Há um mito muito bem conhecido de que os esquimós (ou como eles deveriam ser chamados adequadamente pelo seu respeitável nome, Inuit) têm uma centena de nomes para a palavra neve (na verdade eles têm tantos nomes para neve como temos em inglês). Essa lenda urbana está baseada na crença de que o idioma de diferentes povos reflete suas experiências e culturas únicas. Como os esquimós vivem num clima predominantemente nevado eles desenvolveram muitas palavras diferentes que expressam aspectos e variações diferentes de neve.
O que não é um mito, porém, é que a Torá tem muitos nomes para D'us – sete, dez, até setenta. Quando não temos muita interação com uma determinada experiência não seremos sensíveis nem nos importaremos com suas nuances. Assim, uma abordagem superficial ou casual sobre D'us não renderá muitos nomes. Mas as pessoas que amamos e que cuidamos trazem para nós muitos nomes (e apelidos) à medida que nos relacionamos com elas em diferentes modos e situações. Um relacionamento íntimo com D'us dita muitas dimensões da experiência, daí os muitos nomes que a Torá emprega em descrever as diferentes manifestações da experiência Divina. (de fato, o Zohar explica que a Essência Divina não tem nome, e não pode ser aludida de nenhuma maneira. Mas a revelação Divina se manifesta em uma infinidade de formas.)
O mesmo ocorre com a palavra liberdade. Curiosamente, sem pensar muito, liberdade significa ser livre. Mas se quisermos sentir liberdade em sua verdadeira forma, se quisermos ser livres no pleno sentido da palavra, perceberemos que liberdade tem nomes diferentes, expressando diferentes manifestações da experiência.
Liberdade. A palavra capta o progresso essencial do mundo ocidental moderno – o mundo livre. Mas o que realmente significa liberdade? E somos realmente livres?
Mesmo quando não temos inimigos, não somos escravizados às nossas necessidades e desejos, nossos próprios temores e inibições – nossos inimigos internos, psicológicos? E quanto a todas as forças e demandas impostas a nós pelo trabalho, responsabilidades materiais, chefes detestáveis e todos aqueles de quem dependemos, a constante inundação de marqueteiros invadindo nossas psiques – forças de opressão que podem nos debilitar não menos que um oponente empunhando uma arma?
É possível atingir a verdadeira liberdade?
Para sentir realmente a liberdade devemos nos associar a ela não em termos superficiais. Quando nos aproximamos para internalizar e experimentar a liberdade de maneira íntima, passamos a reconhecer que a liberdade na verdade tem mais de um nome, mais de uma manifestação.
Na porção da Torá Vayerá – a Torá torna o Divino íntimo – nos diz que há realmente quatro expressões diferentes para a palavra liberdade.
Quando D'us diz a Moshê que Ele vai redimir o povo judeu da sua escravidão egípcia, D'us usa quatro termos diferentes para a palavra redenção (que correspondem aos quatro copos de vinho que bebemos no Seder de Pêssach):
“Eu os tirarei do sofrimento do Egito; Eu os livrarei da escravidão, Eu redimirei vocês com braço estendido e com grandes juízos. Eu aceitarei vocês para Mim como uma nação, e serei para vocês um D'us...” (Shemot 6:6-7).
Praticamente falando, essas quatro expressões de liberdade refletem quatro estágios do Êxodo:
1 – Primeiro, o fim da longa escravidão opressiva de 210 anos – “Eu os tirarei do sofrimento do Egito.”
2 – O fim de todo o trabalho duro, que parou seis meses antes dos judeus realmente saírem o Egito – “Eu os livrarei da escravidão deles.”
3 – O verdadeiro êxodo, deixando fisicamente o Egito e a eliminação do inimigo egípcio – “Eu os redimirei com braço estendido e com grandes julgamentos.”
4 – O povo judeu torna-se uma nação livre impulsionada por uma missão mais elevada, servo apenas de D'us – “Eu os levarei para Mim como uma nação, e serei para vocês um D'us.”
Todos os eventos da Torá, especialmente aquele do êxodo egípcio, nos oferecem um plano psico-espiritual para nos guiar nos desafios de nossas próprias vidas.
A redenção do Egito representa transcendência. Mitzrayim (a palavra hebraica para Egito) significa limites e restrições, referindo-se a todas as limitações e inibições que nos confinam – físicas, emocionais ou espirituais. A redenção de Mitzrayim fornece a cada um de nós o poder de alcançar a liberdade pessoal e coletiva de todas as nossas restrições, seja um relacionamento não saudável, um estado de desespero emocional, ou qualquer coisa que esteja nos impedindo de atingir nossas metas.
