Ah, as zonas de conforto. Como precisamos de nossas zonas de conforto. Como somos incomodados quando nossas zonas de conforto são perturbadas.

Tente tirar alguém da sua zona de conforto. Você acha que pode ter algum sucesso?

A história de Avraham na porção dessa semana da Torá nos dá muito para pensar sobre zonas de conforto, liberdade, conformidade, subjetividade, dogma religioso e mais assuntos “triviais” como esses.

Acabo de ler um livro interessante por Stephanie Levine, Mystics, Mavericks and Merrymakers: Uma Jornada Íntima Entre Moças Chassídicas. É essencialmente um estudo sobre as adolescentes Lubavitch em Crown Heights, apresentando a questão: O que acontece à individualidade e à voz independente de uma moça crescendo numa comunidade judaica ultra-ortodoxa caracterizada por suas rígidas regulamentações?

O estereótipo comum é que qualquer voz pessoal é reprimida numa sociedade religiosa inflexível. Foi com essa atitude que a autora abordou o assunto à medida que começava sua pesquisa para o livro. Você pode se surpreender com suas conclusões depois que ela passou mais de um ano como “observadora participante” morando em Crown Heights, saindo com as moças e entrevistando-as. Ela basicamente concluiu que a verdade é exatamente o oposto: as moças nessa comunidade eram mais livres, mais auto-realizadas, mais expressivas e mais em contato com a voz de suas almas do que suas colegas no mundo secular.

De maneira alguma o livro retrata m quadro perfeitamente róseo. Porém, achei fascinante que a autora pudesse perceber e apreciar o livre espírito das meninas (um feito raro hoje, de fato, com toda a percepção negativa associada com qualquer coisa que seja ortodoxa). Porém, ainda mais interessante, é sua análise para os motivos por trás desse aparente paradoxo.

Jonathan Mahler, autor do artigo da revista New York Times, Esperando pelo Messias de Eastern Parkway (NYT Magazine, 21 de setembro de 2003), deveria ler este livro. O artigo linear e simplista de Mahler perde toda a complexidade e espiritualidade diversa que Levine capta em seu livro. Aqui há um enigma, se me permite: Se alguém escolhe, sem pressão externa, seguir um caminho que já foi trilhado, esta pessoa é conformista?

E quanto a alguém que se subjuga à pura pressão de uma sociedade de espírito livre – ele é ou não um conformista?

A resposta obviamente está em entender o significado de conformismo e liberdade.

Permita-me dizer que apesar da noção popular sobre obediência religiosa, conformidade nada tem a ver com as opções que fazemos; é tudo sobre as razões que nos obrigam a fazer essas opções. Em otras palavras, não se trata da atividade em que escolhemos nos envolver (a “cheftza” no jargão talmúdico) mas sobre a pessoa (a “gavra”).

É como a liberdade. O que é liberdade? Muitas pessoas diriam que liberdade significa fazer aquilo que se gosta. Porém esta é uma definição muito simplista. Há muito poucas pessoas que são indulgentes em fazer tudo aquilo que desejam e não necessariamente se sentem livres. Existem outras que não fazem tudo aquilo que lhes agrada, e sentem-se inteiramente livres.

Liberdade não é aquilo que você está fazendo, mas por que está fazendo. Liberdade significa que seja o que for que você faz, isso não é imposto sobre você, vindo de fora, mas é uma escolha sua, interior. Correr a vida toda experimentando tudo de todas as maneiras não significa necessariamente que você é livre. Você pode estar fugindo do medo, até do pânico, apavorado por não estar presa em um lugar (“perigoso”) por muito tempo.

Por outro lado, você pode escolher sentar-se e meditar num canto durante um dia inteiro, e ser completamente livre – porque você fez esta opção sem qualquer imposição externa ou interna.

