O Rambam, em seu livro Hilchot Teshuvá (3:4), escreveu: ‘O Shofar é um decreto da Torá, mas também transmite uma mensagem para nós: ‘Acordem, dorminhocos, examinem seus atos, se arrependam e lembrem-se de seu Criador. Aqueles que esquecem a verdade devido às bobagens do mundo e passam seu tempo em procuras fúteis e tolas. Prestem atenção em suas almas e corrijam seus caminhos. Deixem de lados as coisas ruins e os maus pensamentos’.
O Rambam descreve nestas palavras uma condição em que os homens esquecem a verdade devido às bobagens do mundo. O ser humano, sendo um organismo físico por natureza, se permite deslizar para um estado de esquecimento e alienação e isto o tira do caminho verdadeiro da vida – que é o de refletir e ponderar seriamente sob o propósito da pessoa neste mundo, vivendo uma vida bem pensada, na qual o homem tem controle sob seus desejos e não o contrário.
Infelizmente, porém, as pessoas em geral levam suas vidas de maneira completamente oposta, como escravos de suas paixões, como descreve o livro Messilat Yesharim: “Esta é uma das artimanhas do Yetser Hará (o mau instinto presente em cada pessoa): desprover as pessoas de paciência suficiente para refletirem sobre como estão vivendo suas vidas. Pois ele sabe que se as pessoas derem um mínimo de atenção ao caminho por onde estão andando, certamente irão se arrepender e lamentar seus atos.”
O profeta Yeshayiau (29:10) nos transmitiu: “Hashem colocou sob as pessoas um espírito de sonolência que fecha nossos olhos”. Quando a pessoa está num sono profundo, ela está completamente alheia ao que lhe acontece ao redor.
Talmud Berachot: “D’us criou o trovão apenas para ‘endireitar’ o coração das pessoas”.
Algo semelhante consta no Talmud Berachot: “D’us criou o trovão apenas para ‘endireitar’ o coração das pessoas”. Ou seja, o barulho grande do trovão foi criado para nos estremecer, para nos despertar. E isto é facilmente constatado em crianças pequenas, que ao ouvirem um trovão, logo começam a chorar. Com o passar dos anos, a sociedade lhe ensina que isto é algo ‘comum e natural’, e ela não mais estremece ao ouvir um trovão. Conta-se que quando o Hafetz Haim ouvia um trovão, ele exclamava: “Vus vil der Tate – O que Papai está querendo?”
Porémque caso pode servir de exemplo da indiferença a assuntos espirituais? A Guemará nos relata: “Por que o tchelet (o azul turquesa) é diferente de todas as outras cores e foi escolhido para ser a cor de um dos fios do tzitzit?” Responde a Guemará: “Porque esta cor é similar à cor do mar, que é similar à cor do céu, que é similar à cor do Kissê Hacavod, o Trono Celestial Divino”.
Quando vamos para a praia ou para o campo e desfrutamos de um céu límpido e claro, será que nos lembramos do trono da Glória? O oceano e o céu ainda são mais próximos do tchelet na escala de progressão de cores mencionada na Guemará. Por que não associamos estes dois elementos com os assuntos espirituais que o tchelet deveria nos lembrar?
A resposta é que quando a pessoa vai para a praia, ela está pensando em relaxar e desfrutar. Quando vai para as montanhas, está envolvida em seu prazer pessoal. Ao estar envolvida nestes prazeres físicos, virtualmente ela negligenciará a importância de refletir sobre assuntos elevados, de ideias e ideologias, e nem começará a ponderar sobre as implicações filosóficas da similaridade do mar com o céu,
É isso que Rambam quis dizer quando escreveu “esquecem a verdade devido às bobagens do mundo”. Ele não estava falando de pessoas que se dedicam ao pecado, mas a pessoas que estão simplesmente ocupadas em desfrutar os prazeres da vida. Estas pessoas substituem assuntos de alta prioridade por outros de importância secundária e confundem os meios com os fins.
O Shofar vem para nos despertar e ativar nossas capacidades dormentes de conquistas espirituais e tornar nosso intelecto mestre sobre nossas paixões.
Já que a inclinação em relação à introspecção e a uma reflexão séria sobre a vida está enterrada sob grandes camadas de materialismo, como fazer para despertar o potencial de nossas almas? Explicou o Rabino Avigdor Miller z”l que Hashem, quando soprou a neshamá (alma) em Adam Harishon (o primeiro homem criado no universo), Ele incluiu aí todas as boas características, os conceitos verdadeiros e as lógicas corretas, que ficaram ocultas no íntimo de cada um. Para despertar, então, as forças desta alma elevadíssima, se faz necessário o uso de ferramentas e instrumentos exteriores.
Conforme escreveu o Rei David no Salmo 57:9: “Ura kevodi, ura hanevel vekinor – desperta, minha alma, despertem a lira e a harpa”. Os instrumentos musicais têm esta propriedade intrínseca de despertar as forças dormentes da alma para grandes elevações de kedushá, santidade.
