Conta a história que em 12 de abril de 1945, Harry S. Truman foi chamado à Casa Branca. Levado até a sala de Eleanor Roosevelt, ela informou ao vice-presidente que seu marido, o Presidente Roosevelt, tinha morrido.
“Posso fazer alguma coisa pela senhora?” perguntou Truman após um instante de reflexão.
“Posso fazer alguma coisa por você?” respondeu Eleanor. “É você que está com problemas agora!”
Transformação de um irmão
Yossef não podia conter as lágrimas, e nós também não podemos, quando lemos todo ano a história de como após um feudo e separação que durou vinte e dois anos, o Primeiro Ministro do Egito, Yossef, revela sua verdadeira identidade aos irmãos que certa vez tinham tentado matá-lo e vendê-lo como escravo 1.
Não menos comovente é o discurso apresentado por Yehuda, obrigando Yossef a revelar-se aos seus irmãos.
Todos estamos familiarizados com s história: após ter sua taça de prata colocada no alforje de seu irmão Beniamin, Yossef o acusa de roubo, e convoca o “ladrão” Beniamin para ser seu escravo. Yehuda procura o vice-rei do Egito, sem saber que este era Yossef, e explica a ele que de maneira alguma poderia retornar a Yaacov, seu pai idoso, sem o jovem Beniamin.
A Torá transcreve a exata apresentação de Yehuda 2:
“E agora se eu for ao teu servo, meu pai, e o rapaz [Beniamin] não estiver conosco, e sua alma está tão ligada com a alma dele, quando ele vir que o rapaz se foi, ele morrerá. E teus servos terão provocado a que os cabelos brancos de teu servo, nosso pai, sofra e vá para o túmulo.
“Porque teu servo [Yehuda] assumiu responsabilidade pelo rapaz [Beniamin] de meu pai, dizendo: ‘Se eu não o trouxer a ti, então terei pecado contra meu pai, para sempre.’
“Agora, deixa teu servo [Yehuda] ficar no lugar do rapaz como servo para meu senhor, e deixe o rapaz ir com os irmãos…”
Vinte anos antes, o mesmo Yehuda disse aos seus irmãos 3: “O que ganharemos se matarmos nosso irmão [Yossef] e escondermos seu sangue? Vamos vendê-lo aos árabes e não feri-lo com nossas próprias mãos.”
Os irmãos concordaram. Yossef foi vendido e levado ao Egito como escravo, onde, anos depois, se tornou vice-rei do país. Agora, quando o irmão mais jovem de Yossef, Beniamin, está para ser levado como escravo, Yehuda se oferece no lugar dele. Ocorreu uma metamorfose. O tempo é propício para reconciliação e renovação. Yossef se reúne com sua família. Porém há mais.
O Presente da Realeza
A tradição afirma que a realeza na nação judaica pertence basicamente aos descendentes de Yehuda4. Obviamente, houve muitos monarcas que descendiam de outras tribos de Israel, como o Rei Saul da tribo de Beniamin, ou Yeravaam da tribo de Yossef. A dinastia hasmoneana, responsável pela Festa de Chanucá, era da tribo Levita. Porém, como Yaacov disse ao seu filho Yehuda no leito de morte, o presente da realeza foi conferido especificamente sobre ele e seus descendentes 5; a qualidade de liderança foi imbuída na própria química psicológica e espiritual dos descendentes de Yehuda, produzindo no decorrer das gerações numerosos líderes e reis, desde os monarcas da dinastia davídica até Mashiach, que também será um descendente de David, o tetraneto de Yehuda 6.
Mas por quê? O que Yehuda fez para merecer isto? Foi por que ele foi o único que salvou Yossef de morrer num fosso vendendo-o como escravo? Foi por causa da sua coragem de confessar publicamente que ele foi o homem que engravidou Tamar 7?
Certamente, mas houve algo mais, podemos sugerir. Foi a declaração de Yehuda na porção dessa semana, Vayigash: “Porque teu servo assumiu responsabilidade pelo rapaz,” que talvez mais do que tudo demonstrou que o dom da liderança pertencia à alma desse homem.
Veja, apesar de sua inabalável promessa ao pai de trazer Beniamin de volta, Yehuda poderia ter retornado sem o rapaz, repleto de boas desculpas. “Não havia como lutar contra o vice-rei do Egito, o superpoder do mundo;” ou “Eu sei que prometi trazê-lo de volta, mas nosso querido irmão resolveu roubar a majestosa taça de prata da pessoa mais poderosa do mundo… então o que eu deveria fazer?” Ou “D'us aparentemente queria que Beniamin permanecesse lá, depois que a taça do vice-rei ‘milagrosamente’ apareceu na bolsa de Beniamin”; “ser escravo do vice-rei do Egito – nosso irmão Shimon pode relatar a nós – não é tão ruim, ele trata seus empregados com enorme dignidade 8.”
