Pergunta:
Em sua controversa biografia “Duty”, (“Dever”), o antigo Secretário de Defesa Robert Gates revela conversas privadas com o ex-Presidente Obama e outros políticos. Por um lado, isso parece ser uma traição de confiança; Gates está revelando informações que foram ditas a ele confidencialmente. Por outro lado, essa revelação dá ao povo americano informação importante sobre sua liderança. Numa república, isso certamente é necessário. O que a Torá diz sobre uma situação como essa? Um judeu, que é dirigido pela lei da Torá, poderia escrever um livro desse tipo?
Resposta:
Revelar segredos é proibido sob a injunção bíblica. “Não sairás por aí como um fofoqueiro entre teu povo; não deves ficar de pé ao ver [o derramamento de] sangue de seu companheiro. Eu sou o Eterno.”1
Essa injunção é tão importante que, segundo o Midrash, foi um dos fatores primários que contribuíram para a nossa libertação do Egito:
Pelo mérito de quatro coisas, os judeus foram redimidos do Egito – eles não mudaram seus nomes; não mudaram seu idioma; não revelaram os segredos uns dos outros; e não romperam barreiras da moralidade.2
Essa proibição pode se estender até a conversas que você não foi especificamente orientado a manter segredo. Na verdade, o primeiro versículo em Vayicrá declara: “E Ele chamou Moshê, e o Eterno falou com ele da Tenda do Encontro, para dizer [leimor].”
A palavra “leimor” significa “para falar para os outros”. A partir dessa palavra extra, o Talmud entende que se D'us não tivesse autorizado Moshê a partilhar o comunicado que se seguiu, ele teria sido proibido de fazê-lo.3
Isso é especialmente verdadeiro quando se trata de revelar os trabalhos interiores e os processos deliberativos de um tribunal ou instituição similar.4 O Talmud relata que Rabino Ami expulsou um aluno da sala de estudos porque ele tinha revelado os detalhes de uma discussão confidencial que tinha ocorrido ali 22 anos antes, dizendo: “Este homem revela segredos”.5
No entanto, antes de condenar o Sr. Gates baseado nas proibições acima, precisamos dizer que há algumas exceções notáveis:
- Segundo algumas autoridades, se nenhum dano aparente será causado por revelar a conversa, e não havia indicação de que o conteúdo deveria permanecer confidencial (ex. a conversa não foi feita num tom abafado ou área isolada), enquanto ainda possa ser louvável não revelar a informação, não há proibição de fazê-lo.6
- Um médico que tem informação sobre uma condição que pode colocar o público em risco (como graves problemas de visão ou doença contagiosa) deve partilhar este conhecimento com as partes apropriadas – mesmo se o paciente pede especificamente que ele mantenha isso em segredo. Na verdade, se o médico esconde a informação, ele pode ser culpado da proibição bíblica: “Não fique de pé ao lado [do derramamento] de sangue de seu companheiro.”7
- Sob certas condições, a pessoa pode revelar informação privada que irá salvar alguém de perdas financeiras.8
- Se uma pessoa está partilhando a informação negativa para um propósito construtivo e benéfico, a proibição contra fazê-lo não se aplica. Por exemplo, se você for indagado sobre informação sobre um potencial cônjuge ou empregado, e você tem informação que iria impedir sério prejuízo (ex., o noivo em potencial tem um temperamento extremamente ruim, ou o empregado é um ladrão), você tem permissão de revelar essa informação. Neste caso, porém, tenha em mente as palavras do Chofetz Chaim, a obra autoritária sobre a questão de fala proibida e permitida: Em uma situação em que a informação pode ser revelada, aquele que pergunta pela informação privada deveria afirmar que não está perguntando por curiosidade, mas para uma razão específica construtiva; ou seja, ele está pensando em promover um casamento ou em contratar a pessoa.
Além disso, quando responder, tenha o cuidado de manter em mente que alguém somente pode revelar a informação para um propósito construtivo e benéfico, mas não por intenção maliciosa. Isso significa ser cuidadoso para não revelar mais do que é necessário, e segue dizendo que qualquer exagero é proibido.9
Então como isso se aplica ao novo livro do ex-secretário de defesa?
Como a maioria dos políticos é extremamente cuidadosa com aquilo que falam e revelam ao público, devemos presumir que as conversas particulares discutidas no livro eram de fato destinadas a permanecer privadas. Porém, como discutimos, isso não significa automaticamente que a pessoa está proibida de revelá-las.
Não faço reivindicações ou julgamentos sobre as verdadeiras intenções de Mr. Gate ao escrever o livro (se elas foram nobres ou maliciosas), e não estou numa posição de julgar se as revelações têm um objetivo benéfico. Se o autor estivesse escrevendo um livro falso ou malicioso em prol de revelar “a verdade”, sem razão benéfica, ele seria definitivamente proibido. Porém, um argumento válido pode ser feito de que no caso de informação importante sobre políticos (em oposição a celebridades), que, entre outras coisas, irá ajudar os votantes a tomar uma decisão informada no tempo da eleição, a pessoa tem permissão de revelar essa informação.
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