O Shofar vem para nos despertar e ativar nossas capacidades dormentes de conquistas espirituais e tornar nosso intelecto mestre sobre nossas paixões. Vemos então que o primeiro passo para o coroamento de Hashem como nosso rei é aumentar o nível de sensibilidade para captar as mensagens que Ele nos envia. Como aprendemos da Guemará em Berachot, quando Hashem fala através de fenômenos naturais ou através de eventos históricos, precisamos sintonizar nossos ouvidos, levantar nossa antena e receber Sua mensagem. Este é o primeiro passo na Teshuvá.
Se o Hafetz Haim estivesse vivo hoje, o que ele faria? Se ele enxergava a voz de Hashem num trovão, o que diria sobre os eventos de nossos dias? Vus vil der Tate? O que papai quer?
Quando Hashem fala através de fenômenos naturais ou através de eventos históricos, precisamos sintonizar nossos ouvidos e captar Sua mensagem.
Existe uma interessante passagem no Tratado Avodá Zará 18a: O Rabino Chanina ben Teradion perguntou ao Rabino Yossi ben Kisma: “Estou destinado ao Olam Habá (Mundo Vindouro)?” Rabi Yossi ben Kisma respondeu: “Você já fez algo de especial?” [A propósito, este é o mesmo Rabi Chanina ben Teradion que publicamente ensinou Torá apesar do decreto do governo romano proibindo o seu estudo]. Rabi Chanina ben Teradion respondeu: “Certa vez eu tinha dinheiro para minha refeição pessoal de Purim e ele se misturou com o dinheiro que estava separado para a caridade. Então eu dei toda a soma para os pobres”. Rabi Yossi ben Kisma respondeu: “Se é assim, que minha porção no Mundo Vindouro seja tão grande quanto a sua. Você certamente está destinado ao Olam Habá.”
O que esta Guemará quer nos ensinar? Explicou o Rabino Yssachar Frand Shelita: “Rabi Chanina ben Teradion viu neste incidente que o Todo Poderoso estava tentando lhe dizer algo. O Mestre do Universo estava lhe mandando uma mensagem. A mensagem era que realmente seu dinheiro (aquele que estava separado para a refeição de Purim) deveria ser dado para a caridade. Rabi Chanina ben Teradion era tão sensível e tão receptivo às mensagens celestiais que num incidente tão pequeno, quase trivial, ele reconheceu que o Todo Poderoso estava tentando lhe dizer alguma coisa. Rabi Yossi falou: ‘Se este é o caso – se num incidente tão pequeno você enxerga a mão de D’us, posso estar confiante que você está destinado ao Mundo Vindouro. É óbvio que você vive a vida de uma maneira que quando D’us lhe dá um tapinha no ombro, você ouve e capta sua mensagem.
Porém, quantos de nós tem este nível de sensibilidade de Rabi Chanina ben Teradion? O que fazer, então?
Consta no Salmo 89:16: “Ashrei haam iodei teruá - Afortunada é a nação que conhece o som do Shofar”. O Rei David não disse ‘Ashrei haam hatokea Shofar - Afortunada é a nação que toca o Shofar, mas sim que conhece o Shofar. Como o povo de Israel conhece o Shofar? Rashi explica que ‘eles sabem como apaziguar o seu Pai celestial. Eles não apenas tocam o Shofar, mas sabem e entendem o que este toque representa. Eles levam a mensagem do Shofar ao coração e, através de uma sincera reflexão, tentam despertar suas forças espirituais adormecidas e aprimorar seu caminho na vida.
Conta-se a estória de um fazendeiro que foi um dia para a cidade grande. De repente ele ouviu uma sirene muito alta e forte. Ele perguntou aos moradores da cidade: “O que é este gemido tão estranho e tão alto?”
“Está pegando fogo num prédio. A sirene que você está ouvindo é dos bombeiros”.
O homem era tão caipira que pensou que a sirene é que estava apagando o fogo. Ele então foi e comprou uma enorme e poderosa sirene e a levou para sua vila.
Certo dia um incêndio começou. Ele correu para o local, abriu caminho entre a multidão e anunciou que estava carregando em sua sacola um moderno e magnífico aparelho para apagar incêndios. O povo abriu espaço, ele tirou a sirene e confiantemente apertou o botão. Porém, tudo em vão. O fogo continuou queimando e até aumentou. Quando as pessoas se deram conta do que estava acontecendo, gritaram: “Seu tolo, você acha que a sirene apaga o fogo? Ela somente alerta as pessoas para que venham apagar e para que os outros saiam do caminho”.
A estória é uma parábola para o Shofar. Não devemos imaginar que o toque do Shofar fará com que se perdoem os nossos pecados ou que nossa sensibilidade de repente se aguce. Ele é como uma sirene que vem nos alertar de que precisamos agir. Sem reflexão, o toque do Shofar não tem sentido.
O verdadeiro propósito do Shofar não é atingido a menos que a pessoa pare para pensar sobre a mensagem que está sendo transmitida, principalmente neste dia de Rosh Hashaná, e tome uma decisão. Como diria o Hafetz Haim, “Vus vil der Tate?” em Rosh Hashaná?
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