Como muitos adolescentes no Kenia, eu passava férias todo ano em Mombasa, na costa do Oceano Índico. Ao contrário de muitos jovens, eu costumava caminhar durante as noites tropicais para observar o nascer da lua. De pés descalços, eu fazia meu caminho entre as palmeiras sussurrantes que cercavam os pequenos bangalôs do resort onde meus pais e eu sempre ficávamos. O suave e incessante marulhar das ondas batendo nos recifes de coral chegava aos meus ouvidos. Um vento suave soprava vindo do oceano, carregando o cheiro de sal e uma promessa de futuro.
Eu chegava ao meu ponto de observação favorito e perscrutava a vista da velha mas firme parede de tijolos construída sobre a beira do penhasco sobre a praia. Perante meus olhos estava o oceano negro. Uma massa escura e ondulante de ondas rolando ritmicamente, parecia que estavam zombando do tempo por serem partes da eternidade.
Dependendo do dia do mês, havia uma lua crescente ou então uma bola prateada abrindo caminho no céu de veludo. Subindo lentamente, ela lançava uma trilha de prata sobre as ondas. À medida que subia mais alto, o caminho ficava mais largo e mais longo. Inevitavelmente, eu chegava até a beira do penhasco para sentir a umidade das ondas e para ver a luz da lua refletida nos meus dedos. Fechava a mão para agarrar os raios prateados, mas a luz estava longe, muito distante; pertencia a outro mundo. Um mundo que eu ainda não podia alcançar. Porém apesar disso, minha essência sempre se sentia conectada com Algo maior que eu e ficava inspirada pela luz suave. Voltando para o bangalô, eu sentia a brisa do mar ainda soprando, cheia de sal e com a sugestão de um futuro repleto de luz.
Por fim, deixei para trás as praias iluminadas pela lua e viajei a Israel, onde me casei e tive a felicidade de criar uma família. Durante os anos deliciosos da criação dos filhos, eu me vi procurando raios de luz, como relâmpagos numa noite de tempestade, que iluminavam a paisagem e me mostravam para que direção viajar: o primeiro sorriso de um bebê que com frequência parecia vir após uma noite interrompida por gritos de cólica; o brilho amarelo das velas do Shabat após uma maratona frenética de cozinhar e limpar; o sorriso de um menino que sai correndo para encontrar os amigos que vão procurar girinos.
Aqueles clarões de luz invariavelmente me fazem sentir revigorada e segura sobre a importância do meu papel como esposa e mãe judia. Mais do que isso: se eu ouvir cuidadosamente o ritmo da minha alma, aqueles fachos de luz também me fazem sentir mais conectada ao meu Criador.
Na noite passada, não apenas vi um facho de luz; abrecei a luz da lua que costumava me enlevar todos aqueles anos na praia do Oceano Indico. Era a festa de Chumash do meu filho de seis anos. No primário, os meninos judeus começam a aprender o texto da Torá. Porção por porção, eles sistematicamente abrem caminho através dos Cinco Livros de Moshê lendo, cantando com o grupo tradicional, memorizando e entendendo. Quando os meninos completam duas ou três das porções, celebram numa festa com os rabinos que os ensinaram, com os pais e avós.
Meu filho Yaakov tomou banho e se vestiu para a festa duas horas antes do início. Quando finalmente chegou a hora de ele sair, fiz com que tirasse as calças do seu irmão mais velho e vestisse as próprias calças. Então lhe dei um sanduíche que, entre as mordidas, ele me garantiu que não poderia comer. Finalmente, quando fechei o zíper de seu casaco, rezei para que aquela fosse a primeira de muitas celebrações que ele faria em honra à Torá que tinha estudado.
No hall, trinta e três meninos marcharam até os bancos e as mesas no palco, mas eu conseguia ver apenas um. A coroa azul e dourada de papel na cabeça de Yaakov, segurando seus cachos firmemente por trás das orelhas, onde ele gostava. Uma gravata azul e dourada combinando, com o logotipo da escola, balançava para os lados enquanto ele saltava. Finalmente os meninos se sentaram.
