Há quinze anos, observei um Pêssach no Japão.
Foi algumas semanas antes de Pêssach de 1997. Rabino Moshê Kotlarsky da Sede Mundial de Chabad no Brooklyn pediu a um colega e a mim que viajássemos ao Oriente para conduzir o Seder de Pêssach público para a comunidade judaica vivendo na remota cidade de Kobe. Nossa viagem ao Japão e os numerosos encontros com centenas de judeus residindo naquela parte do mundo continuam entranhos em meu coração.
Meu amigo, Moshê Leiberman (hoje rabino em Boston), supervisionou os meticulosos procedimentos de casherizar a cozinha da sinagoga para Pêssach e preparar a comida para o Seder. Não sabíamos quantas pessoas esperar: há judeus errantes que são encontrados em todos os cantos do Japão. Para nossa surpresa, a maioria deles de origens muito seculares, alguns não compareciam a um Seder de Pêssach há décadas.
A energia era grande. Cantamos, dançamos, comemos a matsá crocante e tomamos o saboroso vinho. Os convidados estavam empolgados, mastigando tanto as discussões quanto o delicioso jantar.
No meio do Seder eu estava procurando palavras para descrever meus sentimentos. Minha memória trouxe à tona uma comovente história chassídica – uma das minhas favoritas – sobre o sagrado Rebe (mestre espiritual) de Berditchev.
Aqui está.
O Seder de um Bêbado
Rabi Levi Yitschak de Berditchev (1740-1810) foi um dos grandes mestres espirituais de sua geração. Num certo Pêssach, após um seder emocionante, o Rebe foi informado que o Seder mais apreciado nos Céus foi aquele celebrado por Moshele, um carregador de água de Berditchev.
No dia seguinte após os serviços, os discípulos do Rebe foram até Moshele, o carregador de água, e lhe pediram para ir ver o Rebe. Moshele chegou perante o Rebe, e começou a chorar amargamente. Disse: “Rebe, jamais farei isso outra vez. Estou tão arrependido; não sei o que me aconteceu.” O pobre homem estava arrasado.
O Rebe disse: “Ouça, meu querido judeu, não se preocupe tanto; apenas nos diga o que fez na noite passada.”
Aqui precisamos interromper a história por um momento. Sabe-se que geralmente, intoxicação e alcoolismo são vistos no Judaísmo como repulsivos e destrutivos. Porém nosso querido Moshele ficou órfão ainda pequeno e era miseravelmente pobre. Ele infelizmente sucumbiu à tentação do álcool como uma maneira de lidar com sua agonia e estresse. No fundo, Moshele era um homem bom e inocente, um indivíduo temente a D'us e um coração puro, mas sua tentação, infelizmente, levou o melhor dele, fazendo-o beber com frequência.
O “problema” é que em Pêssach não se pode beber uísque. Portanto Moshele teve uma ideia tremenda: ficaria acordado a noite inteira antes de Pêssach e beberia uma quantidade de uísque que o deixasse “alto” durante oito dias seguidos, durante toda a Festa. Isso foi o que Moshele fez: quando chegou a noite anterior a Pêssach ele bebeu e bebeu, até o minuto em que se teve que parar de comer chamats (fermento) na manhã anterior a Pêssach. Quando o relógio bateu vinte minutos após as nove horas, ele tomou seu último “L’chaim” e relaxou.
Chegou a noite do Seder. A mulher dele foi acordá-lo e disse: “Moshele, não é justo. Todo lar judaico tem um Seder. Temos filhos pequenos, e somos os únicos que não têm um Seder.”
Moshele olhou para o Rebe de Berditchev e continuou relatando sua história:
“Naquela hora, me arrependi por ter bebido tanto na noite anterior! Eu me arrependi! Teria feito qualquer coisa para não ficar bêbado. Mas não pude evitar. Portanto disse à minha mulher: ‘Por favor, me acorde daqui a uma hora. Ainda não consigo ficar em pé.’
Minha mulher ficou me acordando de hora em hora, e depois a cada meia-hora. Então, de repente, ela chegou e disse: “Moshê, daqui a vinte minutos a noite do Seder irá embora e as crianças estão todas dormindo. Você é um lixo de pai e marido!”
“Guevald! Fiquei tão arrasado,” disse Moshele ao Rebe. “Veja, meus filhos são tão preciosos que não tenho palavras, e sou um mau pai, um alcólatra, nem sequer dei um Seder a eles. Percebi o quanto tinha decaído, como meu vício destruiu minha vida e meus relacionamentos, como vendi minha alma ao demônio do álcool. Portanto, com minhas últimas forças levantei-me da cama e sentei-me à mesa do Seder. Disse à minha mulher: “Por favor, chame nossos sagrados filhos.”
