Muito já se escreveu sobre a aparente ausência em nossa sociedade de paixão dirigida a qualquer ideal além de nossos prazeres e necessidades pessoais. Nada na conversa secular contemporânea nos conclama a abrir mão ou a sacrificar qualquer coisa realmente valiosa por alguém ou por qualquer outra coisa. Até o casamento e a união familiar, outrora considerados instituições sagradas pelas quais valia a pena se sacrificar, são facilmente descartados quando entram em conflito com nosso conforto pessoal.
A causa original dessa condição, aparentemente, é o presente da liberdade com o qual nossa geração foi abençoada. A educação aberta tem nos dado acesso a um caldeirão de culturas, raças, grupos étnicos e sistema de crenças, liberando-nos de muitas fobias causadas pelo tribalismo de mente fechada e dogma social ou religioso. Isso por si mesmo é saudável: a mente liberal diminui preconceitos e defende tolerância e respeito por grupos e pessoas diferentes de nós.
Porém como todas as bênçãos, essa também não vem sem um desafio.
A educação liberal não é uma meta por si e em si mesma; é um meio para um fim. Emancipado do dogma e da doutrinação, você está habilitado a escolher um caminho com sua convicção interior. Pode adotar uma visão que seja realmente sua. Relacionamentos, amor, moralidade, fé, bondade e comprometimento podem agora emergir das profundezas de seu ser, em vez de vir das convenções sociais e pressões externas. Mas para que isso ocorra, crianças e estudantes precisam de pais, mentores e educadores que possam mostrar-lhes como utilizar as bênçãos da mente liberal para construir o caráter, desenvolver uma personalidade idealista e atingir a grandeza moral.
Para nossa decepção, o oposto tem ocorrido. Vivemos discutidamente na época mais sofisticada, livres para questionar todos os absolutos com a objetividade da razão. Fomos redimidos, num grau significativo, das doenças do fanatismo, intolerância e preconceito que há milênios têm assolado a humanidade. Mas em vez de vermos nossa liberdade como uma chance de promover fortes comprometimentos morais originando-se de desejos autênticos e espontâneos, utilizamos nosso zelo para deslegitimizar e trivializar qualquer compromisso que se aprofunde. Muitos têm se recolhido à solidão auto-centrada, gastando muita energia em defender o princípio de que nenhuma opção tem valor suficiente para ser levada sério demais. É possível que 5 mil anos da busca humana pela verdade fossem para culminar com um ideal não maior que a busca pela auto-preservação e gratificação?
Nosso extremo e interminável liberalismo da mente tem diminuído, em vez de construído, o caráter da juventude. Tem privado muitos da consciência milenar de que há verdades pelas quais vale a pena lutar, ideais que devemos aspirar, relacionamentos pelos quais vale a pena fazer sacrifícios. Timidez e reserva se tornaram o fundamento da nossa geração. Com todo o nosso progresso tecnológico, permanece o fato de que milhões acham impossível manter casamentos estáveis, criar filhos felizes e encontrar o verdadeiro significado em sua existência.
Cinquenta por cento dos primeiros casamentos estão fadados a terminar em divórcio, e um milhão de crianças são acrescentadas todo ano à lista de famílias rompidas. E, segundo as palavras de Oscar Wilde, sabemos o preço de tudo e o valor de nada. Entendemos nosso corpo como jamais entenderam antes, mas nos distanciamos de nossa alma. Fraqueza moral, atordoamento filosófico, e até uma vontade enfraquecida de sobreviver se tornaram muito comuns. Quando você não tem nada pelo que lutar, está realmente vivo?
Os Romancistas Russos
Abordei este assunto com o professor de literatura russa Dr. Andrew Kaufman Ph.D, co-autor do famoso Russo Para Idiotas. Ele me escreveu: Descobri que pessoas cujas vidas estão infundidas com claras injustiças são menos irresolutas sobre questões morais. Isso é o que me fascina sobre os grandes escritores russos, que tenho estudado por muitos anos. Eles não tinham problemas em adotar padrões morais claros sobre essas questões, porque tinham à frente total evidência das diferenças entre justiça e injustiça, liberdade e escravidão, moralidade e corrupção. Tolstoy e Dostoievsky, entre outros, não tinham dificuldade para adotar um padrão moral claro sobre esses assuntos. Para eles não eram abstrações intelectuais. Eram dolorosamente reais.
As universidades americanas, por outro lado, têm prestado um verdadeiro desserviço à minha geração. Têm desviado as perspectivas dos estudantes, e somente aumentado seu estado naturalmente resguardado. Essa geração de estudantes tem consigo uma suavidade interior. Os jovens americanos recentemente esclarecidos perderam sua coragem moral. Não acreditam em verdades absolutas e ideais elevados, porque aprendem nas universidades que fazê-lo seria “insensível” ou “antidemocrático”. É um problema real, porque quando não podemos definir o mal como mau, asseguramos que continue a existir e a crescer.
