A Montanha e o Mar

Todos conhecemos a sensação: acordamos pela manhã com a percepção de que o mundo não é como gostaríamos que fosse.

Uma experiência comum, com certeza, mas muitas e diversas são as maneiras pelas quais uma pessoa poderia reagir. Um homem embarca em uma cruzada quixotesca para salvar o mundo. Um segundo dá o mundo por perdido e retira-se para dentro, sejam quais forem as muralhas protetoras que consegue erguer à volta de si e de seus entes queridos. Um terceiro toma uma atitude "pragmática", aceitando o mundo como é, e fazendo o melhor que pode sob as circunstâncias. Um quarto reconhece sua incapacidade de lidar com a situação e procura um poder mais alto para orientação e ajuda.

As Quatro Facções

Nossos antepassados vivenciaram este rude despertar no sétimo dia após sua libertação do Egito.
Dez pragas devastadoras haviam aniquilado os egípcios, e forçaram-os a liberar o povo judeu. Após dois séculos de exílio e escravidão, os filhos de Israel foram levados em direção ao Monte Sinai e a seu pacto com D’us. De fato, este foi o objetivo declarado do Êxodo; como disse D’us a Moshê: "Quando tirares esta nação do Egito, servirão a D’us nesta montanha."

Mas de repente o mar estava diante deles, e os exércitos do faraó estavam fechando o cerco atrás deles. O Egito estava vivo e bem; o mar, também, parecia alheio ao destino da nação recém-nascida.

Como eles reagiram?

O Midrash nos diz que o povo judeu foi dividido em quatro acampamentos. Havia aqueles que diziam: "Joguemo-nos ao mar." Um segundo grupo clamava: "Voltemos ao Egito." Uma terceira facção argumentava: "Façamos guerra contra os egípcios." Finalmente, um quarto acampamento advogava: "Rezemos a D’us." Moshê, porém, rejeitou todas as quatro opções, dizendo ao povo: "Não temam, permaneçam onde estão e vejam a salvação que o Eterno lhes fará hoje; porque os egípcios que vêem hoje não os verão nunca mais. O Eterno lutará por vocês, e vocês se calarão."
"Não temam, permaneçam onde estão e vejam a salvação que o Eterno lhes fará hoje " – explica o Midrash – é a reação de Moshê àqueles que tinham desanimado de poder superar a ameaça egípcia, e desejavam jogar-se ao mar.

"…porque os egípcios que vêem hoje não os verão nunca mais." é endereçado àqueles que advogavam a rendição e o retorno ao Egito.

"O Eterno lutará por vocês", é a resposta àqueles que desejavam enfrentar os egípcios. E "vocês se calarão" é a rejeição de Moshê àqueles que declararam: "Isto está além de nossas forças. Tudo que podemos fazer é rezar."

O que, então deve fazer o judeu quando é apanhado entre uma turba hostil e um mar resoluto? "Fala com os Filhos de Israel" – disse D’us a Moshê – "para que sigam em frente."

O Tsadic

A estrada para o Sinai estava coalhada de obstáculos e desafios. O mesmo acontecia na estrada que deixa o Sinai, nossa jornada de três mil anos devotada à implementação da ética e dos ideais da Torá no mundo.

Agora, como então, há diversas reações possíveis a um mundo adverso. Existe a atitude "Joguemo-nos ao mar", daqueles que desistiram de sua capacidade de atracar-se, muito menos causar impacto, ao mundo lá fora.

"Joguemo-nos ao mar" – dizem eles: o "mar do Talmud", em referência a isolar-se de todo o contato com um mundo promíscuo. "Vamos construir muros de santidade para proteger a nós e aos nossos dos ventos estranhos que rugem lá fora, para que possamos abrigar aqui dentro o legado do Sinai."

Um antigo dito chassídico refere-se a um indivíduo que age assim como "um homem santo em um casaco de pele". Há duas maneiras de se aquecer num dia frio de inverno: pode-se fazer uma fogueira ou agasalhar-se em peles.

Quando é perguntado ao tsadic isolacionista: "Por que pensa apenas em manter seu próprio aconchego? Por que não faz uma fogueira que aqueça também os outros?" – ele replica: "Para quê? Posso aquecer o mundo inteiro?"

Se a pessoa insiste, provando que um pequeno fogo pode descongelar vários indivíduos que, por sua vez, podem criar fogueiras suficientes para aquecer uma pequena parte do Universo, ele não entende o que se deseja dele. Ele é um tsadic, um indivíduo completamente justo. Não há espaço para soluções parciais na vida dele. "Não há esperança" – suspira ele com genuína tristeza, e retira-se a sua Atlântida espiritual.