Ela chamou as crianças e eu disse a elas: “Por favor, sentem-se perto de mim, preciso falar com vocês. Quero que saibam, meus filhos, que estou arrependido por ter bebido, Estou muito triste por ser um bêbado. Se minha bebida não me deixou ter um Seder com vocês, então isso não vale a pena.”
Eu disse aos meus filhos: ‘Prometo a vocês que nunca mais beberei novamente na vida. Mas agora, é a noite do Seder, portanto deixem-me contar a vocês a história de Pêssach em poucas palavras.”
Moshele disse ao Rebe: “Sabe, eu ainda estava bêbado, e mal sei ler em hebraico. Mas tentei fazer o melhor possível. Eu disse: “Filhos, quero que saibam que D'us criou céu e terra em sete dias. Então Adam e Eva comeram da Árvore e foram jogados para fora do Paraíso. Desde então tudo foi montanha abaixo: houve um dilúvio, houve a Torre de Babel – aquilo era tudo que eu sabia. Então vieram Avraham e Sarah, Isaac e Rebeca, Jacob e Raquel e Leah e seus doze sagrados filhos. Então o faraó nos fez escravos, e esta noite, D'us nos tirou do Egito.
“Meus queridos filhos, agora também estamos no exílio. E quero que vocês saibam, que o mesmo D'us que nos tirou do Egito ainda está vivo e presente e em breve Ele nos libertará deste exílio também.”
Voltei-me para D'us e disse: ‘Pai do Céu, obrigado por nos tirar do Egito. E eu Te imploro, doce Pai, por favor nos tire do nosso atual exílio em breve!’ Rebe, sinto muito, não pude dizer mais nada porque ainda estava bêbado. Peguei a matsá, mator e charosset sobre a mesa e os comi. Enchi quatro copos e os bebi um depois do outro, virei-me e adormeci novamente.”
O sagrado mestre Rabi Levi Yitschak de Berditchev estava chorando lágrimas amargas. Disse aos seus discípulos: “Vocês ouviram isso? Foi assim que Moshele, o carregador de água, fez a noite do Seder para seus filhos. Espero que uma vez na minha vida eu consiga conversar com D'us como Moshele fez durante este Seder.”
História de Uma Mulher
Concluí a história e então disse:
“Quero que vocês saibam que celebrei muitas noites de Seder numa comunidade muito observante em Nova York. Porém tenho a sensação, que o Seder mais amado por D'us foi aquele feito aqui em Kobe, Japão! Muitos de nós esta noite podem não conhecer os rituais e costumes detalhados do Seder, e portanto muitos de nós podem nem sequer saber como ler a Hagadá em hebraico. Mas, meus queridos irmãos e irmãs, a sinceridade e a paixão de tantos judeus sedentos para se reconectar com sua alma interior – isso jamais tinha visto antes durante um Seder de Pêssach, e agradeço a vocês por me proporcionarem essa oportunidade especial.”
Senti que a história tinha provocado profunda emoção na plateia. Podia ver lágrimas nos olhos de algumas pessoas. Mas havia uma mulher sentada no outro canto da sala e ela estava chorando profusamente. Mais tarde ela aproximou-se de mim e relatou sua história pessoal:
“Cresci num lar profundamente assimilado,” disse ela. “Eu não sabia quase nada sobre o Judaísmo. Estou morando aqui no Japão há mais de vinte anos, trabalhando como professora e envolvida nas disciplinas místicas do Oriente.”
Ela relatou-me que estava desinteressada em comparecer ao Seder, pois se sentia completamente alienada do Judaísmo, porém uma amiga a persuadira a vir.
“A única coisa que me lembro sobre o Judaísmo,” continuou ela, “era que minha avó sempre me dizia que eu tenho uma conexão espiritual especial. Por quê? Porque você é a décima geração de Rabi Levi Yitschak de Berditchev.”
“Quem é Rabi Levi Yitschak de Berditchev? Isso minha avó nunca soube. Ela sabia apenas que ele era um grande homem que vivera na Europa Oriental. E ela insistia para que eu sempre guardasse na memória este pedaço da história. Portanto obrigada, Rabino, por servir como mensageiro do meu sagrado avô e trazer-me de volta a esta noite de Pêssach,” disse a mulher.
Enxuguei uma lágrima do meu olho e agradeci ao Todo Poderoso por me enviar ao Japão para Pêssach.
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