portanto, não somos vítimas das circunstâncias dos eventos do mundo; temos o poder de mudá-lo mundo. Assim como nos refinamos, de alguma maneira também refinamos o universo.

Essa mensagem é poderosamente relevante hoje, quando lutamos para entender as complexidades do mundo ao qual fomos subitamente jogados. A resposta à maior pergunta de todas: “O que posso fazer sobre os conflitos do nosso tempo?” é que nossas escolhas pessoais nos ajudam a afetar os eventos globais. Obviamente, devemos primeiro entender a raiz da alma dos atuais levantes para que possamos reconhecer seus paralelos espelhados em nossa vida pessoal. Podemos então, por nossa vez, reparar ou refinar aquela área específica de nossa vida.

As atuais batalhas no Oriente Médio e no resto do mundo refletem em seu contexto a rejeição dos alicercer da civilização que nos foi outorgada no Sinai há mais de 3 mil anos, especificamente a proibição absoluta contra o assassinato.

Para entender claramente os eventos atuais precisamos voltar às suas raízes. Como disse Churchill: “Quanto mais longe no passado se puder olhar, mais adiante você pode enxergar.”

O Sinai é chamado Tiferet. Ele nos dotou com a capacidade de fundir o sagrado e o secular, e atingir o equiilíbro adequado ente espírito e matéria. Ao rejeitar o Sinai, as nações demonstraram que ainda não estavam prontas para aceitar a fórmula para a completa integração entre céu e terra. Mas com a passagem do tempo, eles abraçariam o Sinai, embora com muitas reservas e distorções.

Ali estão as raízes espirituais dos conflitos de hoje. As nações do mundo têm de uma vez por todas abraçar o legado do Sinai – o projeto Divino para vivermos nossa vida, e como coexistir com os outros, mesmo quando são de diferentes origens, cor, credo e convicções.

Especificamente a mensagem do Sinai deve ser abraçada no que diz respeito ao método adequado de integrar as crenças espirituais/religiosas com um mundo material e secular, sem que um destrua o outro, o que tem acontecido com frequência na história.’De maneira alguma esta lição é limitada aos filhos de Ishmael (as nações árabes/muçulmanas). Inclui também o Ocidente cristão e outras nações do mundo, de fato, como ainda não temos um mundo no qual “as espadas serão transformadas em arados”, todos os povos, incluindo a nação judaica, são responsáveis por ensinar e disseminar a ordem do Sinai, até que se torne o fator que define como viver nossas vidas. Equilibio, harmonia – Tiferet – é o ponto-chave.

Como isso se traduz na nossa vida pessoal?
Usarei um exemplo pessoal.

Há poucas semanas escrevi um artigo (Você é Amado) no qual partilhei a história de um homem que nunca foi amado quando criança. Infelizmente, isso se tornou um fenômeno comum nos nossos tempos. Muitas pessoas jamais receberam a criação saudável a que toda criança tem direito. E então, pelo resto da vida eles ficam numa busca deseperada por aquele amor perdido. A profunda solidão, a autocrítica que isso causa, são impossíveis de descrever. Neste artigo, afirmei que um dos elementos importantes da intervenção tem de incluir o fato de que nosso verdadeiro valor vem de dentro – da nossa alma, não de nossos pais ou de outras pessoas.

Quuando descrevi como as palavras doloridas desse homem solitário quebraram meu coração, mencionei que vesti “uma armadura de ferro” para não chorar.

Recebi alguns e-mails perguntando por que a “armadura de ferro”? “Não teria sido mais apropriado mostrar a ele amor e sensibilidade, em vez de se afastar e se proteger?” foi a pergunta que recebi. Um escritor disse dessa maneira: “Acho que aquele homem teria recebido mais do seu coração partido que da sua armadura de ferro. As pessoas como nós já têm suficientes armaduras e com o devido respeito, a necessidade de uma armadura de ferro é para você, não para nós. Já conhecemos esses sentimentos e temos lidado com o sofrimento deles durante anos e tentado viver algo parecido com uma vida, apesar deles.”

Legítimo, um ponto muito legítimo.

No entanto, não partilhei a história inteira, que é por que acabei parecendo insensível como pareci. Eu esperava que ninguém iria me acusar de ser grosseiro, mas vejo que se você não escreve todos os detalhes, suas intenções podem ser mal-interpretadas.

Portanto, permita-me dizer isso. A toda vez que alguém me consulta sobre um assunto emotivo pessoal, vejo-me enfrentando um dilema. Por um lado, você deve mostrar profunda empatia. Por outro lado, se você é sensível, em sua empatia pode às vezes ser dominado pela emoção quando se coloca no lugar da pessoa que foi magoada, e você revive as experiências dela. Quando você é tão atingido, fica difícil manter sua compostura numa maneira que lhe permita oferecer apoio objetivo.

Devo confessar que ainda tenho de dominar esse equilíbrio. Algumas vezes fico tão comovido pelo sofrimento e perda de outra pessoa, que não consigo me afastar e dar uma opinião adequada. Daí a necessidade de uma “armadura de ferro”, não apenas para me proteger, mas principalmente para me manter em uma relativa distância para apresentar uma perspectiva nova e poder ajudar.

