Nós somos os Rosenberg, ou melhor, éramos os Rosenbergs. A partir de quinta-feira, 4º dia de Chanucá, somos agora os Kohns. Como e por que isso aconteceu?

Primeiro, algumas informações básicas.

Yishai e Gitel Rosenberg, logo após o casamento
Yishai e Gitel Rosenberg, logo após o casamento

Tive o privilégio de crescer conhecendo meus avós paternos, Yishai e Guitel Rosenberg, e muitas vezes passei muitos Shabatot com eles, visitando-os em Montreal, onde eu também morava. Depois que meus avós se mudaram para Israel, eles nos visitavam duas vezes por ano e passavam férias com nossa família.

Meu avô era meu elo com o mundo misterioso do “Velho país” e eu adorava ouvir suas belas canções de Shabat, ensinamentos da Torá e “piadas judaicas”.

Ele passou seus anos de aposentadoria aprendendo Torá diligentemente perto do local de descanso do Rabino Meir na cidade de Tiveria, Tiberíades, até seu falecimento em 2000.

Da esquerda para a direita: Moshe, Yitzchok Dovid (pai), Yishai (avô), Nachmi (irmão).
Da esquerda para a direita: Moshe, Yitzchok Dovid (pai), Yishai (avô), Nachmi (irmão).

Sempre foi mencionado que nosso sobrenome original antes da Segunda Guerra Mundial não era Rosenberg, mas sim Kohn. Somos Kohanim, então fazia sentido. Ao longo dos anos fiz algumas tentativas de pesquisar e confirmar esse fato, mas não foi tão simples. Eu não tinha muita informação e não existia a Internet, portanto as opções de pesquisa eram limitadas.

Então deixei de lado e segui em frente.

À medida que meus filhos cresceram e eu tive um Yishai Rosenberg, isso começou a me incomodar: meu Zaidy era o único homem sobrevivente de sua família, então não havia outros Kohns em sua linhagem familiar. Como eu poderia permitir que o nosso nome de família, que nos identificou comoKohanim durante gerações, se tornasse mais uma vítima do Holocausto?

Então percebi: na verdade, tenho uma oportunidade. Meus avós só tiveram dois filhos. Atualmente, meu tio não tem netos Rosenberg do sexo masculino, então somos apenas eu e meu irmão que podemos potencialmente retomar e dar continuidade ao legado Kohn.

Se ao menos eu pudesse confirmar com 100% de certeza que o nome dele era Kohn, talvez pudéssemos mudar o nome da nossa família ao seu nome original.

Registro do campo DP dos Arquivos Arolsen mostrando a mudança de nome já em vigor, meados de 1947.
Registro do campo DP dos Arquivos Arolsen mostrando a mudança de nome já em vigor, meados de 1947.

Retomei minha pesquisa on-line e cheguei a muitos becos sem saída frustrantes. Como a mudança de nome aconteceu nos campos de DP após o Holocausto, tive que procurar um período anterior e mais obscuro. Eu tinha o número de prisioneiro de Auschwitz do meu avô em seus documentos de imigração canadense, mas infelizmente não havia registros dessa identificação nos arquivos de Auschwitz (90% dos quais foram queimados quando os nazistas abandonaram o campo).

Após pesquisar um pouco mais, finalmente encontrei o que procurava: uma lista de residentes judeus no gueto de Nyiregyhaza que listava meu Zaidy, seus pais e irmãos, todos morando no mesmo endereço. Lá estava: a família Kohn.

Trecho de A Nyíregyházi Zsidóság Pusztulása (“A Destruição dos Judeus de Nyíregyháza”), listando o avô do autor (linha 2535) e sua família como residentes do gueto de Nyíregyháza em 1944.
Trecho de A Nyíregyházi Zsidóság Pusztulása (“A Destruição dos Judeus de Nyíregyháza”), listando o avô do autor (linha 2535) e sua família como residentes do gueto de Nyíregyháza em 1944.

Uma última peça foi obter sua certidão de nascimento. Isso não foi tarefa fácil, já que eu não sabia sua data de nascimento real. Com algumas possíveis suposições sobre qual poderia ser, com base em seu aniversário judaico, consegui obter uma cópia de sua certidão de nascimento perdida no consulado húngaro.