Agora, voltemos ao dilema. Escolher um determinado caminho em si não determina se a pessoa que faz a escolha é livre. Porque a liberdade não é sobre o caminho que você escolhe, mas por que o escolhe. Se o caminho que você escolhe é devido à imposição, então se torna o seu caminho. Da mesma forma, seria absurdo dizer que um músico que “toca de acordo com a partitura” de notas musicais está se conformando a uma estrutura existente. Na verdade, um músico que, em nome da não-conformidade, se recusasse a usar as notas musicais que outros antes dele usaram, seria considerado insano.

E isso, inevitavelmente, também levará a um ponto ainda mais importante. A pessoa livre não se contentará apenas em percorrer a mesma trilha que outros percorreram antes dela, mas acrescentará seu traço particular, sua contribuição única. Não diferente de um verdadeiro músico que tocará as mesmas notas, até a mesma peça de música (composição), com seu toque único.

OK, eu sei que alguns poderiam argumentar que toda escolha que fazemos em última análise é resultado de muitos fatores que subjetivamente têm moldado nossas vidas. Até o próprio livre arbítrio pode ser discutido. Como escreve um cínico: Devemos acreditar no livre arbítrio; não temos escolha.

Apesar disso, existe uma distinção muito forte entre comportamento impulsionado pela imposição e aquele que vem de um conflito interior que leva a uma opção individual e o compromisso de seguir um determinado caminho. Um conformista é aquele que se comporta de certa maneira porque esta é a maneira de os outros se comportarem. Muitas vezes é alguém que não deseja “balançar o barco” e gosta da zona de conforto da estrada convencional (a estrada mais viajada). Às vezes pode ser por pressão, medo de ser diferente, aceitação e coisas desse tipo. Uma pessoa livre não é impulsionada pelo medo, rivalidade (ou outra forma de pressão), mas pela sincera busca da verdade. Representada por Avraham, como Maimônides o define: “Comprometido com a verdade porque ela é verdadeira”.

É disso que trata Lech Lechá. Avraham é ordenado a deixar seu passado para trás – sair da sua zona de conforto – todas as influências subjetivas de sua “terra”, “local de nascimento” e “casa dos pais”. Liberte-se da pressão e das influências de seu amor próprio subjetivo, de sua sociedade e de seus pais – e começará a encontrar a si mesmo, seu verdadeiro eu.

Veja Avraham, o primeiro e último revolucionário. Ele cresceu num lar e sociedade privilegiados, e mesmo assim escolheu rejeitar tudo na busca pela verdade. Avraham é até mesmo chamado de “Ivri”, da expressão “m’aiver há’nahar”, o outro lado do rio, porque Avraham desafiou o mundo inteiro no qual ele vivia. Enquanto todos ficavam de um lado do rio, ele atravessou e ficou do outro lado.

Obviamente você pode vencer sua rebelião a algum impulso genético interior, e talvez a necessidade de deixar sua marca no universo. Porém a questão indiscutível por baixo disso seja: Avraham não fez suas escolhas devido a forças externas – familiares ou sociais – impondo-se a ele. Avraham escolheu independentemente começar uma nova jornada, nunca antes feita, e o mundo então nunca mais foi o mesmo.

Reconhecer a não-conformidade de Avraham foi relativamente fácil. Ele simplesmente não era o produto de qualquer comunidade – nem mesmo de rebeldes. Hoje, porém, não é tão fácil discernir uma voz realmente independente em meio a todas as culturas existentes. Se alguém, por exemplo, escolhesse seguir o caminho de Avraham, juntar-se à sua comunidade e viver pelos padrões de Avraham, o argumento pode ser feito que essa pessoa está se conformando a um caminho batido pelo tempo.

Mas, na verdade o conformismo não é tanto sobre as escolhas que você faz quanto é sobre aquilo que o leva a fazer essas escolhas. Avraham dá a cada um de nós o poder de sermos não-conformistas – de tocar as mesmas notas musicais que foram tocadas antes, mas de maneiras completamente diferentes.

