Em Shavuot celebramos a Outorga da Torá no Sinai, há mais de 3.300 anos, no ano 1313 AEC 1.
Ela foi dada por D’us no deserto do Sinai, onde os hebreus foram moldados numa nação e receberam o projeto para salvar o mundo. Porém isso apenas provoca a questão: de todos os lugares, por que a Torá foi entregue num deserto? E além disso, nossos Sábios descrevem o Sinai como o casamento entre D'us e Seu povo 2; quem já ouvir falar de casar-se num deserto estéril e desolado.
Vamos introduzir mais uma pergunta: Por que foi necessário para o povo judeu vagar 40 anos neste deserto antes de entrar na Terra Prometida? Os 210 anos no Egito, incluindo mais de 80 anos de trabalho duro, não bastaram? Por que libertá-los do Egito apenas para colocá-los mais 40 anos no deserto? 3
Há muitas explicações para este relacionamento único entre Torá e deserto. Aqui estão três delas:
Sublimidade Absoluta
1) Se a Torá tivesse sido dada numa cidade civilizada ou numa comunidade, as pessoas poderiam tê-la definido como produto de uma cultura, meio e ambiente específicos. Acadêmicos sofisticados explicariam que o “gênero” especíifico da Torá, como se ela fosse uma peça de literatura ultrapassada, moderna ou pós-moderna, um épico ou lírico, uma obra de história, lei, tragédia ou filosofia. Eles nos esclareceriam se a Torá pertenceu ao tempo dos atenienses, a era helenística, ao período greco-romano, ao bizantino ou qualquer outro período da civilização. A Torá seria rotulada, classificada e qualificada. Seria “colocada em perspectiva”.
Porém a Torá não pode se enquadrada numa pespectiva cultural ou artística específica. A Torá não é cultura, literatura, arte, história ou ficção. A Torá incorpora as verdades eternas sobre a existência, vida e destino que falam em todos os idiomas, em todas as culturas, toda era, a toda alma. A Torá não pode ser reduzida a uma época específica ou a um ponto de referência. Beneficia todas as artes, mas jamais compete com elas. Professor Abraham Joshua Heschel assim declara 4:
A Torá foi dada para nos ajudar a pavimentar uma estrada no deserto estéril da psique humana, criar uma estrada na selva da história e ensinar como transformar um deserto em paraíso.
“Por que a Bíblia supera tudo que foi criado pelo homem? Por que não há obra digna de comparação com ela? Por que não há substituto para a Bíblia, nenhum paralelo à história que ela engendrou? Por que todos que buscam o D'us vivo devem procurar suas páginas?
“Coloque a Bíblia ao lado de qualquer um dos livros notáveis produzidos pelo gênio do homem e veja como diminuem de estatura. A Bíblia não mostra preocupação com a forma literária, com beleza verbal, porém sua absoluta sublimidade permeia todas as suas páginas. Suas linhas são tão monumentais e ao mesmo tempo tão simples que quem quiser competir com elas produz ou um comentário ou uma caricatura. Outros livros você pode avaliar, medir, comparar; a Bíblia você pode apenas elogiar. Suas ideias superam nossos padrões. Não há nada mais grandioso. Em três mil anos, não envelheceu um só dia. É um livro que não pode morrer. O esquecimento fugiu de suas páginas.”
“Sublimidade absoluta”. Uma obra dessas deve ser ensinada e transmitida num deserto. Um deserto não está associado com qualquer cultura ou estilo de vida específico. Um deserto é estéril, cru, plano. Um deserto não é sofisticado; é real 5.
Sem Proprietário
2) Se a Torá tivesse sido entregue numa cidade ou comunidade em particular, seus habitantes teriam reclamado direitos autorais sobre ela. Se tivesse sido entregue em Boro Park, Crown Heights, Williamsburg ou Monsey, essas comunidades alegariam “posse” da Torá. “Sabemos como interpretar a Torá, como acessá-la, como avaliá-la. Pertence a nós.” O mesmo seria verdade se a Torá tivesse sido dada em Lakewood ou no Upper West Side.
A Torá não tem dono. Pertence a toda alma judaica sobre a terra. Ninguém detém quaisquer “direitos” sobre a Torá. É a conversa viva, vibrante, de D'us com Seu povo.
O deserto, por outro lado, não tem dono. Ninguém deseja o deserto (além dos árabes, depois que os judeus o colonizaram). Não pertence a ninguém. A Torá, também, não tem dono. Pertence a toda alma judaica sobre a terra. Ninguém detém quaisquer “direitos” sobre a Torá. É a conversa viva, vibrante, de D'us com todo judeu vivo 6.
A Vida Na Pista Expressa
3) Se a Torá tivesse sido outorgada num local civilizado e esplêndido, poderíamos ter acreditado que seu objetivo era orientar a vida bela e o coração esplêndido.
Mas isso não é Torá.
A Torá não nos diz que a vida é fácil é que a fé é felicidade. Pelo contrário, fomos colocados num deserto pessoal e global, e a vida é uma batalha. E é exatamente esta batalha que D'us pretendia que enfrentássemos, um dia sim e outro também. Não seja perturbado ou desmoralizado, ensina a Torá, pelos seus desafios, seus demônios, suas inconsistências e suas fraquezas. Não se abale quando não corresponder às suas maiores aspirações, e com frequência não realizar ou mantiver sua inspiração. Não seja desencorajado; a Torá foi dada exatamente para nos ajudar a pavimentar uma estrada no deserto estéril da psique humana, para criar uma estrada na selva da história.
Se a Torá tivesse sido dada numa linda cidade, então todos teríamos um manual sobre como viver na beleza, no êxtase. Porém a Torá veio para nos ensinar como enfrentar nosso deserto e como transformar um deserto em paraíso. É assim que os mestres espirituais explicam o motivo pelo qual a Torá foi entregue numa montanha.
Por que numa montanha, e não em terra plana?
Um montanha é basicamente terra elevada. Esta é a profunda mensagem da Torá; com terra, barro e lama, você deve lutar. Isso é intrínseco à condição humana e à realidade de nosso mundo. Porém você deve lembrar que sua missão é elevar a terra, introduzir santidade e Divindade num mundo sujo e terreno7.
D'us não desejou pessoas sagradas fazendo coisas sagradas; Ele queria pessoas não-sagradas fazendo coisas sagradas 8. Ele desejou que seres humanos mundanos se tornassem montanhas de dignidade moral e Divina.
Notas:
1 – Rambam, Hilchot Tefilah 13:2. Tur e Shulchan Aruch Orach Chaim 428:4.
2 – Mishaná Taanit 26b. Midrashim e comentários sobre Cântico dos Cânticos. Cf. Rambam, Hilchot Teshuvá, cap. 10.
3 – A Bíblia registra que os 40 anos vagando no deserto foram um castigo pelo pecado dos espiões quer persuadiram o povo a rejeitar sua missão de entrar na Terra de Israel. Porém certamente, D'us podedria tê-los punido de maneiras diferentes. Por que Ele escolheu esta consequência específica?
4 – D'us em Busca do Homem págs. 240-241.
5 – Uma ideia semelhante é expressa em Midrash Rabah Bamidbar 19:26 e Midrash Tanchumah Chukat 21.
6 – Yalkut Shemoni para Yesrot Remez 275.
7 – Sefer Hamaamarim 5655 – pág. 188.
8 – Veja Tanya caps. 27;36.
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