Mas fazer isso requer um olhar próximo para as diferentes fases da redenção, para que possamos nos adaptar ao processo e alinhar nossos esforços de acordo.
Quatro etapas são necessárias para nos libertarmos de qualquer “armadilha” em nossas vidas, tudo com a ajuda do alto:
1 – “Eu os tirarei do sofrimento do Egito.”
Primeiro você deve sair da linha de fogo imediata. Enquanto você permanecer em uma situação abusiva, ao alcance de uma força que o está prejudicando, você não poderá começar a jornada rumo à liberdade.
Este primeiro passo para longe da causa imediata de seu sofrimento é apenas um primeiro passo, mas é crítico: se você não “parar o sangramento”, a cura não pode começar.
Este passo é muitas vezes o mais difícil de todos, porque após longos anos de sofrimento você pode se resignar e até mesmo se acostumar com a opressão, a tal ponto que ela se torna parte de sua vida e de seu ser que é difícil reconhecer o “inimigo”, ou até reconhecer que existe um “inimigo” (aquilo que chamamos hoje: negação, mas então era chamado de (Rio Nilo) e distingue amigo de inimigo.
2 – “Eu os livrarei da escravidão deles.”
Depois de ser retirado da situação destrutiva, você deve ser libertado do domínio da força opressora. Mesmo depois que seu duro trabalho terminou o povo judeu ainda permaneceu no Egito, sob o efeito da extensa exposição à sua cultura depravada e séculos de genocídio. Daí a necessidade de ser libertado e sair livre do vínculo psicológico de ser um “escravo” por tanto tempo.
3 – “Eu os resgatarei com braço estendido e com grandes juízos.”
Finalmente vocês saíram da “prisão”, mas o inimigo (ou similar) ainda está à espreita. Nesse estágio, você precisa de um “braço estendido” para abraçá-lo e mantê-lo firme e seguro, assegurando-lhe que estará a salvo. E “grandes julgamentos” que eliminam o inimigo, garantem que ele não volte. Mesmo após o Êxodo, embora o Egito permanecesse uma superpotência e, na verdade, eles perseguiram os judeus. Até que foram totalmente derrotados no Mar Vermelho.
4 – “Eu os tomarei para Mim como uma nação, e serei para vocês um D'us.”
As primeiras três frases foram sobre libertar-se do inimigo. Mas você ainda não está livre até descobrir quem você é. A liberdade não é meramente a ausência de escravidão – fugir do passado e escapar do negativo. A verdadeira liberdade é um estado de ser por si mesmo – a capacidade de ser fiel consigo mesmo, seu verdadeiro ser, e viver de acordo com seu chamado interior e seu destino espiritual.
Mesmo após o inimigo ser derrotado, você deseja uma vida que não seja definida pelo negativo, mesmo se opondo ao inimigo (como o anti-anti-semitismo). Você quer construir sua vida de uma maneira que represente ago grande (não contra algo) e uma vida que nunca mais permitirá que você seja escravizado novamente, explorado, ou constrangido em primeiro lugar.
Todos os problemas da vida começam por nos permitir sermos submetidos e escravizados às convenções feitas pelo homem. Quando você adora dinheiro, poder, conexões e status social – você trouxe sobre si mesmo um “mestre” imponente que subjugará sua liberdade e, por fim, aniquilará sua dignidade interior.
A liberdade suprema é não estar preso a dispositivos humanos; para descobrir seu chamado Divino e servi-lo com todas as suas faculdades e recursos. Somente então você pode se considerar um homem ou mulher livre.
Como é usual no pensamento da Torá, após ouvir sobre quatro estágios, há sempre uma nota de rodapé a ser adicionada:
Alguns comentaristas explicam que na Mesa do Seder servimos um quinto copo para o Profeta Eliahu correspondendo à quinta expressão da porção dessa semana:
“Eu os levarei à terra,”
Após terminarmos nosso árduo trabalho para nos libertarmos de nossos próprios “mitzrayim” – constrangimentos, correspondendo aos quatro níveis da alma (nefesh biológico, ruach emocional, neshamá cerebral e chayá transcendental), a quinta dimensão (yechidá unificada) emerge – o nível Essencial do Divino “traz você à terra,” com a vinda de Mashiach na redenção final, anunciada pelo Profeta Eliahu.
Este quinto nível não é acessível diretamente através de nossos esforços. Ele somente surge após passarmos pelas primeiras quatro fases.
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