Certa vez compartilhei de uma situação jocosa com o escritor Chaim Potok. Em sua palestra numa noite de sexta-feira ele contou a história de sua vida. Tendo sido criado num lar judaico tradicional, seus pais esperavam que se tornasse um professor de Talmud. Em vez disso, para desgosto deles, ele se tornou escritor. Durante seu trabalho na Coreia, ele começou a questionar sua fé. Os conflitos pessoais de Potok se tornaram o tema de seus livros, começando com O Escolhido. Nos anos de 1970, continuou Potok, ele foi convidado a ver o Rebe de Lubavitch, mas recusou. “Eu não queria perder minha objetividade,” explicou Potok. “Se eu tivesse conhecido o Rebe pessoalmente, num encontro face a face, tinha medo de que sua presença formidável teria mudado minhas opiniões.” Em vez disso, ele comprometeu-se e foi a um dos farbrenguens públicos do Rebe.

Sentado na plateia, fui envolvido pelos comentários de Potok. Quando ele fez perguntas após a palestra, levantei-me e perguntei: “Dr. Potok, se fosse convidado por D'us a ir ao Monte Sinai, recusaria o convite temendo perder sua objetividade?”

Potok e sua mulher, ao que me consta, ficaram compreensivelmente ofendidos pela minha pergunta. Depois que eles deixaram escapar algumas palavras que não consegui entender, Potok disse que, caso o Rebe lhe tivesse ordenado que fosse vê-lo, ele teria ido. “Claramente, o Rebe não desejava se impor a mim,” especulou Potok. “Resposta muito fraca,” pensei, mas deixei a coisa por aí. (Só para registrar, mais tarde desculpei-me com Potok no caso de eu ter dito algo inconveniente).

No dia seguinte, Shabat, era a minha vez de fazer a palestra. Decidi abordar o tema da objetividade que Potok tinha iniciado na noite anterior. Em resumo, eis aqui o que eu disse:

“Dr. Potok, o senhor teve medo de conhecer o Rebe por ter medo de perder a sua objetividade. Devo admitir que eu não tive este medo, conheci o Rebe, e talvez tenha perdido minha objetividade. Eu, no entanto, devo ter um ‘yetser hará’ muito mais forte que o do Dr. Potok. Porque mesmo após conhecer o Rebe, ainda mantive meu livre arbítrio e D'us sabe como não tenho ficado livre da iniquidade. Portanto talvez eu não tenha perdido a minha objetividade, afinal. Portanto reitero ao Dr. Potok por sentir que se ele tivesse conhecido o Rebe, teria perdido sua liberdade e objetividade, e talvez jamais transgredisse novamente.

“Mas vou dizer isto: o Dr. Potok é mais objetivo que eu porque ele não se permitiu abrir-se para determinadas influências fortes? Essa não é apenas mais uma forma de preconceito? Ao escolher não ler certos livros ou ouvir música por medo que possam nos afetar ou influenciar tornamo-nos mais ou menos objetivos? Todos temos nossas experiências subjetivas e motivos para fazer nossas escolhas, e tudo na vida pode nos influenciar, e o faz.

“A objetividade não é determinada por quem você conhece e aquilo que você vivencia, não é sobre quais influências o afetaram ou para quais locais você viajou. Trata-se do que você faz com aquelas influências. Como você permite que elas informem e eduquem você. Como as usa para transcender sua natureza subjetiva e gerar energia objetiva.”

Nem todo revolucionário é um espírito livre e nem todos que vivem por regras definidas são conformistas. É claro que há conformistas no mundo religioso e há espíritos livres no mundo secular. Porém o oposto é igualmente verdadeiro.

Na verdade, Avraham nos desafia a todos fazermos a pergunta: Não faria sentido dizer que você é mais livre e pode expressar melhor seu eu mais verdadeiro quando se alinha com os parâmetros Divinos (aquilo que alguns chamam de “regras”) da existência?