A Unicidade da Menorá
Há um elemento intrigante na construção do Tabernáculo, discutido na porção da Torá Teruma. De toda a mobília e equipamentos a serem construídos para o Tabernáculo, somente uns poucos tinham a exigência de serem feitos de uma única peça de ouro1. Um deles era a menorá, o candelabro de ouro de sete braços com 1 metro e meio de altura, aceso toda noite no santuário, lançando seu brilho sagrado à sua volta. (A Menorá de Chanucá com oito braços é uma celebração deste ritual noturno no Templo.)
“Fareis uma menorá de ouro puro”, instrui a Torá,2 “a menorá deve ser feita de uma só peça de ouro batido.” A menorá era uma estrutura elaborada, formada de muitas formas e nuances, porém precisava ser martelada a partir de um único lingote de ouro; nenhuma parte podia ser feita separadamente e afixada depois.
Rashi, o comentarista bíblico do Século 11, explica essa instrução claramente:3 “Ele não deve fazer [a menorá] em seções, nem deve fazer seus braços e lamparinas em pedaços separados e conectá-los depois no estilo que os trabalhadores de metal chamam de “solda” em francês antigo. Em vez disso, tudo deve vir de uma só peça. Ele (o artesão) bate com uma marreta e o corta com ferramentas, separando os braços para cada lado… O artesão extrai as partes da menorá do bloco sólido de ouro.”
Por Que a Dor de Cabeça?
Ora, você não precisa ser um talentoso artesão para avaliar como essa tarefa era difícil. A menorá era um artigo extremamente complexo e intrincadamente projetado. Por que a Torá exige que seja martelado a partir de um único bloco de ouro? Por que não construir a menorá de pedaços separados de metal, e então soldá-los juntos? O que é ainda mais intrigante é que a menorá era um de apenas três artigos no Tabernáculo que a Torá exigia que fossem construídos dessa maneira! A maioria dos outros artigos, como a mesa com os pães, o altar, a pia de lavagem, até o artigo mais sagrado – a arca, podiam ser construídos de pedaços separados de material. Porém a menorá, talvez o artigo mais intrincado no Templo, precisava ser feita a partir de uma só peça de ouro. Qual é a mensagem por trás disso?
A Torá, foi sugerido, está tentando transmitir uma profunda percepção na condição humana e o objetivo da educação. Se você já desejou se tornar uma menorá, uma fonte de luz para os outros, deve assegurar que é feito de “uma peça”. Para ser um líder, um pilar de convicção e um manancial de inspiração, você não pode se dar ao luxo de ser dicotomizado. Precisa saber quem você é e aquilo que defende. Precisa ser holístico.
Ambivalência e ambiguidade propiciam boa conversa nos cafés ou em páginas da rede. Porém em toda a sua glamurosa sofisticação, carecem da capacidade de inspirar a juventude. Paixão e convicção são frutos de um profundo e integrado senso de si mesmo. As crianças não reagem bem à ambivalência, porque lhes deixa com uma sensação de incerteza e com um vazio no coração. O Judaísmo sempre entendeu que se você deseja levar uma vida auto-contida, pode ser feito de muitas peças, dicotomizado e fragmentado. Mas se deseja se tornar uma menorá, se deseja inspirar seus filhos e seus alunos, se deseja lançar uma luz num mundo escuro e acender centelhas e iluminar vidas, precisa ser feito de “uma só peça”. Pode ainda lutar e se perguntar, porém deve saber quem você é, em que acredita, e por que está vivo.
Por que você foi criado?
Durante catorze anos tive o privilégio de assistir aos discursos semanais de um brilhante professor, um homem educado em ciências, artes e filosofia, que professava conhecimento enciclopédico nos ramos da física, ciência, história e literatura, e dominando o enorme acervo de textos bíblicos, talmúdicos, haláchicos e cabalísticos.
Era também uma pessoa com profunda compreensão, entendendo as complexidades da mente humana. Porém em quase todos os seus discursos e palestras, ele citava esta declaração talmúdica aparentemente simplista:4 “Eu fui criado para servir a D'us.” Muitas vezes eu me perguntava por que este extraordinário pensador se sentia obrigado a citar este dito repetidas vezes. Por que a necessidade de repetir algo que todos ouvimos centenas de vezes? Em retrospecto passei a entender que ao reiterar continuamente essa mensagem, sincera e efusivamente, nosso Rebe (mestre) deseja comunicar aos discípulos uma poderosa mensagem: Apreciem a diversidade, tolerem a diferença e abram-se para o colorido do mundo. Mas jamais se permitam tornar-se emocional e mentalmente despedaçados no processo. Lembrem-se de quem são e para que foram criados. Vocês foram criados para servir a D'us, cumprir Sua vontade e construir um mundo repleto de bondade e Divindade. Não permitam que a vida se torne tão complicada que vocês não saibam mais quem são e o que representam.
O sábio e esclarecido Rei Shelomô conhecia uma ou duas coisas sobre a força do cinismo. Leia o Livro de Eclesiastes. Porém ele também entendia que o ceticismo é um meio, não um fim. O versículo final deste perturbador livro bíblico é aquilo que está faltando no currículo educacional de hoje: “A palavra final, depois que se sabe tudo, é esta: Tema a D'us e observe Seus mandamentos, pois este é todo o objetivo do homem.”
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