O fato que mais odiamos sobre os chavões é que geralmente são verdadeiros, especialmente aqueles que gostaríamos que fossem o oposto da verdade…

Há um velho ditado dizendo que é mais fácil tirar um escravo da escravidão que tirar a escravidão do escravo, ou o equivalente judaico – que é mais fácil tirar um judeu do exílio que tirar a sensação de exílio do judeu.

Entendendo muito bem a psicologia humana (óbvio, pois Ele a criou), D'us jamais deixou a tarefa de tirar o exílio de nossas psiques inteiramente em nossas mãos. Ele construiu determinados estágios no ano que nos tiram de nossas restrições ao tirar nossas restrições para fora de nós.

Há milhares de anos, às vésperas de deixarmos o Egito, um país onde tínhamos sido brutalmente escravizados (os historiadores, baseados em diários e outros registros, notaram que Hitler copiou deliberadamente os atos dos egípcios contra os judeus), nossos ancestrais sacrificaram cordeiros e os comeram junto com matsá (pão ázimo) e maror (ervas amargas). Durante as gerações posteriores, continuamos a comer o cordeiro de Pêssach juntamente com matsá e maror em conexão com aquela última noite no Egito. Isso terminou quando o Segundo Templo foi destruído. Incapazes desde então de levar o sacrifício de Pêssach todo ano, em vez disso mantemos sua memória viva comendo matsá e ervas amargas e recitando determinados versículos numa refeição festiva chamada "sêder", na véspera de Pêssach.

O sêder inteiro, e até os objetos na travessa do sêder, contam a história de nossa escravidão e como D'us nos libertou. Porém há algo que parece fora de lugar sobre o alimento mais associado ao sêder.

O motivo fundamental para a matsá ser comida no sêder não está conectado à matsá que nossos ancestrais comeram naquela última noite de cativeiro. Também não está conectada à maneira maravilhosa com que fomos tirados do Egito. Ao contrário, está conectada a uma estranha série de eventos ocorridos depois que fomos libertados, depois de já termos observado aquele primeiro sêder no Egito, e depois que os egípcios nos imploraram para partir.

Fizemos alguma massa para servir de alimento durante a jornada, e então fugimos. Tendo testemunhado um ano de pragas contra nossos inimigos e milagres ao povo judeu, tendo visto o próprio faraó vir correndo para nós, vestido em trajes de dormir, implorando-nos para aceitarmos nossa liberdade e partirmos, corremos rumo ao deserto como gazelas assustadas.

E nos sentamos para nosso sêder todos os anos, um evento repleto de costumes projetados para nos fazer sentir como reis (comemos reclinados, cobrimos a mesa com lindos utensílios e prataria reservados exclusivamente para esta ocasião), e dizemos: "Eles assaram bolos de matsá com a massa, porque esta não crescera. Pois eles foram levados para fora do Egito e não podiam demorar."

Em outras palavras, a matsá que comemos hoje celebra 1) um engano culinário – não havia tempo para deixar os pães crescerem, portanto tivemos de assá-los achatados, e 2) nossa pressa devida ao medo.

Isso não parece combinar.

Do quê, exatamente, temos medo? E o que mudou entre o momento que o faraó nos pediu para partir imediatamente, e Moshê, respondeu que partiríamos pela manhã, de maneira digna – e o momento em que pegamos alguma massa crua e corremos?

A Hagadá (o texto que recitamos no sêder, contendo instruções para a condução do sêder, bem como histórias selecionadas) começa sua explicação sobre por que comemos matsá dizendo que a massa não teve tempo de crescer antes que D'us Se revelasse a nós, e que este é o momento no qual fomos realmente redimidos.. Este é o momento em que devemos fugir.

Veja, no fim não era do Egito que estávamos fugindo. Não era o temor de sermos capturados e forçados a ser escravos novamente. Foi o medo de nunca nos tornarmos realmente livres. Foi o medo de nos colocarmos voluntariamente na escravidão.Estávamos fugindo de nós mesmos.

Quando D'us escolheu revelar-Se, entre o pôr-do-sol e o alvorecer, nossos ancestrais foram suficientemente inteligentes para perceber que esta revelação não era permanente e que o desejo pela liberdade verdadeira que despertou dentro deles não duraria. Então eles fugiram, o mais depressa possível, da tentação de evitar irem adiante. Tiveram um momento de inspiração, e o aproveitaram.

E quando celebramos a Festa da Liberdade a cada ano, comemos as matsot que mal assadas nos lembram de capitalizar os momentos de inspiração que tivemos e construí-los em dias, meses e anos de genuíno crescimento, como pessoas e como judeus.

No âmago disso tudo, comemos matsá para nos ajudar a interiorizar o desejo Divinamente inspirado de sermos livres.

A matsá da pressa foi um resultado da revelação Divina. Ela nos lembra que nossa liberdade é um presente de D'us, e portanto ninguém – nem mesmo nós – pode realmente levá-la embora. Quando nosso ser físico parece encurralado, mesmo se estivermos sofrendo, mesmo que pareça que estamos na escravidão, jamais podemos ser realmente escravos outra vez. Porque somos judeus, pertencemos a D'us, e somos livres.

Uma vez ao ano, revivemos os eventos que realmente nos destacam como uma nação especial – unidos uns com os outros, e a D'us, mas não limitados por este mundo. Uma vez ao ano, recontamos os primeiros mandamentos que nos foram outorgados, e a incrível fé e coragem com as quais nossos antepassados os cumpriram. Uma vez ao ano, comemos esta matsá para nos lembrar a querer a liberdade que recebemos, e a pegá-la e viver com ela.