O Escravo

Um segundo grupo diz: "Voltemos ao Egito." Jogar-se ao mar não é uma opção, argumenta o judeu submisso. Este é o mundo onde D’us nos colocou, e nossa missão é lidar com ele, não fugir. É preciso somente diminuir um pouco nossas expectativas."

A questão do Êxodo foi obviamente um castelo no ar. Como podemos ter a presunção de nos liberar das leis e restrições que aplicam-se a todos os outros? Ser "o povo eleito de D’us" é bom, mas não nos esqueçamos que somos uma minoria, dependendo da boa vontade dos faraós, que governam o mundo real aqui fora.

Certamente, é nosso dever influenciar o mundo. Porém, o judeu tem muitos deveres: é sua obrigação rezar três vezes ao dia, fazer tsedacá, e guardar o Shabat, entre tantas outras. Portanto, faremos o melhor possível nestas circunstâncias. Sim, é uma vida dura cumprir todas aquelas leis enquanto nos asseguramos de não antagonizar nossos vizinhos, mas quem disse que é fácil ser judeu?

O Guerreiro

Para um mundo que não coopera há a solução do judeu lutador. Ele entende que é errado escapar do mundo, e igualmente errado submeter-se a ele. Então segue em frente, fazendo o melhor possível.

O judeu lutador avança pela vida ajudando judeus sem judaísmo e os não-lutadores como também pessoas que desconhecem a existência do Criador. Para ele, não existe o escapismo do primeiro grupo, ou a subserviência do segundo – ele sabe que sua causa é justa, que D’us está a seu lado, que terminará por triunfar. Portanto, se o mundo não dá ouvidos à razão, ele martelará algum bom senso no mundo.

O Espiritualista

Finalmente, há o judeu que contempla o mundo, olha para os primeiros três acampamentos, balança a cabeça, e eleva os olhos aos céus. Ele sabe que voltar as costas ao mundo não é a solução, como também não o é submeter-se aos seus ditames e convenções. Mas ele também sabe que "toda a Torá foi outorgada somente para trazer paz ao mundo"; que "Suas veredas são caminhos agradáveis, e todas suas trilhas são paz."

"Você espera mudar o mundo de forma pacífica?!" – dizem os outros três acampamentos. "Quando foi a última vez que olhou pela janela? Seria mais fácil esvaziar os oceanos com uma colher de chá!"

"Estão completamente certos" – diz o judeu que reza. "Realisticamente, não há maneira de fazer isso. Mas não estamos sujeitos a esta ‘realidade’ com a qual vocês ficam tão impressionados. "Sabem qual é o denominador comum entre vocês três? Suas avaliações e estratégias são todas baseadas na realidade natural. Mas nós habitamos uma realidade mais elevada. A própria existência do povo judeu não é um milagre? O nosso mundo é aquele do espírito, o mundo da palavra."

"Portanto, basicamente sua atitude é não fazer nada" – replicam eles.

"Vocês estão empregando novamente os padrões do mundo material" – responde o judeu que reza – "um mundo que considera a prece como ‘fazer nada’. Mas uma única prece, nascida de um coração sincero, pode conseguir mais que a fortaleza mais segura, o diplomata mais habilidoso ou o exército mais poderoso."

O Rei…alista

E o que D’us diz?

"Fala com os Filhos de Israel, para que sigam em frente."

Sim, é importante salvaguardar e cultivar tudo que é puro e sagrado na alma do judeu, criar um santuário inviolável de santidade no próprio coração e na própria comunidade. Certo, há tempos em que devemos tratar com o mundo em seus próprios termos. Sim, devemos lutar contra o mal. E certamente devemos reconhecer que é impossível fazermos isso sozinhos.

De fato, cada uma das quatro atitudes tem sua hora e lugar. Mas nenhuma delas é a visão para orientar nossa vida e definir nosso relacionamento com o mundo em que vivemos.

Quando o judeu vai rumo ao Sinai e é confrontado com um mundo hostil ou indiferente, sua reação mais básica deve ser seguir adiante. Não para escapar da realidade, não para submeter-se a ela, não para guerrear contra ela, não para lidar com ela somente em nível espiritual, mas para seguir adiante.

Cumpra outra mitsvá, ilumine outra alma, dê mais um passo rumo a seu objetivo. Os súditos do faraó estão um passo atrás? Um mar frio e insondável barra o seu caminho? Não olhe para cima; olhe para a frente. Vê aquela montanha? Marche em direção a ela.

E quando seguir adiante, verá que barreiras intransponíveis cedem, e que a horrível ameaça se desvanece. Verá que apesar de toda a "evidência" do contrário, está em seu poder chegar lá. Mesmo se tiver que abrir alguns mares.