Um homem aleijado teve uma visão na qual ascendeu aos mundos superiores. Ali ele entrou em certa câmara onde havia um grande tumulto; miríades de anjos corriam de um lado a outro. Ele perguntou, “Que câmara é esta?” Falaram para ele que aquela era a Central de Solicitações para Salvações, e os anjos estavam encaminhando as preces aos diferentes endereços.
O homem passou a uma segunda câmara. Lá também ele testemunhou um alvoroço, com dezenas de milhares de anjos se agitando em todas as direções. Novamente indagou o que estava ocorrendo ali e foi informado que aquela era a Câmara dos Pedidos Atendidos. Os anjos estavam se apressando para entregar as salvações.
O homem, logo saudável e ágil agora no mundo espiritual, continuou caminhando até chegar a uma terceira câmara. Ali não havia nenhuma atividade, nenhum movimento, apenas alguns anjos presentes em um ambiente de silenciosa calma. Ele perguntou sobre a finalidade desta câmara. Eles lhe responderam que infelizmente aquela que devia ser a mais movimentada, pois sua área sublime se destinava aos Agradecimentos oferecidos por aqueles que recebiam salvação para suas tribulações, estava vazia e calma. Os anjos ministrantes suspiraram e disseram: “pois é, as pessoas frequentemente ignoram as dádivas e bondades que recebem, ainda que prestem muita atenção aquilo que lhes falta...”
O que me lembra a piada de um judeu que circulava pelo centro da cidade procurando uma vaga de estacionamento. Começa a negociar com D’us prometendo uma grande soma de Tsedacá (caridade) se Ele lhe ajudar a achar um lugar para deixar o seu carro, pois estava atrasado para uma reunião importante de negócios. Após alguns minutos de frustração ele aumentou a oferta. Ao avistar logo um carro saindo alguns metros dali ele correu manobrando rapidamente o seu carro dentro do espaço, murmurando a D’us, “esqueça o que falei antes, obrigado, mas não preciso mais da Sua ajuda”.
Hacarat Hatov, a gratidão é um valor judaico de grande relevância. Uma das finalidades da nossa Tefilá (prece) é ter um atitude humilde e de reconhecimento a D’us por sua infinita bondade conosco. Começamos o dia com Mode Ani, agradecendo D’us pela dádiva de mais um dia com energias renovadas. Na oração da Amidá recitamos três vezes ao dia o Modim, reconhecendo ”Teus milagres que estão conosco diariamente e Tuas maravilhas e benevolência a todo instante.”
Devemos nos acostumar a agradecer a cada pessoa que nos presta algum serviço ou favor, a expressar palavras de elogio às pessoas mais próximas.O Talmud diz que : “Ein baal haness makir benisso”, que muitas vezes somos beneficiários de milagres e nem reparamos. Mas certamente por aqueles que conhecemos devemos expressar fervorosamente o nosso agradecimento. As bênçãos diárias, (matinais, nas orações e antes e depois de comer) servem para enraizar a gratidão em nosso caráter. O nosso exemplo apreciativo impacta muito nas atitudes de nosso cônjuge, filhos, alunos, funcionários e todos que convivem ao nosso redor.
A Torá nos ensina a cultivar a gratidão até para objetos inanimados que nos prestam conforto, prazer e utilidade. Moshê Rabeinu não podia bater com seu cajado nas águas do Nilo para transformá-las em sangue, tendo de passar esta tarefa a seu irmão Aharon, uma vez que estas mesmas águas o haviam protegido quando bebê, ao flutuar dentro de uma caixa de papiro revestido com piche entre os juncos perto da margem do rio.
É da natureza humana focalizar o que nos falta, o que está errado e deficiente em nossa vida. Podemos desfrutar de muitas coisas boas durante o dia, ainda assim o que prenderá a nossa atenção geralmente é um aspecto negativo, algo que não deu tão certo quanto desejaríamos. Também em nossos relacionamentos, com marido, esposa, pais, irmãos ou amigos. Eles podem nos prestar inúmeros favores, nos estender bondade, conselhos, solidariedade, hospitalidade etc, ainda assim, basta ocorrer algum mal entendido, ver um gesto ou ouvir uma palavra que julgamos inapropriado, e pronto, já é suficiente para esquecer todo o bem e passar a manter um relacionamento frio e distante.
Devemos nos acostumar a agradecer a cada pessoa que nos presta algum serviço ou favor, a expressar palavras de elogio às pessoas mais próximas. Sim, meu marido faz apenas a obrigação dele em pagar as contas de casa, mas, ele pode ser apreciado por isso! Sim, minha esposa não faz mais do que a obrigação dela ao administrar a limpeza da casa e as refeições, mas, uma palavra carinhosa é musica aos ouvidos de quem a recebe! Certo o rabino não faz mais do que sua obrigação em conduzir as rezas, oficiar momentos religiosos ou oferecer conselhos, mas ele pode ser valorizado por doar o seu tempo e seu calor humano! A lista é infindável!
Somos Yehudim. Este título deriva de Yehuda que recebeu seu nome quando a Matriarca Lea, sua mãe, disse, “Hapaam ode et Hashem”, “Esta vez agradecerei ao Eterno” (Bereshit 29:35). O Talmud Brachot 7b ensina que desde o dia em que o Santíssimo, bendito seja, criou Seu mundo, não houve nenhum homem que agradeceu a Ele, até que veio Lea e deu-lhe graças. Pois Lea sabia por inspiração Divina, que Yaacov teria doze filhos com suas quatro esposas e assumiu, portanto que a ela caberiam três. Quando teve o quarto filho (Yehudá), agradeceu especialmente por haver recebido mais do que lhe tocava de acordo com a conta. Ninguém havia agradecido a D’us, até então, de forma tão intensa como Lea. A essência de um judeu é a sua humilde capacidade de reconhecer as dádivas ao seu redor, não buscar somente os seus direitos ou reclamar pelo que ainda lhe falta, mas enxergar que D’us rege o mundo e lhe dá muito mais bênçãos que vão além de seu merecimento.
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