O equilíbrio necessário entre empatia (chessed/bondade) e distância (guevura/severidade) é um exemplo de Tiferet. Há aqueles que ficam tão próximos emocionalmente de um cliente que não podem mais dar bons conselhos. Há aqueles profissionais que estão tão distantes e afastados que seus clientes não podem se identificar com eles.

Praticamente toda área da vida tem de uma maneira ou outra o conflito entre esses dois polos. Veja os relacionamentos. Para que um relacionamento seja sadio, você precisa equilibrar-se entre dois extremos. 1/Proximidade e intimidade, 2/ Limites.

Um relacionamento é guiado pela proximidade entre duas pessoas, Mesmo assim, muitas vezes vemos que pessoas podem se destruir com amor. Você pode amar outra pessoa e não saber como oferecer isso de uma maneira que o outro possa contê-lo. O amor também pode apagar os limites. Para o amor ser completo a individualidade de cada pessoa não pode ser comprometida.

Como você equilibra entre intimidade e limites? Tiferet é a resposta. Tiferet mescla e harmoniza o transbordar de amor de Chessed com a disciplina de Guevura. Tiferet possui este poder introduzindo uma terceira dimensão – a dimensão da verdade, que não é amor nem disciplina, e portanto pode integrar os dois. Tiferet é sobre olhar para o que é certo e verdadeiro, em vez daquilo que está lá para você.

A verdade é acessada por meio do altruísmo (bitul, anulação); elevando-se acima do seu ego e suas predisposições, permitindo que perceba a verdade. A verdade lhe dá um quadro claro e objetivo das suas necessidades e das necessidades dos outros. Essa qualidade dá nome a Tiferet, que significa beleza: mistura-se com as cores diferentes de amor e disciplina, e esta harmonia o torna belo.

Esse equilíbrio definitivamente tem peso quando se trata de assuntos religiosos. Muitas vezes (desejamos que não fosse tão comum) as pessoas ficarem tão apegadas aos seus princípios religiosos que comprometem o respeito pelas outras pessoas. Certo, os princípios religiosos são absolutos e incluem a responsabilidade de censurar o próximo. Porém, há leis muito específicas sobre como essa censura deve ocorrer, e jamais é sobre invalidar outro ser humano e sua autonomia, e nunca sobre julgar outra pessoa (“Sempre olhe para as pessoas com mérito” – “Não julgue o outro até que você esteja em seu lugar”).

Deve sempre vir com respeito, e acima de tudo, deve-se tomar muito cuidado para não permitir que sua personalidade interfira. Antes de falar sobre as faltas de outra pessoa, você deve assegurar que suas intenções são absolutamente puras – não vindas da sua fraqueza, insegurança, sua necessidade de criticar, sua maldosa observação da falha de outro ser humano.

Finalmente, esse equilíbrio Tiferet se origina de nosso relacionamento com D'us, que também precisa de um equilíbrio entre amor e reverência (Ahavat Hashem e Yirat Hashem). Um relacionamento com D'us precisa sentir um senso de proximidade e amor (ahava, chessed) e senso de reverência e distância (yirah, guevura), reconhecendo que D'us está além de nós.

Todos os nossos conflitos chegam a um equilíbrio entre esses dois polos. Incluindo nossa suprema luta entre o material e o espiritual, entre o sagrado e o secular.

É mais fácil optar por um polo ou pelo outro. Escolher espiritualidade ascética ou imersão material. Porém, uma vida saudável somente é possível quando equilibramos e integramos os dois mundos. Este é o desafio do nosso tempo – tanto pessoal quanto global. Especialmente à luz de nossas conquistas tecnológicas, um grande esquismo tem emergido ente nossa prosperidade material e vida fácil e os nossos problemas pessoais e psicológicos, entre a unidade tecnológica sem precedentes e a desunião pessoal sem paralelos.Todos nós temos, em microcosmo, o conflito entre alma e corpo. Entre religião e sensibilidade. Entre D'us e o universo.

Da próxima vez, antes de você julgar alguém, pense sobre o efeito cascata que isso tem sobre o mundo. Sim, você pode não ser um terrorista ou estar cometendo outra atrocidade. Porém, até falar mal sobre os outros é chamado uma forma sutil de “assassinato”.

O Baal Shem Tov nos diz que somos como espelhos. Todo evento que vivemos é na verdade um reflexo da nossa própria vida. Isso vem nos ensinar uma lição que precisamos aprender e consertar. Quando vemos os eventos globais abalando o mundo, eles também devem abalar nosso mundo interior. Embora não possamos comparar nossas próprias iniquidades com os terríveis eventos no Oriente Médio, devemos tirar lições desses eventos que nos ajudem a desenvolver a própria sensibilidade. Lições que nos ensinem a enfrentar nossas próprias batalhas – em nossa busca pelo equilíbrio e harmonia. E então aprendemos que nosso esforço individual muda o mundo. Quando mudamos o microcosmo, o macrocosmo é diretamente afetado.

Maimônides escreve: uma pessoa deve ver a si própria e ao mundo como igualmente equilibrados nos dois lados da balança; ao fazer uma boa ação, ela inclina a balança e traz para si e para o mundo inteiro a redenção e a salvação (Leis do Arrependimento, 3:4). Se cada um de nós melhorar seu próprio equilíbrio Tiferet, mudaríamos a paisagem do mundo. Afinal, o mundo é simplesmente bilhões de indivíduos iguais a você e a mim.