Adaptado de Likutei Sichot, Vol. VII, p. 188ff
Sichot Shabat Parshá Beshalach (5732, 5735)
Um Nome Deveria Dizer
A divisão da Torá em leituras semanais não foi feita de forma aleatória, nem é a escolha dos nomes daquelas leituras um fenômeno fortuito. O nome de cada seção é um resumo encapsulado da leitura como um todo e expressa seu tema fundamental.
A leitura desta semana contem várias narrativas importantes que demonstram o amor de D'us pelo Povo Judeu e a resposta dos judeus a Ele. Ela fala de vários dos mais impressionantes milagres da história do nosso povo: a abertura do Mar Vermelho, a descida do maná e a vitória sobre Amalek. E em relação à resposta dos judeus, ela inclui o Cântico do Mar Vermelho – um reconhecimento tão poderoso da mão de D'us a ponto de fazer com que até mesmo a pessoa mais simples chegasse ao nível de profecia1.
E, ainda assim, a natureza fantástica destes eventos não parece estar refletida no nome da leitura da Torá. Este Shabat é chamado Shabat Shirá (“O Shabat do Cântico”), lembrando o cântico no Mar Vermelho, mas o nome da leitura da Torá, Beshalach, significando “Quando ele enviou”, não tem uma ligação óbvia com aqueles acontecimentos. Ao contrário, Beshalach tem conotações negativas, indicando que nós tivemos de ser tirados do Egito contra nossa vontade. A Torá atribui o “enviar” ao Faraó, foi ele quem nos motivou a deixar o Egito.
Por Quê Foi o Faraó Quem Enviou os Judeus?
Descrever o Faraó como o agente do Êxodo aponta para um de seus objetivos e alude à nossa missão final dentro da Criação. Para enfatizar este fator, D'us disse a Moshê bem no início do processo de Redenção2:“Com mão forte [o Faraó] os enviará de sua terra”.
Pois a intenção da criação é a de que este mundo material e todos os seus elementos sejam transformados em uma moradia para D'us3. Isto inclui até mesmo aqueles elementos que, a princípio, se opuseram às forças da santidade. Finalmente, todo aspecto da existência servirá a um propósito positivo.
Em certos casos, como foi com o Faraó, uma transformação é necessária no início. Em seu estado original, tais pessoas não podem servir a um propósito positivo; portanto, “sua destruição é sua purificação”4, isto é, somente quando eles forem quebrados, sua natureza positiva será revelada.
Este conceito é destacado pelas profecias da Redenção que declaram5: “E Eu libertarei a terra dos animais perigosos”. Nossos Sábios interpretam isto como significando6 que os animais serão transformados de forma a não mais causarem mal, como está escrito7: “O lobo habitará com o cordeiro”. Na era da bondade final, os predadores continuarão a existir, mas “eles nem pilharão, nem destruirão”8. As tendências negativas serão eliminadas.
A intenção de D'us na criação foi não somente revelar a luz espiritual ilimitada dentro da existência material. Se fosse este Seu objetivo, Ele não teria criado um mundo material, pois as revelações nos mundos espirituais são muito maiores9. Nem é Seu objetivo meramente anular a influência daquelas entidades que se opõem à santidade, pois, então, sua criação não teria contribuído com nada. Em vez disso, o desejo de D'us é que todo aspecto da existência se torne parte de Sua moradia. E, assim como a moradia de um mortal revela a característica de seu proprietário, todo elemento da moradia de D'us tem a intenção de revelar uma diferente faceta de Sua Existência.
Como uma antecipação10 deste estado final, o nome de nossa leitura da Torá focaliza a transformação do Faraó. Os outros milagres mencionados também envolvem a negação das influências indesejáveis e/ou a expressão das fantásticas forças espirituais, mas, ao direcionar nossa atenção ao papel do Faraó ao enviar os judeus, o nome Beshalach ressalta a mensagem que mesmo o mais perverso dos elementos da existência pode gerar influências positivas 11.
Olhando para Além do Exílio
Uma questão, todavia, permanece não resolvida. Por quê foi necessário que o Faraó enviasse os judeus para fora do Egito? Por quê nós não estávamos ansiosos para sair?
Alguém poderia dizer que nós não tínhamos motivos para correr. Depois das pragas iniciais – mais de seis meses antes do Êxodo – a escravidão do Povo Judeu tinha terminado12. Os judeus estavam vivendo na mais seleta porção de uma rica terra13 e os egípcios estavam prontos para lhes dar qualquer coisa que quisessem14. Ademais, eles também tinham apoio espiritual, pois nossos Sábios relatam15 que yeshivot funcionavam durante o exílio no Egito. Por que, então, nós desejaríamos deixar o Egito? O que nós tínhamos a ganhar com isto?
Nossos Sábios declaram que todas as pessoas que não queriam sair morreram na praga da escuridão16. Todos os judeus que sobraram queriam partir. Eles perceberam que viver no exílio – mesmo no meio de segurança e prosperidade – não é o objetivo de um judeu. Por que então o Faraó precisou nos forçar a sair?
Para Provocar uma Vontade Superior
Esta questão pode ser resolvida com base em um conceito paralelo. D'us tinha prometido a Moshê que Ele daria aos judeus a Torá, como está escrito17: “Depois que tu levares o povo para fora do Egito, vocês servirão a D'us sobre esta montanha”.
Os judeus se alegraram com esta promessa e ansiosamente contaram os dias até que ela fosse cumprida18. Quando eles chegaram ao pé do Monte Sinai, eles acamparam com um espírito de unidade. E ainda assim, nós encontramos que “D'us segurou o Monte Sinai sobre eles”19, aparentemente forçando-os a receber a Sua Torá.
Se nós estávamos tão ansiosos, por que isto foi necessário?
A questão é que existem níveis de desejo. D'us queria que os judeus aceitassem a Torá com total compromisso, com sentimentos tão poderosos que era como se nossas vidas dependessem dela. Nós não fomos capazes de atingir, por nós mesmos, este nível de comprometimento; por isso D'us nos forçou a atingir este pico por meios externos.
Da mesma forma, em relação ao Êxodo, D'us queria que os judeus desejassem a liberdade com uma vontade mais profunda. Portanto, Ele produziu circunstâncias que despertaram comprometimentos profundos e envolventes.
Força Delicada
Beshalach também é uma lição em nossas relações com os outros. Todo judeu possui um desejo interior de seguir a Torá e suas mitsvot20. Entretanto, para que este desejo se manifeste em uma ação, um amigo é geralmente necessário para gentilmente nos levar a um nível mais profundo de vontade.
Este conceito está conectado com a Redenção, pois uma das qualidades que o Mashiach manifestará é uma capacidade “de compelir todo Israel a fortalecer sua prática da Torá”21.
Por que compulsão? Porque o Mashiach despertará um nível da alma que motivará cada um de nós a um comprometimento que ultrapassará nossa vontade individual. Nós sentiremos que algo além de nós mesmos está nos empurrando para frente e nos empurrando para esforços positivos. A manifestação deste compromisso permitirá, por sua vez, que o Mashiach cumpra sua missão de “lutar as guerras de D'us... e ter sucesso na construção do Beit HaMicdash em seu local, e reunir os remanescentes dispersos de Israel”. Que isto ocorra brevemente, em nossos dias.
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