O que devemos fazer quando vemos duas pessoas brigando em meio aos serviços da sinagoga? Como você reagiria a este tipo de comportamento?

A mesma pergunta pode ser feita sobre qualquer ato grotesco que presenciamos. Aqui está um exemplo de um que ocorreu anos atrás. Sentado num restaurante em Nova York, notei uma família jantando numa mesa perto da minha. “Que bonito,” pensei, “um simpático casal levando os três filhos para jantar numa bela noite.” Até que percebi algo muito desagradável: o pai estava repreendendo o filho, um menino de 8 ou 9 anos, e de repente deu-lhe um tapa estalado no rosto.

Tentei ignorar a cena e olhar para o outro lado, mas a tensão óbvia no ar tornou aquilo muito difícil, especialmente quando a mulher e o marido começaram a discutir. A cada explosão deles ficava mais óbvio que aquilo não era incomum para eles; tratava-se de uma família com sérios problemas.

Não era preciso qualquer treino psicológico para ver que aquelas crianças estavam vivendo num ambiente abusivo – um pai furioso, e uma mãe fraca e indefesa. A vibração era horrível. Eu podia sentir a amargura, a raiva e o medo permeando a mesa perto da minha. Não tive dúvidas de que aquelas crianças inocentes estavam sujeitas a um ataque contínuo dentro da própria casa.

O que fazer?

Eu simplesmente não podia tolerar ficar sentado ali, alegremente mordendo um pedaço de bife (ou fosse lá o que havia no meu prato), indiferente ao sofrimento sendo infligido àquelas crianças vulneráveis.

Eu deveria abordar o pai e falar com ele? Certamente ele não receberia bem o meu gesto – um perfeito estranho intervindo em seus assuntos pessoais.

Mas aquilo deveria ser importante? Eu deveria ficar sentado ali quieto enquanto presenciava um comportamento abusivo? Ou talvez minha intervenção o provocasse ainda mais, e ele poderia descontar mais tarde na família? E afinal, o que posso dizer a um homem abusivo em apenas alguns minutos para ajudar a ele e aos seus filhos? E mais uma vez, isso é motivo para me fingir de cego sabendo plenamente que um crime está sendo perpetrado? Eu deveria falar com a mulher e com os filhos dele? Ou alertar as autoridades sobre o risco em potencial? Seria ético quando eu não tinha provas? Afinal, não conheço essa família. Não sabia como era na casa deles. Poderia tomar uma atitude baseado apenas nos meus instintos? Por outro lado, talvez eu pudesse impedir que algum mal fosse cometido?

Veja você – está longe de ser simples.

O que você faria?

O que Avraham faria?

A mesma pergunta pode ser feita sobre qualquer forma de comportamento inadequado que presenciamos: qual é a coisa certa a fazer – intervir ou não? Você testemunha um colega roubando dinheiro da sua empresa? Você ignora, denuncia ou confronta seu colega? Você sabe que seu vizinho está abusando da esposa. Que tipo de ação, se é que cabe alguma, você vai tomar?

A Torá apresenta várias orientações sobre a nossa responsabilidade de não ficar observando em silêncio e ignorar o cometimento de um crime, bem como de avisar outros sobre um perigo em potencial. Temos também a obrigação de repreender um pecador – primeiro em particular e gentilmente, e se isso não ajudar, publicamente. Porém aplicar essas regras exige uma análise caso a caso. Como, por exemplo, essas doutrinas se aplicam ao incidente no restaurante? Se a sua intervenção não vai ajudar a resolver, e talvez até exacerbasse o problema, você deve intervir? Se você não tem certeza de que um crime está sendo cometido, deve fazer um julgamento? Afinal, há um processo de que garante as pessoas o direito de ser considerada inocente até provar em contrário. Você pode agir baseado na sua “sensação” de que há um problema sério?

Vou compartilhar com vocês o que eu fiz na sinagoga – após declarar um princípio importante, baseado nos valores universais da Torá e sua abordagem extraordinariamente sensível sobre lidar com a condição humana, exemplificado por Avraham.

Antes de mais nada, Avraham demonstrava uma bondade excepcional a todos que encontrava. Fossem amigos ou estranhos, família ou visitantes, aliados ou inimigos. Avraham rezava até pelos infieis de Sodoma.

A primeira coisa que Avraham fez foi abrir sua casa – sua tenda era aberta nos quatro lados – recebendo hóspedes vindos de qualquer direção e de qualquer ideologia. O Talmud relata que após alimentar seus hóspedes, ele pedia gentilmente a eles que dessem graças a D'us pela refeição. Se eles recusassem, acrescenta o Midrash, ele então lhes dizia que pagassem pela comida. Avraham plantou uma árvore em Beer Sheva, e ali ele chamou pelo nome de D'us, Senhor do Universo (Bereshit 21:33).