“Sim, é terrível, mas o que eu poderia ter feito? O auto-sacrifício pode ajudar você a pular do telhado para o chão, não a pular do chão para o telhado!”
Estas são partes das desculpas que Yehuda poderia ter dado, e teria sido (pelo menos parcialmente) correto. Não se pode fazer muito para lutar contra a realidade. Eles encontraram a taça do Primeiro Ministro na bolsa de Beniamin e Yehuda não era o culpado.
Mas Yehuda era um líder. Ele sentia nos ossos a absoluta e total responsabilidade por uma situação, e não passaria o problema a outros, nem mesmo àquilo que pode ser percebido como “realidade”. Como um líder genuíno, Yehuda ergueu-se e proclamou: “Porque teu servo assumiu responsabilidade pelo rapaz!” Sim, posso encontrar muitas maneiras de me vingar, mas o trabalho não será feito. Não se trata de mim – minha inocência ou culpa, meu mérito ou meu erro; trata-se de cumprir a missão: Beniamin deve voltar para o seu pai. É isso que faz um líder.
Desculpas vs. Ação
Vivemos numa geração em que muitas boas desculpas têm sido dadas para nossa fraca demografia e para a continuidade judaica se tornar uma espécie ameaçada. Muitos sociólogos têm, no decorrer dos últimos 50 anos, explicado alguns dos motivos para a assimilacão em massa, casamentos mistos, ignorância, impropriedade sexual, apatia e conflito dentro da comunidade judaica e na geral. O Holocausto, o secularismo a modernidade, falha da religião institucionalizada, o antissemitismo, hipocrisia de líderes religiosos, monotonia do ritual, liberalismo e, claro, a extraordinariamente a bem-sucedida integração dos judeus no estilo de vida moderno. Os muros do gueto, físicos e conceituais, finalmente ruíram.
Como frequente viajante para convenções judaicas e retiros em todo o mundo, tenho ouvido palestras e trabalhos analisando os desafios singulares de nossos tempos e as várias crises que ameaçam nosso futuro. Todos eles mostram pontos bons e fortes. Porém eu tenho também o privilégio de ver um “Yehuda”, que alguns anos após a incompreensível destruição de Auschwitz e Treblinka, levantou-se e declarou: “Teu servo assumiu responsabilidade pelo rapaz.” Eu, teu servo, assumi responsabilidade pessoal pela comunidade judaica coletiva e por todo indivíduo judeu.
Nas quatro décadas que seguiram este homem, um herdeiro biológico de Yehuda, não dormiria nem permitiria que ninguém dormisse. Sozinho ele habilitou milhares e milhares a parar de passar a responsabilidade, ou aliviar a consciência meramente fazendo uma contribuição a uma causa nobre. Ele os inspirou a assumir responsabilidade pessoal pelo bem-estar, continuidade e pela eternidade do povo judeu. Não permita que “a realidade”, ele sempre ensinou, decida o futuro do povo judeu. Assuma responsabilidade pelo rapaz! Não descanse até que toda criança judia do mundo tenha a oportunidade de ser libertada da escravidão espiritual, de sua subjugação a forças estranhas à sua essência, e, exatamente como Beniamin, possa retornar ao seu Pai no céu.
Todo ano neste Shabat, quando ouço as palavras “Teu servo assumiu responsabilidade pelo rapaz” lidas em voz alta no Rolo de Torá, meus olhos ficam velados de lágrimas. Na minha imaginação ainda vejo meu Rebe, seu rosto brilhando, ensinando durante horas, mas sempre culminando com essa forte mensagem.
“Você e eu devemos assumir responsabilidade pelo rapaz!” Não lamente, kvetch, suspire e preencha um cheque. Não se contente em organizar conferências e analisar todos os problemas. Em vez disso, saia da sua zona de conforto e toque o coração de outra pessoa. Construa comunidades, escolas, sinagogas e yeshivot. Envolva-se e faça uma diferença na vida das pessoas. Dê a cada criança judia o presente de uma educação de Torá. Ajude as pessoas a entrar em contato com suas almas judaicas e seu legado espiritual. E acima de tudo, preocupe-se com o outro como se fosse seu próprio irmão.
“Você pode ter boas desculpas para sua falta de ação,” ele sempre dizia, e ninguém vai culpá-lo.” Porém o principal é que após toda a sua racionalização a criança Beniamin, continuará escravizada pelo Egito e sua cultura.
Em nossos tempos, com frequência sem líderes e sem metas, devemos fazer nosso o chamado de Yehuda. “Teu servo assumiu responsabilidade pelo rapaz.” Nós também devemos.
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