O mistério foi resolvido e o nome confirmado.


Meu avô Yishai (Jenő) Kohn nasceu em Debrecen, Hungria, em 1926, em uma família chassídica pobre. Ele cresceu na vizinha Nyíregyháza, com seus pais, três irmãs e um único irmão (dois outros irmãos faleceram ainda crianças).

Bilhete de identidade pertencente a Jenő Kohn do início de 1947, mostrando-o morando em Krumbach, Alemanha, estudando na pequena yeshivá de lá.
Bilhete de identidade pertencente a Jenő Kohn do início de 1947, mostrando-o morando em Krumbach, Alemanha, estudando na pequena yeshivá de lá.

Yishai era um estudante diligente e saiu de casa para estudar em várias yeshivot da região. Ele também era criativo e aventureiro. Quando os nazistas chegaram à sua cidade natal, pouco depois de Pessach, em 1944, enviaram todos os judeus em trens para Auschwitz. Os pais e o irmão mais novo do meu avô foram enviados para as câmaras de gás, mas ele e as suas irmãs sobreviveram através de uma série de milagres, atos de bondade e engenhosidade.

Foto sem data mostrando Yishai (à esquerda) no pós-guerra
Foto sem data mostrando Yishai (à esquerda) no pós-guerra

Depois da guerra, durante muitas passagens através de campos de DP, parece que ele “recolheu” ou comprou alguns documentos de identidade, presumivelmente para obter rações alimentares adicionais, bem como para colocar o seu nome nas listas de vários transportes que saíam da Europa (era aparentemente um oportunista e bastante experiente).

Seguindo o conselho e a bênção do Rebe Klausenberger que estava então no campo Föhrenwald DP, meu Zaidy solicitou e foi aceito para um visto canadense sob o nome falso de Jenő Rosenberg com sua data de nascimento adulterada, vários anos mais novo do que ele realmente tinha, provavelmente para que ele pudesse juntar-se a um transporte infantil partindo para o Canadá. Ele finalmente foi para Montreal, onde se casou com minha avó, constituiu família usando o novo sobrenome “Rosenberg” e tornou-se bem conhecido na comunidade com esse sobrenome.


Documento de identidade do início de 1948, incluindo seu número de prisioneiro em Auschwitz.
Documento de identidade do início de 1948, incluindo seu número de prisioneiro em Auschwitz.

Tivemos muitas discussões familiares sobre a mudança do sobrenome de nossa família. Não seria nada simples trocá-lo. E quanto às inscrições pendentes para o ensino médio e universitário? Passaportes e carteiras de motorista? Amigos e colegas de trabalho? A lista era imensa. Ao longo de muitos meses, chegamos ao consenso de que estávamos prontos para desfazer a identidade “falsa” assumida na sequência do desígnio maligno de Hitler.

A oportunidade para essa mudança era agora. Preenchemos toda a papelada.

Não sou ingênuo em pensar que seremos capazes de simplesmente abandonar o nome Rosenberg. Está em toda parte. Meu porta tefilin, meus livros, endereço de e-mail, quadros de arte, todos os perfis online existentes. Mas estamos caminhando em um longo processo. É um processo geracional. Estou ansioso, b'ezrat Hashem, para que os filhos dos meus filhos sejam Kohns de pleno direito desde o nascimento e retomem o legado que foi perdido sob circunstâncias tão trágicas.

Na manhã do 4º dia de Chanuca de 2022, nossa família se reuniu em um tribunal virtual no Zoom. Sentindo as nossas emoções nesta ocasião importante e apreciando o significado histórico de nossa motivação, a juíza engasgou-se e teve de sair da sala por um momento para recuperar a compostura.

Concluímos o processo formal de mudança de nome nos tribunais de New Jersey e agora somos os Kohns! Estamos profundamente gratos a D'us por nos dar a oportunidade deste enorme passo em frente, reconectar-nos ao nosso passado e reassumir o nome de família que os nossos antepassados mantiveram durante gerações.

Os Kohns (Rosenbergs), Teaneck, NJ
Os Kohns (Rosenbergs), Teaneck, NJ