"As pessoas pensam que teshuvá (arrependimento) é somente para os pecadores. Porém mesmo o indivíduo perfeitamente justo pode fazer teshuvá – i.e., "retorno" – elevar seu passado perfeito ao nível de seu presente ainda mais perfeito.
Rabi Shneur Zalman de Liadi
Você está vivendo este momento. Muitos outros momentos como este estão atrás de você. E muitos mais, se D’us quiser, à sua frente. Em cada um desses momentos há, havia, e sempre haverá, uma opção. Uma decisão de importância ou uma concernente a uma tarefa simples do dia-a-dia. Uma escolha entre disciplinar seu filho ou aceitar seu comportamento como uma parte natural do crescimento. Uma opção entre como gastar uma quantia de dinheiro ou como passar uma noite, responder ou não a um comentário, fazer uma pergunta ou entreter um pensamento.
A esta altura você já viveu tempo suficiente para ter feito muitas opções e ser capaz de ver as conseqüências que elas trouxeram. A partir desse ponto de observação, elevado pela maturidade, você agora vê que todas as escolhas que fez foram feitas na ignorância. Reconhece que o impacto total de cada opção não foi enxergado naquela época, e se tivesse sido, então talvez uma outra opção teria sido feita, ou a mesma, mas com muito mais trepidação, menos espontaneidade, e uma completa ausência de frivolidade.
O remorso que esta percepção provoca leva você a buscar uma audiência com a Corte celestial. Uma audiência para pedir perdão, não pelos seus pecados, mas pelas decisões que tomou com sabedoria, com consideração, com integridade moral; pelas ações que na época você estava tão certo que eram as corretas. Somente agora, quando você já viveu tempo suficiente para enxergar suas conseqüências, quando você já tem idade suficiente para vê-las sob uma lente nascida da experiência, da sabedoria e da compreensão que apenas a experiência pode trazer, você vê o quanto foi imprudente.
As crianças são o melhor exemplo. Pais amorosos fazem pelos filhos aquilo que acreditam ser o melhor. Suas ações são consideradas, discutidas, planejadas. Procura-se conselho de especialistas, nenhuma despesa é poupada, toda oportunidade é aproveitada. E apesar disso, à medida que o tempo passa e o filho cresce, sua personalidade e caráter começam a emergir, à medida que ele enfrenta a vida e tem sucesso, ou fracassa, se alegra e se desespera, nós, como pais, vemos as imperfeições de nossos filhos, e nossas próprias falhas.
Com nosso cônjuge, sentamo-nos tarde da noite e falamos sobre as coisas que poderíamos, que deveríamos, ter feito. Com riqueza de detalhes, conseguimos rastrear cada falha ou imperfeição em nossos filhos a uma opção que tomamos, uma ação que fizemos, uma oportunidade que deixamos passar. E depois que terminamos de nos culpar, por fim concluímos que fizemos o melhor que pudemos. E de uma certa maneira, esta é a consternação final.
Se você se incomodar em examinar tão detalhadamente as outras opções que fez, chegaria à mesma conclusão. Cada uma delas foi prejudicada e limitada, e trouxe consigo conseqüências que você não podia prever. Então, embora seus erros e limitações pudessem ser desculpados pela falta de conhecimento, ainda assim você desejaria estar perante a Corte Celestial e pedir perdão. Pois estas conseqüências, não importa o quanto tenham sido involuntárias, agora são bastante reais e têm vida própria.
Depois que você já viveu anos suficientes, sabe que o futuro chega tão rápido quanto ontem, e que dez ou vinte anos a partir de agora existem hoje. Você sabe que assim como está pedindo perdão hoje pelas conseqüências de ações feitas há dez ou vinte anos, então daqui a dez ou vinte anos você estará pedindo perdão por coisas que fez hoje.
Até mesmo o seu arrependimento é limitado. Pois você pode se arrepender somente por aquilo que sabe, e seu conhecimento é escasso. Daqui a dez ou vinte anos você se lembrará de estar perante a Corte Celestial hoje, e isso parecerá quase infantil. Porque daqui a dez ou vinte anos, você verá ainda mais conseqüências de suas ações. E você desejará mais uma vez buscar a expiação por elas, sabendo que cada conseqüência recém-notada exige seu próprio arrependimento.
E agora, sabendo disso, você chega à decisão que tem hoje diante de si: suas aspirações e aquilo que faz com elas. Seu filho e como você o trata. Suas aspirações e aquilo que faz com elas. Sua mulher. Marido. Trabalho. Conta bancária. Vizinho. Mitsvá. Férias. Tentação. Raiva. Amor. E todo o restante.
Você fica ali com temor e trepidação. Sabe que a opção de hoje criará uma futura realidade que você não tem como saber. Você está para liberar uma flecha do arco e já é responsável por aquilo que o alvo vai atingir, não importa se você o mirou ou não.
Preparado para agir, você tem uma imagem de si mesmo daqui a vinte anos; preparado para atirar a flecha, já está olhando para trás, arrependido de sua ignorância, da estreiteza de sua visão, da baixeza de sua opinião, dos alvos que sua flecha atingirá à medida que seu vôo prossegue além do destino que você pretendia que ela tivesse. Porém o momento da opção chegou. A hora da ação. O imperativo de agir.
O que você faz?
Como você pode fazer um movimento? Com o peso desta percepção, você jamais chegará a rir novamente, a ser espontâneo, frívolo, amante da diversão, alegre?
Mesmo assim, milagrosamente, você age. Você atira a flecha. Você ri. Você canta e dança. Porque em última análise, no decorrer dos anos, você aprendeu que D’us o ama. Você está alegre exatamente porque existe uma Corte Celestial perante a qual você pode ficar e receber perdão, compreensão e amor. Você ri exatamente porque sabe que por trás do imperativo de fazer da melhor maneira possível está a futilidade de fazer algo mais do que pode. Você respira fundo e dá um sorriso, porque sabe que D’us não deseja mais de você do que aquilo que você pode fazer, e já lhe deu tudo que você precisa para fazê-lo. Você dança porque esta é a sua liberdade: dançar sua parte na criação de D’us com graça, coragem e fé. E você canta sabendo que é apenas uma voz no coro, e que a sinfonia é interminável, perfeita, porém, paradoxalmente, depende de você.
E finalmente você percebe que as falhas e limitações, erros e equívocos, até mesmo as conseqüências que fazem o sangue lhe subir ao rosto em vergonha são também uma parte de sua limitada perspectiva, sua visão estreita, sua opinião inferior. Pois se você pudesse escalar alto o suficiente veria que o motivo para a corte celestial conceder seu perdão é que, em última análise, nada há a perdoar.
Lá do alto do pico mais elevado você veria que está dançando perfeitamente a sua parte. Você sempre dançou. E sempre dançará.
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