Resh Lakish disse: Não leia ‘e ele chamou’ mas ‘e ele fez chamar’, dessa forma ensinando que nosso pai Avraham fez o nome Divino ser pronunciado pela boca de todos que por ali passavam.

Como foi isso?

Depois que [os viajantes] tinham comido e bebido, eles ficavam em pé para abençoá-lo; mas dizia a eles: ‘Vocês comeram do que é meu? Não; vocês comeram daquilo que pertence ao D'us do Universo. Agradeçam, louvem e abençõem a Ele que falou e o mundo veio a existir” (Soteh 10b).

O axioma então é que somente através de amar primeiro o seu próximo você pode fazer com que aquela pessoa ame a D'us. A melhor maneira de inspirar alguém a melhorar é mostrando amor por aquela pessoa. Não como uma manobra para amolecer a pessoa a fim de que você possa repreendê-la, mas simplesmente, como amor sincero e genuíno – demonstrando que você realmente se importa.

O que, na verdade, está no coração da resistência que todos têm a ouvir : broncas? Orgulho, medo de ser julgado, vergonha, exposição.

E de modo contrário, o que realmente nos motiva a tentar corrigir uma situação errônea? Muitas vezes isso vem da arrogância, do julgamento, de uma sensação de superioridade e de ter sempre razão. É possível também que você goste de diminuir os outros. Se as suas palavras de admoestação são condescendentes, tenha certeza de que não causarão efeito.

Se no entanto a outra pessoa sentir que suas palavras estão vindo de um coração sincero, que você realmente se preocupa com ela, então talvez essa pessoa se disponha a ouvir o que você tem a dizer.

Muita crítica é lançada sobre pessoas com intenções errôneas ou más. Por algum estranho motivo, os seres humanos com frequência gostam de criticar outros – seja por insegurança, ou por fazê-los se sentir melhor sobre si mesmos; é apenas uma característica negativa e feia que as pessoas têm.

O requsito mais importante antes de intervir numa situação grotesca é ter uma atitude altruísta e amorosa, e uma sincera preocupação sobre a situação. Com isso em mente – e lembrando da assustadora briga de socos da minha infância – abordei as duas pessoas que discutiam, pedindo-lhe permissão para dizer algumas palavras. Chocados, eles voltaram-se para mim e perguntaram o que eu queria. Gentilmente, declarei que quando eles tivessem um minuto livre eu gostaria de lhes fazer uma pergunta. Talvez devido à surpresa, por terem sido abordados sem esperar, ou por simples cortesia, eles pararam a discussão e esperaram que eu falasse. Tudo que eu disse foi isso: “A distância parecia que vocês eram amigos de longa data que estavam discutindo. E me perguntei se eu podia ajudar de alguma forma a resolver a discussão. O motivo para intervir é porque enquanto outros estão tentando rezar, a discussão entre vocês está incomodando.”

Um dos homens respondeu agressivamente: “Isso não é da sua conta!” No mesmo instante em que ele dizia essas palavras, pude ver que o outro homem estava envergonhado, tentando humildemente se afastar da conversa.

Embora eu não acreditasse que resolveria o problema, consegui amainá-lo por aquele momento. E quem sabe? Talvez algo positivo acontecesse a partir dali…

No restaurante, infelizmente, admito não ter feito nada. Em retrospecto, creio que eu deveria ter dito algo ao pai. Porém por algum motivo, na hora não consegui fazê-lo. Não sei bem por quê. Agora acho que foi porque eu me senti pouco à vontade, e talvez tenha temido a reação. Infelizmente, se talvez eu tivesse me importado mais, sido mais sensível à situação, teria vencido minha própria resistência e simplesmente chamado o pai de lado para dizer:
“Você tem filhos tão lindos. Almas tão delicadas. D'us deve ter amado muito a você para conceder-lhe um presente desses para proteger e amar. Fico magoado, profundamente, ao ver que estas crianças provocaram você e o fizeram erguer a voz para elas.”

Mesmo que o pai tivesse respondido para eu cuidar da minha vida, eu teria insistido: “Sei que não é da minha conta, mas por favor escute o que estou dizendo: Seus filhos são tão, mas tão delicados…”

Isso teria ajudado? Quem sabe? Porém com toda certeza mal não faria…

O que você teria feito?