Senão vejamos: Exercitar-se todos os dias exige esforço e disciplina para seguir certas regras rígidas. Porém, ao fazê-lo alinhamos nosso corpo com seus ritmos naturais e portanto permitimos que trabalhe com o máximo de sua capacidade. Para aperfeiçoar sua arte um artista precisa de horas de treinamento e disciplina, e deve seguir uma estrutura musical definida. Porém é exatamente esta disciplina rígida que lhe permite desempenhar com o padrão mais alto de excelência.

Assim também na nossa vida psico/espiritual: A verdadeira liberdade é atingida quando se descobre o ser interior, permitindo que seus ritmos se expressem por si mesmos, sem imposição de qualquer força fora da sua verdadeira essência própria.

Para conquistar essa auto-descoberta e a liberdade, o mais importante e mais primordial que você pode fazer é Lech Lechá: saia das suas zonas de conforto!

As zonas de conforto podem ser mais confortáveis. Porém jamais trazem crescimento. Sim, há um tempo para nutrir, para estar num local, num lar, onde podemos nos sentir confortáveis para explorar, para apenas ser. Porém o verdadeiro desafio – e verdadeiro crescimento – começa quando deixamos nossas zonas de conforto, quando saímos e precisamos iniciar e criar por conta própria.

Pense sobre sua própria vida: Quando você realizou mais? Enquanto ainda estava em casa, sustentado pelos seus pais, ou quando se afastou de casa pela primeira vez?

O primeiro mandamento a Avraham ressoa pela história, sua voz falando a cada um de nós: Você deseja encontrar seu verdadeiro eu, deseja atingir seu potencial máximo, ser o melhor que puder – primeiro precisa deixar suas zonas de conforto, suas atitudes preconceituosas, seus contextos anteriores, seus padrões antigos. Abra-se para uma nova perspectiva, viaje em novas estradas, levante seus olhos e contemple novas paisagens.

Onde quer que você esteja na vida, se não tem manuais absolutos que dirigem sua vida, ou se vive segundo leis fixas que regulam cada aspecto do seu dia, cada um de nós tem a obrigação de Lech Lechá: sair de nossos hábitos confortáveis, deixar de conformar-se com o passado.

Lech Lechá não é apenas sobre deixar um passado negativo ou um mau hábito; a armadilha do conformismo inclui conformar-se com velhos padrões, até mesmo os saudáveis! Até mesmo alguém que segue cada vírgula de Torá e mitsvot é advertido a não cair na armadilha do comportamento mecânico, e sempre as mesmas mitsvot de cor.

“Bechol yom yi’hiyu bi’aynehcho ka’chdosim,” todo dia você deve ver e experimentar uma mitsvá nova, com fresca vitalidade. Todo relacionamento, especialmente com D'us, deve ser dinâmico e vivo. O Talmud nos diz que se a pessoa revisa seus estudos 100 vezes por hábito, é considerado como se não tivesse servido a D'us porque esta é sua rotina convencional. Quando ele revisa seus estudos 101 vezes, torna-se m verdadeiro servidor Divino (“oved elokim”); aquela vez adicional demonstra que ele cresceu além da sua zona de conforto anterior.

O chamado de Lech Lechá – deixa teu passado – ressoa hoje talvez mais do que nunca. Com que frequência nos sentimos presos em nossas vidas? Com o ritmo estonteante da vida moderna, a tecnologia acelerada elevando continuamente nosso padrão de vida, nossas zonas de conforto continuam a se alargar, trazendo com isso uma profunda complacência.

Se você deseja mudar sua vida – e quem não quer? Lech Lechá é a resposta.

Você deve balançar sua vida. Tudo bem, balançar pode parecer muito forte. Vamos chamar de “mudar”. Você quer mudar, quer crescer, quer movimento, quer liberdade – deve mudar sua vida para novas arenas.

Portanto nesse semana de Lech Lechá, vamos nos balançar, sacudir uns aos outros, tirar o mundo de sua sonolência.

Durante esta semana temos o poder especial de parar de sermos conformistas e nos tornar revolucionários.