Acenei e sorri; Yaakov acenou de volta. Acenei novamente e dei um largo sorriso, tentando mostrar seus anos de amor e orgulho na curva dos meus lábios. Ali estava o bebê que nunca ficava quieto o suficiente para eu abraçá-lo o quanto queria. O garotinho que correra antes de caminhar, que exigia um passeio matinal antes mesmo que eu conseguisse engolir meu café da manhã. O garotinho de dois anos que sempre rasgava as calças e abria buracos nas meias duas vezes mais rápido que o irmão. O menininho que, quando estava com febre, apertava as mãos gorduchas sob o queixo e se aninhava, quieto, para dormir. O menino que tinha levado um passarinho morto até a cozinha e perguntado se eu podia ajudar a enterrá-lo. Ali estava um menino de seis anos que conhece as porções da Torá melhor que eu.
Os meninos entoaram uma canção pedindo a D'us que lhes permitisse sempre aprender Torá. Numa segunda canção, eles agradeceram aos pais por encorajá-los a se esforçar, e pedindo para realizar suas esperanças e sonhos. Cantavam estridentemente, repletos de vitalidade, às vezes afinados com a música e às vezes não. Enquanto as notas repercutiam nas paredes da sala, tirei meu pacote de lenços de papel. Momentos como aqueles não podiam ser perdidos: certamente os Portões do Céu estão abertos para que nossas preces e esperanças entrem. Por favor, D'us, eu rezei, ajude-nos a guiar estes meninos para crescerem no orgulho de Sua Nação.
Em seguida um examinador, um venerável rabino com uma barba quadrada e longas costeletas que dançavam sem parar porque ele não parava quieto, testou os meninos individualmente. Estou certa de que cada mãe e cada pai rezava para que seu filho soubesse a resposta da pergunta; também tenho certeza de que toda mãe e todo pai rezavam por cada um dos meninos.
O rabino passava pelas fileiras questionando e encorajando os meninos. “O que D'us criou no quinto dia?” Quando o menino respondia corretamente, o rabino lhe dava um tapinha na bochecha. “Quais são os nomes dos rios que circundam o Jardim do Éden?” Uma resposta correta merecia um pulo do rabino. Após mais algumas perguntas, o rabino garantiu a eles que sabiam mais do que ele próprio havia parendido no dia de seu casamento. “Quantos reis lutaram com Avraham e quais eram seus nomes?”
Quando ele lhes perguntou se queriam questões mais difíceis, responderam unanimemente: “Sim.” Encantado, o rabino dançou alguns passos que o coreógrafo mais talentoso gostaria de imitar. Após mais perguntas, o rabino começou a recitar alguns versículos das porções de Torá e os meninos continuaram a cantar no tom tradicional. O rabino, agora estático, começou a fazer perguntas para a classe em geral. O ritmo era rápido e alguns meninos pulavam empolgados, enquanto os mais quietos erguiam as mãos e acenavam freneticamente, esperando ser chamados. Finalmente, as perguntas do rabino terminaram. Então chegou a hora para os meninos se aproximarem do rabino e receberem um novo Chumash coberto em papel prateado.
Olhei meu filho caminhar para a frente, apertar a mão do rabino e voltar para seu assentom o Chumash firmemente seguro. Mal tinha ele se sentado, e o Chumash coberto de papel prateado estava aberto à sua frente. A cabeça curvada sobre as sagradas palavras, ele leu as porções da Torá que tinha passado quatro meses aprendendo. Ajustou sua coroa azul e dourada, que tinha começado a escorregar para a frente, e olhou para cima por um instante. Pensei que ele olharia para a sala, procurando meu sorriso. Mas então vi que seus olhos estavam focalizados além de mim. Eles reluziam com centelhas de luzes que o conectavam com o Monte Sinai e com a Fonte mais alta de todas. Inclinou a cabeça novamente; um menino de seis anos envolto na Torá que tinha estudado, saboreando as palavras sagradas sobre as quais tinha lançado um apelo. Olhei para ele até que a música ao vivo começou, chamando todos os pais para abraçarem os filhos pelos ombros e dançarem num grande círculo.
Antes de Yaakov correr para seu pai, acenei para ele e ele veio correndo até mim. Então abracei o luar que tinha visto acima do Oceano Índico tantos anos atrás. Agora finalmente era uma parte de mim.
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