Pergunta:
Mas como podemos realmente ter fé após o Holocausto, quando os judeus clamaram aos Céus e eles se mantiveram silenciosos? Quando um milhão e meio de crianças inocentes foram assassinadas somente porque seus avós tinham sido judeus? Como alguém pode acreditar em Deus depois disso?
Michel
Resposta:
Caro Michel, Esta é a grande pergunta e a questão das questões.
Tenho me encontrado com muitos sobreviventes do Holocausto. Tornaram-se meus amigos e mentores. Estão entre os mais fortes e entre os que mais afirmam a vida dentre todas as pessoas que conheço. Não consigo imaginar como sobreviveram tendo visto o que viram e conhecido o que sabem, e, no entanto, nenhum deles jamais me perguntou: “Onde estava D’us em Auschwitz?”
Vários deles perderam a fé ao longo desses anos, alguns a mantiveram e outros a reconstruíram ao longo do tempo. Alguns nunca haviam tido fé e continuaram sem tê-la. Mas a questão “Onde estava D’us?” não nasceu no Holocausto. Nasceu no dia em que Caim, a primeira criança humana, matou seu irmão Abel. D’us o havia prevenido, mas não deteve sua mão. Por quê? A dura resposta é que D’us não impede as pessoas de fazerem o que desejam. Pois dessa forma, não haveria liberdade. O mundo seria um grande campo de prisioneiros. D’us não faria isto.
Grande parte da Torá é constituída da história das decepções de D’us em relação àquilo que fizemos com esta liberdade. Mas Ele não a cancelou. Porém, deixe-lhe confessar. O Holocausto cria para mim uma contínua crise de fé que se aprofunda cada vez mais a medida que leio a respeito dele. Como pode alguém, após Auschwitz, manter sua fé, não em D’us – mas na Humanidade?
O Holocausto não aconteceu há tanto tempo nem num lugar tão distante. Ocorreu há menos de um século no coração da pós-religiosa, iluminista e racional Europa; no país, nação e cultura que produziu Goethe, Schiller, Mozart, Beethoven, Kant e Hegel, que clamava ter alcançado um novo status na História da civilização humana. Ele não foi executado por massas ignorantes. Mais da metade dos que participaram da reunião de Wannsee, em janeiro de 1942, e planejaram a “Solução Final” – o extermínio de todos os 11 milhões de judeus da Europa – tinham o título de “Doutor”. Eram médicos ou tinham doutorado.
Heidegger, o maior dos filósofos alemães do século 20, era um participante entusiasmado do regime nazista. Ele traiu colegas e alunos judeus, e depois da guerra, nunca expressou qualquer remorso pelo que fizera.
Cientistas, advogados, juízes, doutores e acadêmicos, todos tiveram sua participação no extermínio dos judeus e quase ninguém protestou. Nenhuma das disciplinas aclamadas como expressões do novo humanismo agiram como uma barreira contra o assassinato em massa.
A Ciência não proveu de qualquer proteção contra o antissemitismo racial nascido na Alemanha no final do Século 19 e que tinha por base duas (assim chamadas) Ciências: o “Darwinismo Social” e o “Estudo Científico das Raças”. De acordo com a primeira, as sociedades evoluíam da mesma forma que as espécies, as mais fortes eliminando as mais fracas. A segunda, mistura de biologia e antropologia, afirmava que os humanos se dividiam em diferentes raças, e cada uma com características imutáveis. Assim, negros, judeus e outros mais eram espécies inferiores.
Sabemos agora que ambas as teorias estavam erradas, mas naquela época eram consenso científico. A Filosofia também não serviu como defesa. No julgamento, Adolf Eichmann afirmou ser discípulo da ética kantiana. Na verdade, muitos dos grandes filósofos europeus, entre eles Voltaire, Fichte, Hegel, Schopenhauer e Nietzsche, bem como o próprio Kant, expressaram sentimentos marcadamente antissemitas. Nem as artes se salvam. Sabemos que um quarteto de cordas tocava música clássica em Auschwitz-Birkenau enquanto 1.250.000 pessoas – homens, mulheres e crianças – eram executadas com gás, queimadas e transformadas em cinzas. A civilização falhou em civilizar. O humanismo não impediu a desumanidade.
Hoje em dia mesmo, alguns dos mais famosos ateus são intolerantes e insensíveis à dignidade humana, incapazes de escutar pontos de vista opostos aos seus, e certamente não seriam as pessoas que chamaria para criar um mundo de liberdade e compaixão.
Não é fácil manter a fé depois de Auschwitz. O Rav de Klausenberg, Rabino Yekutiel Halberstein, que passou por vários campos de extermínio, disse:
“O verdadeiro milagre é o fato de nós, que sobrevivemos ao Holocausto, ainda mantermos nossa fé. Isto, meus amigos, é o maior milagre de todos.”
No livro que leva seu nome, diz Jó: “Ainda que ele me mate, continuarei a confiar Nele.”
A fé não significa que, faça eu o que fizer, tudo ficará bem. A liberdade que D’us nos dá inclui entre outras coisas a liberdade de nos destruirmos. A liberdade honra nossa humanidade somente quando é acompanhada de responsabilidade.
A fé é o chamado de D’eus para que sejamos responsáveis. D’us não nos salva de nós mesmos; D’us nos ensina como nos salvarmos de nós mesmos. A forma como Ele fez isso foi simples. No início da Torá, o livro que foi Seu maior presente para toda a humanidade, Ele nos ensinou que cada ser humano, independente de sua cor, classe ou credo, foi feito à imagem de D’us e segundo Sua semelhança. Isto significa que a vida é sagrada. Sagrado. Eis aí uma palavra religiosa. Não conheço nenhuma palavra secular que tenha a mesma força moral e poder para abrir caminho em meio a todas as sofisticadas racionalizações.
Após o Holocausto, mais do que em qualquer outra ocasião, precisamos do Eterno, pois não há limite para o mal que possa ser praticado pelos seres humanos quando se deixa de acreditar que algo é sagrado. Começando pela vida.
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